segunda-feira, 7 de maio de 2012

APÓS 24 ANOS, FRANÇA ELEGE SOCIALISTA

APÓS 24 ANOS, FRANÇA ELEGE SOCIALISTA

FRANÇA REJEITA MEDIDAS DE SARKOZY E LEVA SOCIALISTA HOLLANDE À PRESIDÊNCIA
Autor(es): Andrei Netto
O Estado de S. Paulo - 07/05/2012
 

O discurso de defesa do crescimento econômico em lugar da austeridade devolveu ontem o poder na França aos socialistas, que não venciam eleições presidenciais havia 24 anos. Em votação apertada, o candidato do Partido Socialista François Hollande recebeu 51,7% dos votos, derrotando Nicolas Sarkozy, primeiro chefe de Estado francês em três décadas a não conseguir uma reeleição. Em um discurso sóbrio, Hollande disse que sua missão será levar a mensagem das urnas na França a toda a União Europeia. O vencedor toma posse no dia 15. Na primeira viagem como presidente, vai se encontrar com a chanceler alemã Angela Merkel, principal defensora da austeridade como receita contra a crise
Após mais de duas décadas de jejum, esquerda francesa vence eleição presidencial por margem apertada, destrona gaullista e volta ao Palácio do Eliseu; eleito promete "crescimento e prosperidade", presidente de saída indica que não concorrerá mais a cargos públicos

Numa votação apertada, confirmando os prognósticos, o socialista François Hollande foi eleito ontem presidente da França. O deputado que adotou o slogan da mudança e do crescimento econômico, em lugar da austeridade, obteve 51,7% dos votos – segundo projeção do "Le Monde" – quebrando o jejum de 24 anos nos
quais a esquerda francesa perdeu todas as disputas presidenciais. Impopular, o presidente Nicolas Sarkozy tornou-se o primeiro chefe de Estado da França em
três décadas a não ser reeleito. Ele obteve 48,3% dos votos. Os números finais da vitória seriam confirmados pelo Ministério do Interior ainda na noite de ontem, mas a festa da vitória espalhou-se pelas principais cidades do país a partir das 20 horas (15 horas em Brasília), quando pesquisas de boca de urna começaram a ser divulgadas.
O resultado selou o retorno de um socialista ao Palácio do Eliseu 1 7 a nos após o fim da era François Mitterrand. Sarkozy, do outro lado, entrou para a Hitória ao lado do ex-presidente Valéry Giscard D"Estaing, conservador derrotado a o fim de seu primeiro mandato, em 1981. Menos de meia hora após a divulgação dos resultados, Sarkozy partiu do Eliseu na direção do Teatro da Mutualité, onde os militantes da União pelo Movimento Popular (UMP) o aguardavam. "Quero agradecer a todos
os franceses pela honra que me foi dada, de ter sido escolhido para presidir o país durante cinco anos. Jamais vou esquecer", disse ele, assumindo a "responsabilidade integral pela derrota". "Não consegui convencer uma maioria dos franceses. Fizemos uma campanha inesquecível contra todas as forças – e Deus sabe que elas foram numerosas e coesas contra nós. Mas não consegui fazer vencerem os nossos valores", admitiu Sarkozy diante de seus partidários.
O presidente sugeriu que não voltará a se candidatar a cargos públicos, como havia anunciado, mas tampouco se afastará da vida política. "Vocês podem contar comigo para defender essas ideias, essas convicções, mas meu lugar não poderá mais ser o mesmo", afirmou, encerrando seu discurso emocionado. Fala da vitória. Mais de uma hora depois, François Gérard Georges Hollande, de 57 anos, ex- secretário-geral do PS entre 1997 e 2008, agora presidente eleito, veio à multidão que o aguardava no centro de Tulle, sua cidade natal. Em um discurso sóbrio, sem espaço para a emoção, Hollande enviou uma "saudação republicana" a seu oponente eafirmou estar "orgulhoso de ter sido capaz de devolver a esperança aos franceses". Como em pronunciamentos anteriores, prometeu uma "presidência exemplar", sem excessos. "A mudança deve estar à altura da França. Ela começa agora", garantiu, prometendo realizar um governo aberto aos eleitores da extrema direita. "Saibam que
eu respeito suas convicções e serei o presidente de todos."
Hollande ainda não anunciou nenhum nome de seu governo, mas reiterou suas metas. A primeira, disse, é levar à Alemanha e à União Europeia a mensagem das urnas na França. "Minha missão é dar à construção europeia uma dimensão de crescimento, de emprego e de prosperidade." Ainda à noite, líderes europeus como a chanceler da Alemanha, Angela Merkel, e o premiê britânico, David Cameron, tele-fonaram ao vencedor para parabenizá-lo. O presidente dos EUA, Barack Obama, também falou com o novo colega francês. O ministro das Relações Exteriores alemão, Guido Westerwelle, classificou a eleição como "histórica" e afirmou que os dois países "continuarão a cumprir suas missões e a assumir suas responsabilidades no seio da UE". "A disciplina fiscal e a estratégia do crescimento constituem as duas faces da mesma moeda", disse o ministro. Em sinal de reaproximação, Hollande e Merkel se encontrarão na primeira viagem oficial do novo presidente. O presidente eleito deixou Tulle em avião privado rumo à Paris, onde discursaria no início da madrugada às centenas de milhares de pessoas reunidas na Praça da Bastilha para comemorar a volta da esquerda ao poder.
Cumprimento de Dilma
A presidente Dilma Rousseff enviou ontem à noite cumprimentos a François Hollande. Ela defendeu que o aperto fiscal seja acompanhado por medidas de crescimento e inclusão social na França
PERFIL
François Hollande,
presidente eleito da França
Vencedor deu volta por cima
Há 18 meses, ninguém na França apostaria na vitória de François Hollande no segundo turno da eleição. Contrariando caciques do Partido Socialista, ele lançou em março de 2011 a pré-candidatura e iniciou um trajeto sem falhas até a vitória, mais de um ano depois. Filho de um médico ligado à extrema direita e de uma assistente social ultracatólica de esquerda, Hollande nasceu em 12 de agosto de 1954, em Rouen, noroeste da França. Criado em Neuilly-sur-Seine – a mesma cidade de Nicolas Sarkozy –, estudou Direito na Universidade de Paris, depois na Escola de Altos Estudos de Comércio (HEC) e no Instituto de Estudos Políticos (Sciences-Po), até chegar à Escola Nacional de Administração (ENA) – todas de alto prestígio.
Militante do partido desde 1979 e discípulo de François Mitterrand, eleito em 1981 presidente, fez o percurso "clássico" dos políticos franceses. Foi subindo de conselheiro municipal (equivalente a vereador) até chegar a secretário-geral do Partido Socialista, em 1997. Deixou o cargo sob críticas, desgastado pela derrota de Lionel Jospin para o extremista Jean-Marie Le Pen, em 2002, seguida do fracasso de sua mulher, Ségolène Royal, diante de Sarkozy, em 2007. Longe dos holofotes, Hollande separouse, emagreceu, conheceu a segunda mulher, a jornalista Valérie Trierweiller, e cercou-se de um grupo de conselheiros políticos que o aproximou dos discursos e símbolos de campanha de Mitterrand.

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