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domingo, 2 de fevereiro de 2014

Difícil combate à pobreza

difícil combate à pobreza

Autor(es): Rubens Barbosa
O Estado de S. Paulo - 24/12/2013
 

A crise nos Estados Unidos e na Europa tem gerado consequências sociais impensáveis há algum tempo. Pela dimensão que está alcançando, o aumento da concentração de renda e da pobreza é uma preocupação crescente. Nos Estados Unidos, desde o início da crise econômica, em 2008, mais de 10 milhões - representando 15,1% da população - empobreceram, acentuando a desigualdade de renda no país.
A índia e a China, com cerca de 1 bilhão de cidadãos vivendo abaixo do nível de pobreza, enfrentam um problema de difícil solução.
Na América Latina, a situação não é diferente. Segundo recente estudo da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), a redução do crescimento da economia tem reflexos claros na taxa de pobreza, apesar de os indicadores de geração de emprego serem positivos. O porcentual de pobres, que era de 29,6% em 2011, recuou apenas 14% em 2012, passando a 28,2% da população. A Cepal adverte que a pobreza tende a perdurar mesmo que se mantenham programas de transferência de renda, porque os governos da região não estão suficientemente empenhados em enfrentar deficiências graves, como saneamento básico, falta de água potável e educação de baixa qualidade, fatores que impedem a melhoria" de vida dos cidadãos.
Isso deveria ser um alerta ao Brasil, que, embora esteja desenvolvendo inúmeros programas visando à diminuição da desigualdade de renda, não parece poder contar com altas taxas de crescimento nos próximos anos.
O espírito natalino é apropriado para lembrarmos de nossos irmãos ainda tão necessitados.
No Brasil, segundo dados oficiais, o retrato socioeconômico, que considera escolaridade, acesso a bens, composição familiar e região, indica que ainda há mais de 16 milhões de brasileiros vivendo abaixo do nível de pobreza. A eliminação ou a sensível redução desse problema, no entanto, parece menos difícil do que nos dois países-membros do Brics acima citados.
Durante a campanha presidencial de 2010, um dos principais pontos programáticos da candidata Dilma Rousseff foi a eliminação da pobreza absoluta. Isso significa que até 2014 não deveria haver ninguém vivendo com menos do que R$ 70 por mês. Trata-se de uma ideia força de difícil realização, dada a magnitude da questão, e um desdobramento natural do programa de inclusão social iniciado no governo FHC e ampliado no governo Lula.
Ninguém contestará que R$ 70 por mês é ainda valor muito baixo para considerarmos que a pobreza está superada, até porque esse valor é insuficiente para a compra de alimentos da dieta mínima recomendada pelo próprio governo federal. Sem falar na erosão desse valor pela inflação de alimentos recente.
No primeiro ano de governo Dilma, foi lançado o programa Brasil sem Miséria, que tem no programa Bolsa Família ampliado um dos seus principais instrumentos. Recentemente, após um reajuste do Bolsa Família, o governo anunciou que teria havido redução de 40% da pobreza extrema.
Como um reforço importante, o atual governo passou a contar com o apoio do Banco Mundial para a ampliação da cooperação no combate à pobreza e à execução do programa Brasil.
O espírito natalino é apropriado para nos lembrarmos de quem ainda é tão necessitado
sem Miséria. O banco aprovou uma Estratégia de Parceria com o governo brasileiro, de US$ 8 bilhões (aproximadamente R$ 16 bilhões), que seguramente será a principal atividade da instituição no Brasil durante os anos 2012-2015. A estratégia estará em sintonia com o programa de erradicação da pobreza extrema, nos aspectos que visam a melhorar as oportunidades sociais e econômicas para 16 milhões de pessoas mais vulneráveis no País.
A nova estratégia de engajamento com o Brasil se enquadra na política de favorecer as necessidades de países de renda média. A estratégia traça um programa de até US$ 5,8 bilhões em novos financiamentos do banco aos governos federal e estaduais e de US$ 2 bilhões em empréstimos para o setor privado ao longo dos dois primeiros anos fiscais da estratégia (2012 e 2013). A Estratégia de Parceria 2012-2015 foi preparada em consulta com o governo brasileiro e incluiu sugestões dos governos estaduais, setor privado e organizações da sociedade civil, inclusive por meio da internet.
O programa dá prioridade ao Nordeste – onde vivem 59% da população mais carente - e busca promover investimentos redutores de desigualdade em outras regiões, com o objetivo de ajudar o crescimento do País. Esse apoio ao Brasil se concentra em quatro objetivos a serem alcançados até 2015: melhorar a qualidade e a cobertura dos serviços para a população de baixa renda; promover o desenvolvimento econômico e social regional; melhorar a gestão dos recursos naturais; e aumentar a eficiência dos investimentos públicos e privados. Espera-se que a cooperação com o Banco Mundial nesse importante programa produza resultados efetivos para o Nordeste.
O combate à pobreza não se reduz a uma única atividade de transferência de renda, como o Bolsa Família, mas a um conjunto de ações governamentais em múltiplas áreas, como educação, saúde e saneamento. E isso que a sociedade espera do governo.
Jeffrey Sachs, em seu livro "O Fim da Pobreza - como acabar com a miséria mundial nos próximos 20 anos" afirma que para isso "serão necessárias ações coordenadas dos países ricos e pobres, a começar por um pacto global. Os países pobres devem levar a sério o fim da pobreza e os ricos precisarão superar chavões relacionados à ajuda aos pobres e cumprir as repetidas promessas de dar mais auxílio".
A ONU propôs a criação de taxa internacional para levantar US$ 400 bilhões por ano para combate à pobreza. Medidas como essa, parte desse pacto global, estão cada vez mais difíceis, sobretudo agora, pelos problemas enfrentados pelos países desenvolvidos com a crise econômica global.

segunda-feira, 28 de maio de 2012

País tem legião de ‘pobres invisíveis’

País tem legião de ‘pobres invisíveis’

Fora do radar do governo, País tem 700 mil famílias em ‘extrema pobreza’
Autor(es): Roldão Arruda
O Estado de S. Paulo - 28/05/2012
 

Há um ano o governo federal começou a mapear os brasileiros miseráveis que não estão sob o abrigo de programas sociais. Esperava encontrar 800 mil famílias até 2013. Só no primeiro ano de busca já achou 700 mil.
Pente-fino promovido pelo ministério mostra que estatísticas oficiais ignoravam legião de miseráveis, que ficaram descobertas até pelos programas sociais incrementados na gestão do ex-presidente Lula

Um ano atrás, o governo federal pôs em andamento uma operação para localizar os chamados miseráveis invisíveis do Brasil - aquelas famílias que, embora extremamente pobres, não estão sob o abrigo de programas sociais e de transferência de renda, como o Bolsa Família. Na época, baseado em dados do IBGE, o Ministério do Desenvolvimento Social estabeleceu como meta encontrar e cadastrar 800 mil famílias até 2013. Na semana passada, porém, chegou à mesa da ministra Tereza Campello, em Brasília, um número bem acima do esperado: só no primeiro ano de busca foram localizadas 700 mil famílias em situação de extrema pobreza e invisíveis.
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TV ESTADÃO: ex-pintor não sabia que poderia ter acesso ao Bolsa Família
Considerando apenas o chefe da família, isso corresponde à população de João Pessoa (PB). Se for levada em conta toda a família, com a média de quatro pessoas, é uma Salvador inteira que estava fora dos programas.
O resultado da operação, conhecida como busca ativa, também surpreende pelas características dessa população: 40% das famílias invisíveis estão em cidades com mais de 100 mil habitantes. Com o desdobramento e a análise das estatísticas, é provável que se constate que a maioria dos miseráveis invisíveis não estão nos grotões das regiões Norte e Nordeste, como quase sempre se imagina, mas na periferia dos centros urbanos.
"Estamos falando de famílias extremamente pobres que até agora não faziam parte do cadastro único do governo federal e por isso não eram vistas na sua integridade, de acordo com suas necessidades e carências", observa a ministra Tereza Campelo. "Podiam ter filhos na escola, mas não tinham acesso ao básico dos programas sociais, como o Bolsa Família, a tarifa social de energia elétrica e outras ações."
Para chegar a essas pessoas o ministério partiu do princípio de que, por algum motivo, elas não conseguiam chegar aos serviços de assistência social das prefeituras e pedir a inscrição no cadastro único. "Era preciso sair dos escritórios. Mobilizamos prefeituras, agentes de saúde, empresas de distribuição de energia elétrica", conta Tereza. "As prefeituras estão sendo remuneradas por esse trabalho."
Acidentado. Em Franco da Rocha, na região metropolitana de São Paulo, a assistente social Marisa Lima foi uma dessas agentes mobilizadas para caçar os invisíveis. Em janeiro deste ano ela estava trabalhando na Unidade Básica de Saúde Municipal do Centro, na Avenida dos Coqueiros, quando apareceu por lá Raimundo Marques Ferreira, pintor de paredes, de 52 anos.
Buscava remédios e assistência médica, rotina que segue desde 2007 quando sofreu um acidente de trabalho. Caiu num fosso de elevador e teve os movimentos motores do lado esquerdo do corpo comprometidos. Como não era registrado e a empresa fechou as portas após o acidente, ficou sem nenhum tipo de cobertura. Os laudos médicos, que guarda presos com um elástico, indicam que também sofre com depressão e problemas neurológicos.
Separado, Ferreira mora com quatro filhos num cômodo de pouco mais de 30 metros quadrados, no fundo de um quintal, na Vila Zazu, bairro pobre de Franco da Rocha. É uma casa limpa, mas úmida e escura, erguida rente a um barranco ameaçador. Na época das chuvas, Ferreira sempre é visitado pela Defesa Civil, que insiste para que abandone o lugar. "Sair para onde?", indaga. "Aqui eu não pago aluguel."
Não sabia como fazer. No centro de saúde, abordado pela assistente social, o pintor contou que "já tinha ouvido falar" do Bolsa Família, mas não sabia se tinha direito, nem como se inscrever. Hoje recebe R$ 102 por mês, que usa sobretudo para pagar as contas de água e luz e comprar alguma comida. Dois de seus filhos, com 16 e 13 anos, foram inscritos no Ação Jovem, do governo estadual, que garante R$ 80 por mês, desde que frequentem a escola.
Agora a assistência social orienta Ferreira para que obtenha uma aposentadoria por invalidez, no valor de um salário mínimo, no INSS. Se conseguir, ele quer ampliar a casa onde mora e investir em cursos de informática para os filhos menores. Ele tem o olhar triste e fala em voz baixa, com modos tão humildes que dá a impressão de assustar-se com o mundo à sua volta.