quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

MANCHETE: O ÚLTIMO HERÓI DA LIBERDADE

MANCHETE: O ÚLTIMO HERÓI DA LIBERDADE

A HUMANIDADE PERDE MANDELA
Autor(es): RODRIGO CRAVEIRO
Correio Braziliense - 06/12/2013
 
   Alguns homens não morrem. Eterinzamm-se. Nelson Rolihlahla Mandela é um deles. Por volta das 20h50 de ontem (16h50 em Brasília), o mundo perdeu um de seus últimos grandes heróis e ganhou um legado inquestionável de resiliência, coragem e perdão. Aos 95 anos, o ícone da luta da igualdade racial estava acompanhado da família quando deu o último suspiro, em sua casa, no bairro de Houghton, em Johannesburgo. Era o fim de dois anos de uma luta árdua contra uma série de infecções pulmonares, resquícios do trabalho forçado durante as quase três décadas de prisão. E de uma vida que desafiou o ódio e a opressão da cor da pele. O anúncio da morte do ex-líder e Prêmio Nobel da Paz coube ao presidente da África do Sul, Ja- cob Zuma. O sucessor de Mandela estava visivelmente emocionado. "Ele agora está descansando. Ele está em paz. Nossa nação perdeu seu filho maior. Nosso povo perdeu um pai", declarou. "Ainda que soubéssemos que esse dia chegaria, nada pode diminuir nosso senso de perda profunda e perdurá- vel. Sua batalha incansável pela liberdade o fez ganhar o respeito do mundo. Sua humildade, sua compaixão e sua humanidade lhe valeram o amor do mundo", acrescentou.
Zuma afirmou que "nosso amado Madiba" receberá um funeral de Estado. "Eu ordenei que todas as bandeiras da República da África do Sul sejam baixadas a meio mastro a partir de amanhã, 6 de dezembro, e permaneça assim até depois do funeral", afirmou. O governante exortou os 48,6 milhões de sul- africanos a se comportarem com "a dignidade e o respeito que Madiba personificava". "Vamos reafirmar sua visão de uma sociedade na qual ninguém seja explorado, oprimido ou expropriado por outros. Vamos nos empenhar em lutar juntos — sem poupar força e coragem—para construir uma África do Sul unida, não racial, não sexista, democrática próspera", emendou Zuma. O funeral deve durar 10 ou 12 dias e, provavelmente, incluirá uma cerimônia no estádio de futebol Soccer City, emlohannesburgo. Depois, o caixão será colocado sob um domo próximo
ao local em que Mandela proferiu o discurso de juramento, em Pretória, ao ser empossado como o primeiro presidente eleito democraticamente da África do Sul, em 1994.0 corpo provavelmente será enterrado na aldeia de Qunu, onde Madiba foi criado.

Do lado de fora da casa da família Mandela, centenas de sul-africanos fizeram uma vigília, entoando o Hino Nacional da África do Sul e as "canções da liberdade" que Madiba usava para espantar a solidão do cárcere, na Robben Island. "Hayo O Tshwanang Le Yena" ("Não existe ninguém como ele", no dialeto tswana), gritava a multidão. "Há uma atmosfera de tristeza no ar e, ao mesmo tempo, as pessoas celebram a vida de Mandela. Bandeiras sul-africanas tremulam e flores estão sendo deixadas em frente à mansão", afirmou ao Correio, por telefone, a jornalista Qaanitah Hunter, que pretendia passar a madrugada ali. Os sul-africanos repetiram o tradicional gesto de luta e cerraram os punhos, enquanto oravam.
Em Soweto, onde Mandela viveu e arquitetou a luta antiapartheid antes de se tornar presidente, o clima era semelhante. "Ninguém está chorando. É quase uma celebração. Algumas pessoas dizem que ao menos ele descansou. As pessoas estão agradecidas e dizem que ele fez milagres pelo país", admitiu à reportagem, por meio da internet, a jornalista Angela Bolowana, diante da primeira casa adquirida por Madiba, hoje um museu. Em Londres e em Nova York, memoriais foram improvisados em honras ao histórico líder, com velas, flores e desenhos.
O homem que reconciliou uma nação e trouxe os inimigos para perto de si foi reverenciado, ontem, por anônimos, famosos e lideranças mundiais. Em nota oficial à imprensa, a presidente Dilma Rousseff lamentou a perda e destacou Mandela como "a personalidade maior do século 20". O norte- americano Barack Obama, por sua vez, comentou que Mandela "não pertence a nós, mas à história" (leia na página 3). Nos 45 minutos que sucederam o anúncio da morte, o nome de Mandela foi citado 2 milhões de vezes no microblog Twitter.
Mandela permaneceu internado de 8 de junho a Io setembro, depois de sofrer uma recaída por uma infecção pulmonar. Ele foi, en-
tão, levado para casa, equipada como um verdadeiro hospital para recebê-lo. Na última terça-feira, Makaziwe, uma das filhas de Madiba, deu uma declaração quase premonitária. "Tata ainda está conosco, muito forte e, eu diria, muito corajoso. Mesmo na falta de uma palavra melhor sobre seu leito de morte", eu acho que ele ainda nos ensina lições; lições de paciência, de amor, de tolerância", comentou, em entrevista a uma emissora de tevê estatal.
Madiba será lembrado como um homem que, por lutar contra a segregação racial, teve a liberdade tolhida por 27 anos. Após reconquistá-la, em 1990, ascendeu à Presidência e consolidou a democracia em uma nação que ultrajava a maioria negra. Durante a transição liderada por Mandela, não houve conflitos sérios entre os 11 grandes grupos étnicos do país. A mágoa foi abandonada, sem dar lugar a uma ditadura ou à usurpação do poder. Depois da aposentadoria, ao fim do mandato, em 1999, ele se dedicou à proteção da infância e da luta contra a Aids, uma praga que assola a África do Sul. Desde ontem, tornou-se um ícone imemorial de um povo que renasceu do ódio.
Colaborou Renato Alves

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