O acordo nuclear com o Irã
Autor(es): JOSH GOLDÉMBERG |
O Estado de S. Paulo - 16/12/2013 |
Existem
poucos temas que recentemente tenham atraído tanta atenção quanto o
acordo nuclear dos países da União Europeia, Estados Unidos e Rússia com
o Irã, assinado em Genebra após anos de árduas negociações.
A importância desse acordo é clara:
•
Por um lado, ele evita - ou pelo menos adia - uma intervenção militar
dós Estados Unidos para impedir que o Irã desenvolva armas nucleares e
abre caminho para a normalização das relações entre os dois países, que
foi rompida há mais de 30 anos.
•
Por outro, dá ao presidente Barack Obama a oportunidade de recuperar o
seu prestígio interno, seriamente abalado pela oposição republicana que
domina a Câmara dos Deputados, a qual tem bloqueado sistematicamente a
ação do Poder Executivo nos Estados Unidos.
Mais
do que isso, porém, o acordo com o Irã vai fixar os procedimentos que
serão usados daqui para a frente pelas grandes potências a fim de evitar
a proliferação nuclear no restante do mundo, além dos países que já
possuem armas desse tipo - Estados Unidos, Rússia, França, Inglaterra,
China, índia, Paquistão, Coreia do Norte e Israel.
Os
resultados imediatos do acordo são os seguintes: o Irã vai "congelar"
por seis meses seu programa de enriquecimento de urânio, que o levaria
bem próximo da capacidade de produzir armas nucleares, em troca de um
abrandamento das sanções econômicas vigentes. Especificamente, será
abandonado o "enriquecimento" de urânio ao nível de 20% - considerado
"perigoso", porque levaria facilmente a armas nucleares. Será mantido o
enriquecimento ao nível de 5%, que produz urânio para uso em reatores
nucleares, como as instalações brasileiras em Resende (RJ).
Com
isso o Irã - que sempre defendeu seu direito "inalienável" de
enriquecer urânio como símbolo de soberania e independência nacional -
salvou a sua face, mantendo a súa capacidade de "enriquecer". Em
compensação, ficou demonstrado que sanções econômicas funcionam para
impedir a proliferação nuclear.
O
significado maior do acordo é que o programa nuclear do Irã passa a ser
monitorado pelas grandes potências, por intermédio da Agência
Internacional de Energia Atômica, o que não ocorreu até agora de maneira
efetiva. As inspeções que a Agência Internacional de Energia Atômica
fazia eram muito limitadas e os iranianos têm sido acusados de
comportamento evasivo, tendo mesmo instalado um grande complexo de
enriquecimento, além dos reconhecidos oficialmente.
Em
outras palavras, o programa nuclear iraniano passou a ser muito
parecido com o do Brasil, que também domina a tecnologia de
enriquecimento de urânio, mas não é objeto de suspeitas internacionais
nem de sanções econômicas.
A
razão pela qual isso ocorreu é que em 1992 o presidente Fernando Collor
de Mello e o presidente Carlos Menem, da Argentina, decidiram que não
era de interesse comum dos dois países (Brasil e Argentina) alimentar
uma corrida armamentista no Cone Sul da América Latina, estimulada por grupos militares e que incluía o desenvolvimento | de armas nucleares e foguetes de longo alcance para lançá-las.
A
decisão foi tomada não só para economizar vultosos recursos, mas
também em razão do reconhecimento, pelos dois
presidentes-democraticamente eleitos após anos de governos ditatoriais
-, de que a prioridade de seus governos era resolver os problemas de
subdesenvolvimento dos seus países, e não o envolvimento em programas
controvertidos como a produção de armas nucleares.
Essas
ideias ressurgiram em 2002, mas o então recém-eleito presidente Lula da
Silva, como anteriormente o presidente Collor, teve o bom senso de
perceber que não seria a posse de armas nucleares que daria prestígio ao
País, e sim a solução dos seus problemas sociais por s ! meio de
programas menos onerosos, como o Bolsa Família, que Ruth Cardoso havia
inicia- do no governo de Fernando Henrique.
Por
motivos que não são fáceis de entender, o governo iraniano, há mais de
20 anos, decidiu não seguir o mesmo caminho e se envolveu em programas
que poderiam levar à posse de armas nucleares. O argumento usado pelo
Irã era o de que o programa nuclear tinha a finalidade de produzir
energia elétrica, o qual não tem muita credibilidade. Do ponto de vista
energético, essa justificativa não fazia muito sentido porquê o Irã tem
amplos recursos de petróleo e gás natural, e energia nuclear para
geração de eletricidade não era indispensável.
A
decisão do Irã baseou-se provavelmente na percepção de que a posse de
armas nucleares seria uma forma de assegurar sua soberania nacional,
ameaçada pela posição hostil dos Estados Unidos. Há muitas outras
formas de defender a soberania nacional, mas no Irã enriquecimento de urânio tornou-se uma obsessão.
Aparentemente,
o governo iraniano acreditava que essa estratégia uniria o país em tomo
de um objetivo comum que lhe permitiria enfrentar melhor eventuais
ameaças externas. Ideias desse tipo circularam também no Brasil em 1985,
na fase final do governo militar. Certos grupos acreditavam que uma
explosão nuclear uniria a população em torno do governo militar e
garantiria sua sobrevi-da. Foi esse tipo de ideia que levou a Argentina à
desastrada Guerra das Malvinas e, obviamente, não teve sucesso.
A
aplicação de sanções econômicas internacionais demonstrou que o custo
da estratégia adotada pelo Irã era alto demais não só em termos
econômicos, mas também porque afetou o fornecimento de peças de
reposição de inúmeros equipamentos, em particular para a aviação
comercial.
O
acordo nuclear firmado agora pelo Irã, se implementado, faz sentido e,
ao que tudo indica, o bom senso imperou, como ocorreu com o Brasil e a
Argentina no passado.
PROFESSOR EMÉRITO DA USP, FOI SECRETÁRIO DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA |
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