MANCHETE: O ÚLTIMO HERÓI DA LIBERDADE
A HUMANIDADE PERDE MANDELA |
Autor(es): RODRIGO CRAVEIRO |
Correio Braziliense - 06/12/2013 |
Alguns homens não morrem. Eterinzamm-se.
Nelson Rolihlahla Mandela é um deles. Por volta das 20h50 de ontem
(16h50 em Brasília), o mundo perdeu um de seus últimos grandes heróis e
ganhou um legado inquestionável de resiliência, coragem e perdão. Aos 95
anos, o ícone da luta da igualdade racial estava acompanhado da família
quando deu o último suspiro, em sua casa, no bairro de Houghton, em
Johannesburgo. Era o fim de dois anos de uma luta árdua contra uma série
de infecções pulmonares, resquícios do trabalho forçado durante as
quase três décadas de prisão. E de uma vida que desafiou o ódio e a
opressão da cor da pele. O anúncio da morte do ex-líder e Prêmio Nobel
da Paz coube ao presidente da África do Sul, Ja- cob Zuma. O sucessor de
Mandela estava visivelmente emocionado. "Ele agora está descansando.
Ele está em paz. Nossa nação perdeu seu filho maior. Nosso povo perdeu
um pai", declarou. "Ainda que soubéssemos que esse dia chegaria, nada
pode diminuir nosso senso de perda profunda e perdurá- vel. Sua batalha
incansável pela liberdade o fez ganhar o respeito do mundo. Sua
humildade, sua compaixão e sua humanidade lhe valeram o amor do mundo",
acrescentou.
Zuma
afirmou que "nosso amado Madiba" receberá um funeral de Estado. "Eu
ordenei que todas as bandeiras da República da África do Sul sejam
baixadas a meio mastro a partir de amanhã, 6 de dezembro, e permaneça
assim até depois do funeral", afirmou. O governante exortou os 48,6
milhões de sul- africanos a se comportarem com "a dignidade e o respeito
que Madiba personificava". "Vamos reafirmar sua visão de uma sociedade
na qual ninguém seja explorado, oprimido ou expropriado por outros.
Vamos nos empenhar em lutar juntos — sem poupar força e coragem—para
construir uma África do Sul unida, não racial, não sexista, democrática
próspera", emendou Zuma. O funeral deve durar 10 ou 12 dias e,
provavelmente, incluirá uma cerimônia no estádio de futebol Soccer City,
emlohannesburgo. Depois, o caixão será colocado sob um domo próximo
ao local em que Mandela proferiu o discurso de juramento, em Pretória, ao ser empossado como o primeiro presidente eleito democraticamente da África do Sul, em 1994.0 corpo provavelmente será enterrado na aldeia de Qunu, onde Madiba foi criado. Do lado de fora da casa da família Mandela, centenas de sul-africanos fizeram uma vigília, entoando o Hino Nacional da África do Sul e as "canções da liberdade" que Madiba usava para espantar a solidão do cárcere, na Robben Island. "Hayo O Tshwanang Le Yena" ("Não existe ninguém como ele", no dialeto tswana), gritava a multidão. "Há uma atmosfera de tristeza no ar e, ao mesmo tempo, as pessoas celebram a vida de Mandela. Bandeiras sul-africanas tremulam e flores estão sendo deixadas em frente à mansão", afirmou ao Correio, por telefone, a jornalista Qaanitah Hunter, que pretendia passar a madrugada ali. Os sul-africanos repetiram o tradicional gesto de luta e cerraram os punhos, enquanto oravam. Em Soweto, onde Mandela viveu e arquitetou a luta antiapartheid antes de se tornar presidente, o clima era semelhante. "Ninguém está chorando. É quase uma celebração. Algumas pessoas dizem que ao menos ele descansou. As pessoas estão agradecidas e dizem que ele fez milagres pelo país", admitiu à reportagem, por meio da internet, a jornalista Angela Bolowana, diante da primeira casa adquirida por Madiba, hoje um museu. Em Londres e em Nova York, memoriais foram improvisados em honras ao histórico líder, com velas, flores e desenhos.
O
homem que reconciliou uma nação e trouxe os inimigos para perto de si
foi reverenciado, ontem, por anônimos, famosos e lideranças mundiais. Em
nota oficial à imprensa, a presidente Dilma Rousseff lamentou a perda e
destacou Mandela como "a personalidade maior do século 20". O norte-
americano Barack Obama, por sua vez, comentou que Mandela "não pertence a
nós, mas à história" (leia na página 3). Nos 45 minutos que sucederam o
anúncio da morte, o nome de Mandela foi citado 2 milhões de vezes no
microblog Twitter.
Mandela permaneceu internado de 8 de junho a Io setembro, depois de sofrer uma recaída por uma infecção pulmonar. Ele foi, en-
tão,
levado para casa, equipada como um verdadeiro hospital para recebê-lo.
Na última terça-feira, Makaziwe, uma das filhas de Madiba, deu uma
declaração quase premonitária. "Tata ainda está conosco, muito forte e,
eu diria, muito corajoso. Mesmo na falta de uma palavra melhor sobre seu
leito de morte", eu acho que ele ainda nos ensina lições; lições de
paciência, de amor, de tolerância", comentou, em entrevista a uma
emissora de tevê estatal.
Madiba
será lembrado como um homem que, por lutar contra a segregação racial,
teve a liberdade tolhida por 27 anos. Após reconquistá-la, em 1990,
ascendeu à Presidência e consolidou a democracia em uma nação que
ultrajava a maioria negra. Durante a transição liderada por Mandela, não
houve conflitos sérios entre os 11 grandes grupos étnicos do país. A
mágoa foi abandonada, sem dar lugar a uma ditadura ou à usurpação do
poder. Depois da aposentadoria, ao fim do mandato, em 1999, ele se
dedicou à proteção da infância e da luta contra a Aids, uma praga que
assola a África do Sul. Desde ontem, tornou-se um ícone imemorial de um
povo que renasceu do ódio.
Colaborou Renato Alves
|
Nenhum comentário:
Postar um comentário