Senador boliviano se adapta a Brasília
Autor(es): Andreza Matais |
O Estado de S. Paulo - 09/12/2013 |
Após confinamento, Roger Pinto vive "de favor; definição sobre visto permanente sai em fevereiro
Cento
e seis dias após protagonizar uma fuga espetacular para cruzar a
fronteira que separa a Bolívia do Brasil, o senador boliviano Roger
Pinto Molina transpôs na semana passada os limites que o mantinham
abrigado no quarto de empregada do apartamento funcional do senador
Sérgio Petecão (PSD-AG). "Pinto foi promovido", disse o político
brasileiro. Ele ganhou um quarto fora da área de serviço, um antigo
escritório, com janela, cama de casal e ventilador. O espaço era ocupado
por um sobrinho do senador que se mudou.
O
político boliviano chegou ao Brasil no fim de agosto, após deixar a
embaixada do Brasil em La Paz com a ajuda de diplomatas brasileiros. A
fuga provocou uma crise na diplomacia brasileira, resultou na demissão
de Antonio Patriota do comando do Ministério das Relações Exteriores e a
abertura de processos administrativos que podem resultar na demissão
dos dois diplomatas que ajudaram Pinto a sair do seu país.
A
decisão pela fuga foi tomada 454 dias após o senador ter se refugiado
na embaixada brasileira na Bolívia. Ele sofria ameaças depois de acusar o
governo de Evo Morales de envolvimento com o narcotráfico. Sem poder
sair do prédio da embaixada, com depressão e problemas de saúde, o
senador comoveu os diplomatas brasileiros que decidiram agir por conta
própria diante do silêncio do governo brasileiro sobre a situação. Essa é
definida pelo senador como a primeira fase do martírio de um refugiado.
Amais difícil, segundo ele, é a expectativa pela volta. "Como vai ser?
Os amigos estarão lá? A vida terá seguido para eles", desabafa aos mais
próximos.
A
mulher de Pinto também teve de deixar o país após o senador boliviano
ser avisado pela polícia local de que havia um plano para sequestrá-la
como tentativa para fazê-lo sair da embaixada brasileira. Ela se abrigou
no Acre, onde o casal comprou uma casa. O senador, porém, não pode se
mudar para o novo endereço. Recentemente, foi alertado por policiais que
seria perigoso ficar na fronteira.
Os
dias são preenchidos com visitas ao Senado, onde fez amigos. Entre
eles, cita os senadores Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE), Ricardo Ferraço
(PMDB-ES) e Petecão. Tem reuniões com o advogado Fernando Ti-búrcio, que
chegou a acolhê-lo em sua casa quando ingressou no Brasil, e conversas
com outros bolivianos refugiados no Brasil - 350 viveriam no Brasil
nessá condição.
O
senador também estuda português. Ele diz que pretende aprimorar sua
fluência no idioma para o caso de ganhar permissão definitiva para ficar
no país. No dia 24 de fevereiro, ou em 77 dias, como costuma contar,
termina sua autorização para viver no Brasil. Caberá ao Comitê Nacional
para os Refugiados (Conare) definir sua situação. São três as hipóteses:
ganhar o refúgio, ter o prazo de permanência ampliado e ter negado o
refúgio. No último caso, o senador teria que procurar um novo país. Ele
não pensa em retornar para a Bolívia enquanto Evo estiver no poder. "Tem
centenas de políticos presos porque fazem oposição, 750 exilados no
mundo todo", justifica.
A
expectativa sobre a decisão do seu futuro não angustia mais o senador.
Ele costuma repetir que "quando terminam as opções, se aclaram as
ideias". Os mais próximos apostam que o ano eleitoral de 2014 irá ajudar
o senador. O governo dificilmente criará um fato negativo entregando-o
aos narcotraficantes.
Guarda-chuva. No
início da semana, o senador viveu seu primeiro dissabor no Brasil. O
carro de sua mulher foi apreendido na fronteira do lado brasileiro pela
Receita Federal. Ele mandou a mulher comprar um guarda-chuva para
amenizar as caminhadas que passarão a ser feitas a pé a partir de agora.
"É o que dá para fazer." O senador renunciou ao salário de parlamentar,
mas não ao mandato. Vive hoje de rendimentos de uma fazenda de gado.
"Estamos comendo todas as vacas."
No
fim do ano, os dois devem se reencontrar para passar as festas e
cumprir uma tradição da família de montar a árvore de Natal juntos. As
viagens, contudo, ainda são discretas. O senador, que adotou o hábito de
correr e caminhar os 10 quilômetros do Parque da Cidade após ganhar 10
quilos, costuma ser reconhecido nas ruas. Dia desses ouviu de um grupo:
"Olha o ministro boliviano!". E respondeu: "Não sou ministro, sou
senador".
Na
Bolívia o senador também não foi esquecido. Há três semanas, o
vice-presidente Garcia Li-nera o chamou em programa de TV de "gordo",
"burro", "delinqüente" e "preguiçoso". Esta e outras situações são
tratadas com bom humor, até mesmo a estada inicial no quartinho sem
ventilação. "Aqui eu tenho liberdade", costuma dizer.
A
maior angústia é sobre quando poderá voltar a sua terra. "Não estou
preocupado com a decisão do Conare porque é algo que vai beneficiar
apenas a mim.
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