Salvar o euro não é solução para resolver a crise
O governador do Banco da Inglaterra estava mais perto do porão do banco que do telhado quando se queixou na semana passada de que “nosso maior parceiro comercial, a Zona do Euro, está se dilacerando sem qualquer solução evidente”. No dia seguinte, David Cameron aproximou ainda mais a Grã-Bretanha de seus parceiros do outro lado do canal com a advertência de que a Zona do Euro “ou tem de se refazer ou está olhando para uma potencial ruptura”.
Para sir Mervyn, que se aproxima de seu último ano no cargo e se manifesta cada vez mais, o problema não é “sobrevivência da Zona do Euro bom, colapso da Zona do Euro ruim”, mas os enormes desequilíbrios comerciais, os déficits de balança de pagamentos, as vastas diferenças em competitividade e os sistemas bancários europeus ainda defeituosos. “A sobrevivência do euro não é o problema”, ele disse.
O que estamos presenciando é uma conjuntura potencialmente cataclísmica da duradoura crise do capitalismo financeiro moderno e os defeitos inerentes à Zona do Euro como foi concebida originalmente.
Há muitos paradoxos e ironias nesta crise. A ideia geral por trás da União Europeia foi garantir que não houvesse mais guerras na Europa. Intimamente associado a esse objetivo estava o desejo de evitar os níveis de desemprego e inquietação social que causaram a ascensão de partidos extremistas de direita. (Não se passa um dia sem que haja uma referência a Hitler na imprensa ou no rádio.)
Ao defender o mecanismo da taxa de câmbio e depois a zona do euro, os franceses quiseram garantir que a política econômica da Europa não fosse dominada pelos alemães. Mas estes continuam mais obcecados por memórias folclóricas da inflação de Weimar do que pelo desemprego que levou ao extremismo.
Esta é uma batalha que certamente não foi vencida pelos franceses — na verdade, quando meu amigo Jean-Claude Trichet se tornou presidente do Banco Central Europeu, ele foi amplamente acusado de ter-se “nativizado”.
O resultado da eleição francesa mostra que hoje se espera que François Hollande pegue o bastão. Os otimistas — ainda há alguns por aí — apontam para algumas aparentes concessões dos políticos alemães sobre a questão da assimetria da política econômica da Zona do Euro. Por exemplo, se os membros meridionais da área quiserem estreitar a brecha em sua competitividade de preços com a Alemanha, os alemães devem visar ativamente um índice de inflação mais alto. Também há um reconhecimento mais amplo da necessidade de grandes projetos de infraestrutura.
Meus amigos mais de esquerda esperam que o desenrolar dos acontecimentos, não apenas na França mas também nas eleições estaduais da Alemanha, anunciem o início de algo grande. Eu tenho dúvidas. Com o desemprego elevado, e uma clara deficiência de demanda na Zona do Euro, assim como no Reino Unido, ainda há demasiada ênfase dos políticos para as reformas estruturais — no funcionamento do mercado de trabalho, por exemplo.
A fragilidade dessa abordagem foi bem captada muitos anos atrás pelo economista James Tobin, o da famosa taxa Tobin, sobre transações financeiras, muito apreciado pelo presidente Hollande. (Tobin, que eu tive o privilégio de conhecer, teve a distinção de não apenas ganhar um Prêmio Nobel de economia, mas também de ter servido de modelo para um personagem de O Motim, de Herman Wouk.
Tobin escreveu: “Apesar das terríveis profecias de ficção-científica que acompanham cada período de alto desemprego, o ressurgimento da demanda agregada sempre criou empregos em números vastamente além da imaginação dos pessimistas… Políticas estruturais de mercado de trabalho só podem causar melhoras marginais”.
De fato, outro distinto economista Prêmio Nobel, o nosso Tony Atkinson, sugeriu em uma conferência organizada pelo grupo de pensadores Resolution Foundation na semana passada que o modo como as reformas estruturais foram introduzidas no Reino Unido teve um impacto perverso sobre os incentivos ao emprego.
Mas voltemos àqueles desequilíbrios. A ironia aqui é que o Sistema Monetário Europeu (EMS na sigla em inglês), o precursor do euro, foi montado para fornecer “uma área de estabilidade monetária” depois que a ruptura do antigo sistema de Bretton Woods em 1971-73 levou a um período de taxas de câmbio extremamente flutuantes. Mas enquanto o sistema de Bretton Woods tinha taxas de câmbio ajustáveis, sob a moeda única não há ajustabilidade além das tentativas dolorosamente lentas de reduzir os custos em economias que se tornaram anticompetitivas diante da Alemanha.
Houve um tempo em que, sob os auspícios da OCDE, vários “grupos de trabalho” de autoridades analisavam os acontecimentos e recomendavam ajustes nas políticas econômicas dos países, inclusive em relação às taxas de câmbio. Mas naquele tempo os custos raramente estavam tão desalinhados quanto se tornaram na Zona do Euro.
A boa notícia é que graças à opção de não participar de sir John Major, e da recusa de Gordon Brown a entrar, a economia britânica pôde ajustar sua taxa de câmbio.
A má notícia é que, como o primeiro-ministro britânico David Cameron e o chanceler George Osborne continuam nos dizendo, poderemos ser duramente atingidos por uma implosão de nosso principal mercado de exportação de qualquer modo — embora menos gravemente do que se tivéssemos aderido ao euro. Mas o governo britânico está sendo matreiro ao atribuir todos os nossos problemas econômicos atuais à Zona do Euro: Osborne fez uma contribuição significativa através de suas políticas excessivamente deflacionárias.
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