quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Educação: Nem a elite se salva

Educação: Nem a elite se salva

Elite brasileira também fica entre as piores no PISA
Autor(es): Leonardo Vieira, Eduardo Vanini e Antônio Gois
O Globo - 09/12/2013
 
Estudantes brasileiros de 15 anos que estão entre os 25% mais ricos do país tiveram média inferior aos 25% mais pobres de nações com maior nível de desenvolvimento. O desempenho foi medido pelo Programa Internacional de Avaliação de Alunos, que compara o aprendizado em 65 países.
  
Média dos alunos mais ricos do país é pior que a dos jovens de menor renda em nações desenvolvidas

Os maus resultados do Brasil na Educação não se devem apenas à má qualidade da escola pública ou ao baixo desempenho dos alunos mais pobres.
A elite brasileira, quando comparada com a de outros países, também se sai muito mal no Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa), exame divulgado na semana passada pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e que compara o aprendizado de jovens de 15 anos de idade em 65 países em testes de Matemática, leitura e Ciências. Este ano, o Pisa avaliou a capacidade matemática dos estudantes.
Considerando apenas os alunos que, pelos critérios da OCDE, estariam entre os 25% de maior nível socioeconômico em cada nação, a elite brasileira figuraria apenas na 57º posição entre os 65 países. O resultado deixa a desejar mesmo quando esse grupo é comparado com os mais pobres da média da OCDE, grupo que congrega principalmente nações desenvolvidas. Enquanto os brasileiros no topo da pirâmide social registraram uma média de 437 pontos, os 25% mais pobres da OCDE tiveram média de 452 pontos.
Na prática, com essa pontuação, a OCDE entende que os brasileiros de condições econômicas mais favoráveis já dominam operações matemáticas como frações, porcentagens e números relativos, sendo capazes de resolver problemas simples — cerca de 65% dos alunos brasileiros não atingiram esse nível no Pisa. No entanto, eles não conseguem formular e comunicar explicações e argumentos com base em suas interpretações e ações.
Outra maneira de comparar seria considerar um número ainda menor de alunos de elite, considerando que o percentual de 25%, para um país ainda em desenvolvimento como o Brasil, pode não ser um retrato fiel do topo da pirâmide social. Mesmo assim, se considerada só a média dos 5% de alunos com melhor desempenho nos 65 países, a posição do Brasil no ranking seguiria praticamente inalterada: 58º.
O diagnóstico é o mesmo também quando se consideram apenas alunos cujos pais têm nível superior. Nessa comparação, o Brasil ficaria na 56º posição. No topo desse ranking, aparece novamente a província chinesa de Xangai, cuja média dos alunos é 219 pontos superior à dos brasileiros. Pela escala do Pisa, isso equivale a dizer que essa elite brasileira com pais de alta escolaridade precisaria estudar mais cinco anos letivos para chegar ao nível de conhecimento dos chineses de Xangai em Matemática.
Os dados do Pisa foram divulgados uma semana depois de o resultado do Enem 2012 mostrar que as escolas com as melhores médias no exame do MEC são particulares. De acordo com um levantamento feito pelo GLOBO, nove dos dez colégios cariocas com as notas mais altas no Enem têm mensalidades acima de R$ 2 mil.
Na opinião do coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara, os dados mostram que as escolas particulares no Brasil cobram muito por um serviço que não é assim tão melhor do que o oferecido pela rede pública. Segundo ele, o ensino privado no Brasil é desregulamentado e conserva margens de lucro superiores aos seus pares no exterior:
— É um comportamento parecido com um mercado de luxo: não presta um serviço tão bom assim, mas consegue fazer com que a elite se diferencie em termos de consumo. Para um determinado estrato da sociedade, colocar os filhos em escolas muito caras, independentemente da qualidade do serviço, é um caráter de diferenciação. E você tem chances também de construir um capital social: o filho de um grande empresário pode conviver com filhos de outro grande empresário — explica Cara.
Para o presidente do Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino no Estado do Rio de Janeiro (Sinepe), Vitor Notrica, o mau desempenho brasileiro dos 25% mais ricos no Pisa não se deve necessariamente às escolas, mas a questões culturais. Ele acha que esse rendimento abaixo da média pode estar ligado à relação entre alunos e professores no Brasil.
— A mensalidade da escola está ligada à sua proposta pedagógica. Tem escolas bilíngues, aplicadas em tecnologia, horário integral... Mas a qualidade do ensino depende, principalmente, do pulmão do professor. É fato que em países como a França e a Alemanha os alunos respeitam muito mais o professor, e por isso são cobrados com vigor. Isso pode também ser uma explicação para o resultado — afirma Notrica.
Membro do Conselho Nacional de Educação e professor da UFMG, Francisco Soares alerta que, mesmo no grupo de 25% mais ricos do Brasil, ainda há alta heterogeneidade:
— Separar em quatro grupos de mesmo tamanho não é razoável para um país tão desigual como o Brasil. Nós temos uma elite, sim, mas não é de 25%. Se formos lá na nata das nossas escolas, talvez elas não deixem a desejarem relação ao resto do mundo. Há escolas, sim, que estão cobrando caro, mas estão colocando os alunos na elite mundial.
O diretor executivo da Fundação Lemann, Denis Mizne, segue a mesma linha de análise de Francisco Soares, mas ressalta que apenas 1% dos estudantes brasileiros atingiu os níveis mais elevados na prova de Matemática do Pisa:
— Os 25% não são uma comparação ideal num país com renda tão concentrada como o Brasil. Nossa elite se aproxima dos 10% ou 5%, em média. Mas a grande questão é que ninguém está indo muito bem em Educação aqui. Mesmo nessa amostra, somente 1% dos nossos alunos conseguiu alcançar notas boas. Esse é o dado mais assustador. Temos pouquíssimos alunos que sabem bem.
Eliane Porto é gerente-geral no Rio da agência de intercâmbios Cl, que envia jovens brasileiros para cursar parte do ensino médio no exterior. Segundo ela, os alunos voltam empolgados com o ensino lá fora:
— Eles elogiam muito a infinidade de matérias eletivas, que vão da prática de esportes a aulas de marcenaria. Tudo isso os deixa mais envolvidos e motivados com a escola.
DIFERENÇA NO RESPEITO AO PROFESSOR
Cursando o 2º ano do ensino médio num colégio particular do Rio, o aluno Decio Greenwood, de 16 anos, conhece pelo menos duas realidades distintas. Devido ao trabalho de seus pais, o adolescente já passou por escolas inglesas duas vezes: a primeira aos 12 anos; a segunda, no começo deste ano. Segundo ele, as diferenças já começam pelo tratamento dado à rede pública.
— Estudei lá fora em escolas públicas, que são tão boas ou melhores que as particulares daqui. Este ano, frequentei por um mês um colégio que fica perto de Oxford e notei como o ensino de lá é mais preocupado em proporcionar uma vivência ampla ao aluno. Os estudantes têm laboratórios de tecnologia, aulas de culinária e muitas opções esportivas. Enquanto no Brasil as escolas se preocupam em mostrar que um mais um são dois, os professores de lá estão mais interessados em mostrar por que um mais um são dois — compara.
A valorização dos professores nas escolas inglesas também chamou a atenção de Decio.
— Os professores na Inglaterra são muito respeitados. Independentemente da idade deles, os alunos os tratam com muito respeito. Esses profissionais são elevados a um nível muito acima do que esse que notamos aqui, onde nem mesmo o governo os respeita — diz.

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