quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Azevedo busca acordo para salvar a OMC

Azevedo busca acordo para salvar a OMC

Autor(es): Jamil Chade
O Estado de S. Paulo - 06/12/2013
 

Diretor-geral assumiu a responsabilidade de trabalhar por um acerto entre os governos da índia e dos Estados Unidos na área agrícola


Diante do risco de um colapso que poderia deixar a Organização Mundial do Comércio (OMC) abandonada, o brasileiro Roberto Azevêdo, diretor-geral da entidade, assumiu a função na noite de ontem de socorrer o organismo e tomou para si a responsabilidade de encontrar um acordo.
O centro da discórdia é o desentendimento entre índia e EUA em relação ao setor agrícola. Mas um discurso mais flexível da índia em reuniões fechadas abriu esperanças de que um acordo poderia estar próximo.
Uma das opções colocadas sobre a mesa seria "aguar" o pacote que estava sendo planejado para Bali e acertar um compromisso entre governos de que tudo voltaria a ser negociado em Genebra nos próximos meses.
A conferência ministerial da OMC termina hoje em Bali e o processo entrava em suas últimas horas na madrugada de ontem. A índia rejeitou um primeiro texto de compromisso oferecido por Azevêdo. Nova Délhi, nos bastidores, acusava o brasileiro de estar assumindo aposição dos EUA nas negociações e apresentando um texto que atendia apenas aos interesses da Casa Branca. Os indianos ainda demonstravam especial irritação diante do posicionamento do governo brasileiro que, depois de anos defendendo os países emergentes e se apresentando como a "voz" dos pobres, adotou uma atitude mais moderada.
Os indianos apresentaram uma contraproposta, mas dessa vez sobre a resistência dos países ricos por causa da liberdade que ainda dava para que Nova Délhi destinasse recursos a seus produtores agrícolas.
Diante do impasse, Azevêdo decidiu convocar indianos para uma reunião reservada e que durou quase duas horas. Embaixadores estrangeiros que conversaram por telefone com o Estado chegaram a relatar como rumores apontavam até mesmo que a delegação indiana estava ameaçando abandonar Bali. O ministro do Comércio da índia, Anand Sharma, não apareceu para o jantar de gala, levantando suspeitas de que a ameaça poderia ser real.
Já era madrugada quando o brasileiro convocou tanto os americanos quanto os indianos para uma conversa. Em público, Sharma insistiu que não abriu mão de nada em relação a sua posição de defender a segurança alimentar de 600 milhões de pobres na índia. Mas, nos bastidores, uma das opções era de que um acordo mínimo fosse atingido em Bali para salvar a OMC, enquanto governos se comprometeriam a voltar à mesa de negociações e redesenhar o pacote ao retomar nas próximas semanas a Genebra. A índia estaria disposta a aceitar essa opção.
Agricultura. O impasse está ligado à insistência da índia e de cerca de outros 20 países de recusar abrir mão da defesa de seus pequenos agricultores. Na prática, Nova Délhi quer garantias de que, em um eventual acordo, poderá continuar subsidiando seus pequenos produtores, algo considerado como fundamental para a segurança alimentar do país.
Os governos europeus e dos EUA rejeitam a posição da índia e insistem que o país não pode manter sua proteção. A percepção é de que essa ajuda seria uma forma de fechar o mercado indiano para a importação de alimentos. Nos próximos anos, a perspectiva do crescimento da renda da classe média indiana representa uma oportunidade de aumentar as exportações agrícolas de americanos e europeus.
O impasse já dava espaço ontem a uma troca de acusações. A ministra de Comércio da França, Nicole Bricq, deixava claro que a Europa apontaria a índia como a responsável pelo fracasso. "A índia tem uma enorme responsabilidade e suas demandas não são razoáveis". disse. Ela ainda insistiu em acusar os indianos por um eventual colapso da própria OMC. "O que está em jogo é o multilateralismo e a sobrevivência da OMC", declarou.
"Trata-se de uma questão política. Não é uma política agrícola na índia que está sendo negociada aqui, mas uma política social", admitiu Vital Moreira, chefe de uma delegação de deputados europeus.
Sharma contra-atacou. "Não vamos mendigar nada", disse. "A Índia fala em nome da maior parte das pessoas nos países em desenvolvimento. Não estamos sozinhos", declarou. "Prefiro que não haja um acordo que termos um acordo ruim", insistiu.
Ele ainda rejeitou os alertas de que a OMC desaparecia do mapa caso houvesse um fracasso. "Não vai haver um colapso. Encontros no passado ocorreram sem resultados e a OMC sobreviveu", insistiu.
A conferência da OMC termina hoje e, no caso de um fracasso, delegações já sugerem que Azevedo decrete a Rodada Doha como encerrada e que isso permita que uma nova etapa de negociações seja lançada. Governos de países emergentes, porém, temem que essa posição acabe abandonando todo o debate sobre a agricultura, o que permitiria que os países ricos continuem a subsidiar e distorcer os mercados globais.

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