terça-feira, 8 de maio de 2012

Perspectivas da economia chinesa

Perspectivas da economia chinesa

Autor(es): Caio Megale e Artur Manoel Passos
Valor Econômico - 08/05/2012
 

O Brasil teve avanços importantes nos últimos 15 anos. O tripé de política econômica - inflação controlada, câmbio flutuante e responsabilidade fiscal - trouxe credibilidade ao país, reduzindo o custo de captação externo. Reformas, que mudaram as instituições, geraram crescimento e atraíram novos investimentos externos diretos. Ficaram para trás os antigos problemas recorrentes no balanço de pagamentos que faziam o Brasil ficar sobressaltado a cada crise externa. Hoje a dívida externa brasileira não existe e as exportações cresceram muito.
Uma parte do sucesso nas contas externas deve-se ao expressivo ganho nos termos de troca. A China teve um papel importante nesse processo. A forte demanda por commodities foi decisiva na elevação dos preços desses produtos no mercado internacional, explicando boa parte deste ganho nos termos de troca.
Entender a dinâmica da economia chinesa passou a ser, portanto, fundamental para o Brasil. Como ela se comportará nos próximos anos? O governo chinês dá sinais de estar comprometido com reformas que modifiquem seu modelo de crescimento. O país deve crescer menos, porém de forma mais sustentável. Ao mesmo tempo, os sinais apontam para um ritmo lento de ajustes, seguindo o gradualismo que marcou o país nas últimas décadas.
Estudo sugere que não há espaço para que o investimento continue crescendo mais rápido do que o PIB, sob pena de surgirem projetos de qualidade duvidosa. O consumo, por sua vez, deverá ganhar espaço na demanda doméstica.
Em 2007, o premiê Wen Jiabao afirmou que o crescimento chinês é "instável, desbalanceado, descoordenado e insustentável", e desde então o governo vem buscando um rebalanceamento. O último plano quinquenal (2011-2015) reafirma esse diagnóstico e aponta o caminho.
Do lado da demanda, o objetivo é fortalecer o consumo doméstico. Do lado oferta, o plano prevê o aumento da participação do setor terciário no Produto Interno Bruto (PIB). Além disso, o governo almeja aumentar o valor agregado das manufaturas e a liberar gradualmente a conta financeira do balanço de pagamentos.
A crise de 2008/2009 interrompeu temporariamente o processo. Em resposta à queda nas exportações, o governo expandiu os investimentos, principalmente em infraestrutura e no setor imobiliário. Como consequência, a participação dos investimentos no PIB chegou a quase 50%. A dívida dos governos locais aumentou cerca de 17% do PIB em 2008 para 26% em 2010. Aumentou a incerteza em relação ao pagamento dos empréstimos bancários que financiaram essa expansão, embora o governo tenha espaço para absorver eventuais perdas e prevenir uma crise bancária.
Passada a crise, o rebalanceamento induzido pelo governo foi retomado. Os investimentos ainda crescem mais do que o PIB, mas vêm desacelerando. O superávit na conta corrente do balanço de pagamentos declinou de 10% do PIB em 2007 para menos de 3% em 2011, em parte resultado do aumento da demanda doméstica e da apreciação da taxa de câmbio - embora o baixo crescimento cíclico nos países desenvolvidos também tenha contribuído no ajuste.
As reformas devem continuar. A recente redução da meta de crescimento de 8,0% para 7,5% em 2012 indica disposição do governo em aceitar um crescimento menor, necessário para viabilizar uma evolução mais sustentável à frente (cabe lembrar, contudo, que o crescimento efetivo costuma ser maior do que a meta). A estrutura tributária deve voltar a ser ajustada em 2012, aumentando a renda disponível das famílias. Ao mesmo tempo, o governo já elevou duas vezes os preços de gasolina e diesel e prometeu ajustes nos mecanismos que regulam preços de eletricidade e de combustíveis.
No setor financeiro, foi anunciado um programa piloto na cidade de Wenzhou que vai viabilizar uma participação maior do setor privado. Apesar da preocupação com os mecanismos de financiamento fora do balanço dos bancos, estes podem ser vistos como um passo na direção da desregulamentação das taxas para os depósitos e empréstimos, desde que estejam sob um arcabouço regulatório bem desenhado.
Por fim, os aumentos da largura da banda de flutuação diária do yuan em relação à taxa de referência e do programa de investimento em ativos domésticos para investidores qualificados, ambos anunciados em abril, vão na direção de diminuir as restrições nos fluxos de capital.
Esses fatores devem levar a uma lenta redução das taxas de crescimento do PIB. A equipe de economistas do Itaú publicou um estudo tentando medir o crescimento potencial das principais regiões do mundo (1). Para a China, o estudo sugere que não há espaço para que o investimento continue crescendo mais rápido do que o PIB, sob pena de surgirem projetos de qualidade duvidosa, como os que apareceram durante a retomada pós-crise de 2008. O consumo, por sua vez, deverá ganhar espaço na demanda doméstica.
O cenário do Itaú prevê uma diminuição do crescimento potencial a um valor entre 6,5% e 7,0% no final desta década. O crescimento menor decorre da desaceleração dos investimentos e de fatores demográficos (força de trabalho crescendo menos). Além disso, há uma tendência de relocação da mão de obra: a migração do campo para a cidade continuará, mas os trabalhadores irão cada vez mais para o setor de serviços, que é menos produtivo.
Em suma, a China continuará avançando, contribuindo para o crescimento mundial e para a demanda por commodities. Mas o ritmo será mais moderado, em resposta a medidas governamentais para rebalancear a economia. Este é um cenário ainda favorável para o Brasil, mas que traz desafios. Ganham importância reformas estruturais que acelerem a produtividade da economia e abram espaço para aumentar os investimentos em infraestrutura. Desta forma, reduziremos ainda mais a dependência do ambiente internacional. Afinal, os ventos externos favoráveis não devem ser tão forte como nos últimos 10 anos.
(1) Itaú Macro Latam 2020 (março de 2012). Disponível em bit.ly/Macro_Latam_2020
Caio Megale e Artur Manoel Passos são economistas do Itaú Unibanco.

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