Salvar o euro não é solução para resolver a crise
Por William Keegan
O governador do Banco da Inglaterra estava mais perto do porão do
banco que do telhado quando se queixou na semana passada de que “nosso
maior parceiro comercial, a Zona do Euro, está se dilacerando sem
qualquer solução evidente”. No dia seguinte, David Cameron aproximou
ainda mais a Grã-Bretanha de seus parceiros do outro lado do canal com a
advertência de que a Zona do Euro “ou tem de se refazer ou está olhando
para uma potencial ruptura”.
Para sir Mervyn, que se aproxima de seu último ano no cargo e se
manifesta cada vez mais, o problema não é “sobrevivência da Zona do Euro
bom, colapso da Zona do Euro ruim”, mas os enormes desequilíbrios
comerciais, os déficits de balança de pagamentos, as vastas diferenças
em competitividade e os sistemas bancários europeus ainda defeituosos.
“A sobrevivência do euro não é o problema”, ele disse.
O que estamos presenciando é uma conjuntura potencialmente
cataclísmica da duradoura crise do capitalismo financeiro moderno e os
defeitos inerentes à Zona do Euro como foi concebida originalmente.
Há muitos paradoxos e ironias nesta crise. A ideia geral por trás da
União Europeia foi garantir que não houvesse mais guerras na Europa.
Intimamente associado a esse objetivo estava o desejo de evitar os
níveis de desemprego e inquietação social que causaram a ascensão de
partidos extremistas de direita. (Não se passa um dia sem que haja uma
referência a Hitler na imprensa ou no rádio.)
Ao defender o mecanismo da taxa de câmbio e depois a zona do euro, os
franceses quiseram garantir que a política econômica da Europa não
fosse dominada pelos alemães. Mas estes continuam mais obcecados por
memórias folclóricas da inflação de Weimar do que pelo desemprego que
levou ao extremismo.
Esta é uma batalha que certamente não foi vencida pelos franceses —
na verdade, quando meu amigo Jean-Claude Trichet se tornou presidente do
Banco Central Europeu, ele foi amplamente acusado de ter-se
“nativizado”.
O resultado da eleição francesa mostra que hoje se espera que
François Hollande pegue o bastão. Os otimistas — ainda há alguns por aí —
apontam para algumas aparentes concessões dos políticos alemães sobre a
questão da assimetria da política econômica da Zona do Euro. Por
exemplo, se os membros meridionais da área quiserem estreitar a brecha
em sua competitividade de preços com a Alemanha, os alemães devem visar
ativamente um índice de inflação mais alto. Também há um reconhecimento
mais amplo da necessidade de grandes projetos de infraestrutura.
Meus amigos mais de esquerda esperam que o desenrolar dos
acontecimentos, não apenas na França mas também nas eleições estaduais
da Alemanha, anunciem o início de algo grande. Eu tenho dúvidas. Com o
desemprego elevado, e uma clara deficiência de demanda na Zona do Euro,
assim como no Reino Unido, ainda há demasiada ênfase dos políticos para
as reformas estruturais — no funcionamento do mercado de trabalho, por
exemplo.
A fragilidade dessa abordagem foi bem captada muitos anos atrás pelo
economista James Tobin, o da famosa taxa Tobin, sobre transações
financeiras, muito apreciado pelo presidente Hollande. (Tobin, que eu
tive o privilégio de conhecer, teve a distinção de não apenas ganhar um
Prêmio Nobel de economia, mas também de ter servido de modelo para um
personagem de
O Motim, de Herman Wouk.
Tobin escreveu: “Apesar das terríveis profecias de ficção-científica
que acompanham cada período de alto desemprego, o ressurgimento da
demanda agregada sempre criou empregos em números vastamente além da
imaginação dos pessimistas… Políticas estruturais de mercado de trabalho
só podem causar melhoras marginais”.
De fato, outro distinto economista Prêmio Nobel, o nosso Tony
Atkinson, sugeriu em uma conferência organizada pelo grupo de pensadores
Resolution Foundation na semana passada que o modo como as reformas
estruturais foram introduzidas no Reino Unido teve um impacto perverso
sobre os incentivos ao emprego.
Merkel e Hollande: França e Alemanha têm ideias diferentes sobre a direção da Zona do Euro.Foto: Brendan Smialowski/AFP
Mas voltemos àqueles desequilíbrios. A ironia aqui é que o Sistema
Monetário Europeu (EMS na sigla em inglês), o precursor do euro, foi
montado para fornecer “uma área de estabilidade monetária” depois que a
ruptura do antigo sistema de Bretton Woods em 1971-73 levou a um período
de taxas de câmbio extremamente flutuantes. Mas enquanto o sistema de
Bretton Woods tinha taxas de câmbio ajustáveis, sob a moeda única não há
ajustabilidade além das tentativas dolorosamente lentas de reduzir os
custos em economias que se tornaram anticompetitivas diante da Alemanha.
Houve um tempo em que, sob os auspícios da OCDE, vários “grupos de
trabalho” de autoridades analisavam os acontecimentos e recomendavam
ajustes nas políticas econômicas dos países, inclusive em relação às
taxas de câmbio. Mas naquele tempo os custos raramente estavam tão
desalinhados quanto se tornaram na Zona do Euro.
A boa notícia é que graças à opção de não participar de sir John
Major, e da recusa de Gordon Brown a entrar, a economia britânica pôde
ajustar sua taxa de câmbio.
A má notícia é que, como o primeiro-ministro britânico David Cameron e
o chanceler George Osborne continuam nos dizendo, poderemos ser
duramente atingidos por uma implosão de nosso principal mercado de
exportação de qualquer modo — embora menos gravemente do que se
tivéssemos aderido ao euro. Mas o governo britânico está sendo matreiro
ao atribuir todos os nossos problemas econômicos atuais à Zona do Euro:
Osborne fez uma contribuição significativa através de suas políticas
excessivamente deflacionárias.