Educação: Nem a elite se salva
Elite brasileira também fica entre as piores no PISA |
Autor(es): Leonardo Vieira, Eduardo Vanini e Antônio Gois |
O Globo - 09/12/2013 |
Estudantes
brasileiros de 15 anos que estão entre os 25% mais ricos do país
tiveram média inferior aos 25% mais pobres de nações com maior nível de
desenvolvimento. O desempenho foi medido pelo Programa Internacional de
Avaliação de Alunos, que compara o aprendizado em 65 países.
Média dos alunos mais ricos do país é pior que a dos jovens de menor renda em nações desenvolvidas
Os
maus resultados do Brasil na Educação não se devem apenas à má
qualidade da escola pública ou ao baixo desempenho dos alunos mais
pobres.
A
elite brasileira, quando comparada com a de outros países, também se
sai muito mal no Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa),
exame divulgado na semana passada pela Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE) e que compara o aprendizado de jovens
de 15 anos de idade em 65 países em testes de Matemática, leitura e
Ciências. Este ano, o Pisa avaliou a capacidade matemática dos
estudantes.
Considerando
apenas os alunos que, pelos critérios da OCDE, estariam entre os 25% de
maior nível socioeconômico em cada nação, a elite brasileira figuraria
apenas na 57º posição entre os 65 países. O resultado deixa a desejar
mesmo quando esse grupo é comparado com os mais pobres da média da OCDE,
grupo que congrega principalmente nações desenvolvidas. Enquanto os
brasileiros no topo da pirâmide social registraram uma média de 437
pontos, os 25% mais pobres da OCDE tiveram média de 452 pontos.
Na
prática, com essa pontuação, a OCDE entende que os brasileiros de
condições econômicas mais favoráveis já dominam operações matemáticas
como frações, porcentagens e números relativos, sendo capazes de
resolver problemas simples — cerca de 65% dos alunos brasileiros não
atingiram esse nível no Pisa. No entanto, eles não conseguem formular e
comunicar explicações e argumentos com base em suas interpretações e
ações.
Outra
maneira de comparar seria considerar um número ainda menor de alunos de
elite, considerando que o percentual de 25%, para um país ainda em
desenvolvimento como o Brasil, pode não ser um retrato fiel do topo da
pirâmide social. Mesmo assim, se considerada só a média dos 5% de alunos
com melhor desempenho nos 65 países, a posição do Brasil no ranking
seguiria praticamente inalterada: 58º.
O
diagnóstico é o mesmo também quando se consideram apenas alunos cujos
pais têm nível superior. Nessa comparação, o Brasil ficaria na 56º
posição. No topo desse ranking, aparece novamente a província chinesa de
Xangai, cuja média dos alunos é 219 pontos superior à dos brasileiros.
Pela escala do Pisa, isso equivale a dizer que essa elite brasileira com
pais de alta escolaridade precisaria estudar mais cinco anos letivos
para chegar ao nível de conhecimento dos chineses de Xangai em
Matemática.
Os
dados do Pisa foram divulgados uma semana depois de o resultado do Enem
2012 mostrar que as escolas com as melhores médias no exame do MEC são
particulares. De acordo com um levantamento feito pelo GLOBO, nove dos
dez colégios cariocas com as notas mais altas no Enem têm mensalidades
acima de R$ 2 mil.
Na
opinião do coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação,
Daniel Cara, os dados mostram que as escolas particulares no Brasil
cobram muito por um serviço que não é assim tão melhor do que o
oferecido pela rede pública. Segundo ele, o ensino privado no Brasil é
desregulamentado e conserva margens de lucro superiores aos seus pares
no exterior:
—
É um comportamento parecido com um mercado de luxo: não presta um
serviço tão bom assim, mas consegue fazer com que a elite se diferencie
em termos de consumo. Para um determinado estrato da sociedade, colocar
os filhos em escolas muito caras, independentemente da qualidade do
serviço, é um caráter de diferenciação. E você tem chances também de
construir um capital social: o filho de um grande empresário pode
conviver com filhos de outro grande empresário — explica Cara.
Para
o presidente do Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino no Estado do
Rio de Janeiro (Sinepe), Vitor Notrica, o mau desempenho brasileiro dos
25% mais ricos no Pisa não se deve necessariamente às escolas, mas a
questões culturais. Ele acha que esse rendimento abaixo da média pode
estar ligado à relação entre alunos e professores no Brasil.
—
A mensalidade da escola está ligada à sua proposta pedagógica. Tem
escolas bilíngues, aplicadas em tecnologia, horário integral... Mas a
qualidade do ensino depende, principalmente, do pulmão do professor. É
fato que em países como a França e a Alemanha os alunos respeitam muito
mais o professor, e por isso são cobrados com vigor. Isso pode também
ser uma explicação para o resultado — afirma Notrica.
Membro
do Conselho Nacional de Educação e professor da UFMG, Francisco Soares
alerta que, mesmo no grupo de 25% mais ricos do Brasil, ainda há alta
heterogeneidade:
—
Separar em quatro grupos de mesmo tamanho não é razoável para um país
tão desigual como o Brasil. Nós temos uma elite, sim, mas não é de 25%.
Se formos lá na nata das nossas escolas, talvez elas não deixem a
desejarem relação ao resto do mundo. Há escolas, sim, que estão cobrando
caro, mas estão colocando os alunos na elite mundial.
O
diretor executivo da Fundação Lemann, Denis Mizne, segue a mesma linha
de análise de Francisco Soares, mas ressalta que apenas 1% dos
estudantes brasileiros atingiu os níveis mais elevados na prova de
Matemática do Pisa:
—
Os 25% não são uma comparação ideal num país com renda tão concentrada
como o Brasil. Nossa elite se aproxima dos 10% ou 5%, em média. Mas a
grande questão é que ninguém está indo muito bem em Educação aqui. Mesmo
nessa amostra, somente 1% dos nossos alunos conseguiu alcançar notas
boas. Esse é o dado mais assustador. Temos pouquíssimos alunos que sabem
bem.
Eliane
Porto é gerente-geral no Rio da agência de intercâmbios Cl, que envia
jovens brasileiros para cursar parte do ensino médio no exterior.
Segundo ela, os alunos voltam empolgados com o ensino lá fora:
—
Eles elogiam muito a infinidade de matérias eletivas, que vão da
prática de esportes a aulas de marcenaria. Tudo isso os deixa mais
envolvidos e motivados com a escola.
DIFERENÇA NO RESPEITO AO PROFESSOR
Cursando
o 2º ano do ensino médio num colégio particular do Rio, o aluno Decio
Greenwood, de 16 anos, conhece pelo menos duas realidades distintas.
Devido ao trabalho de seus pais, o adolescente já passou por escolas
inglesas duas vezes: a primeira aos 12 anos; a segunda, no começo deste
ano. Segundo ele, as diferenças já começam pelo tratamento dado à rede
pública.
—
Estudei lá fora em escolas públicas, que são tão boas ou melhores que
as particulares daqui. Este ano, frequentei por um mês um colégio que
fica perto de Oxford e notei como o ensino de lá é mais preocupado em
proporcionar uma vivência ampla ao aluno. Os estudantes têm laboratórios
de tecnologia, aulas de culinária e muitas opções esportivas. Enquanto
no Brasil as escolas se preocupam em mostrar que um mais um são dois, os
professores de lá estão mais interessados em mostrar por que um mais um
são dois — compara.
A valorização dos professores nas escolas inglesas também chamou a atenção de Decio.
—
Os professores na Inglaterra são muito respeitados. Independentemente
da idade deles, os alunos os tratam com muito respeito. Esses
profissionais são elevados a um nível muito acima do que esse que
notamos aqui, onde nem mesmo o governo os respeita — diz.
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