O acordo com o Irã e a hegemonia dos EUA
Autor(es): Sérgio Amaral |
O Estado de S. Paulo - 09/12/2013 |
As
reuniões da madrugada de 25 de novembro em Genebra, entre o chamado
P5+1 (os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU mais a
Alemanha) e o Irã, para a conclusão de um acordo sobre o programa
nuclear iraniano ainda darão muito o que falar. O entendimento alcançado
é frágil e ambíguo. Na verdade, limita-se ao congelamento por seis
meses de atividades de enriquecimento de urânio, ante um alívio parcial
nas sanções impostas ao Irã, num montante de cerca de US$ 4,2 bilhões
por mês.
A
diferença entre o êxito e o fracasso dependerá, entre outras condições,
da capacidade de operacionalizar cláusulas complexas de verificação
pela Agência Internacional de Energia Atômica. O objetivo da moratória é
criar as condições para a negociação de um acordo mais abrangente,
capaz de impedir o acesso do Irã à arma nuclear. Não obstante as
dificuldades à frente, que são muitas, o plano aprovado sinaliza um novo
caminho. Se tiver êxito, mais do que um simples entendimento tópico com
o Irã sobre a extensão do seu programa nuclear, poderá representar úm
passo significativo para a reestruturação da governança mundial, sob a
égide de uma nova hegemonia norte-americana.
O
acordo com o Irã é a reafirmação do multilateralismo e da ONU. É o
fortalecimento do regime internacional de não proliferação nuclear, que
já parecia fadado ao fracasso. É a fixação de critérios objetivos,
quantificáveis e verificáveis para o exercício do direito ao
enriquecimento de urânio para fins pacíficos e, ao mesmo tempo, o
fechamento da porta - que a índia foi a última a transpor - para o
acesso consentido ao restrito clube dos detentores da arma nuclear. Uma
vez estabelecidos, os novos parâmetros tenderão a estender-se a todos os
países que buscam dominar o ciclo da tecnologia nuclear, o Brasil
incluído.
O
palco para a negociação foi a ONU. Foram as sanções adotadas pelo
Conselho de Segurança que levaram o Irã à mesa da negociação. Mas se a
moldura é a da ONU, não é necessariamente a de um Conselho de Segurança
reformado, como temos legitimamente defendido, e sim a de um arranjo
informal P5+1, concebido para incluir a Alemanha. Areformado Conselho de
Segurança pode, assim, já estar em curso, de modo informal, tal como
tem ocorrido com a constituição de diretórios ad hoc, em outros elos da
nova governança mundial.
Ao
unilateralismo de George W. Bush seguiu-se o multilateralismo de Barack
Obama. Ade-cisão solitária pelo recurso à força cedeulugar auma
paciente ourivesaria política, ao diálogo e à negociação, com aliados e
adversários. O novo não está na defesa retórica do multilateralismo, mas
no compromisso de respeitá-lo e na demonstração de que pode funcionar.
Assim, o desenho de uma nova governança mundial é ao mesmo tempo a
reconstrução da hegemonia norte-americana, abalada pela crise econômica e
pela desastrada política externa de Bush. Os contornos da nova
hegemonia afirmam-se, com mais nitidez, no momento em que parece não
haver candidato cóm condições ou com vontade para disputá-la.
A
China segue o script da emergência pacífica, na economia antes, na
política depois. Essa visão, que se tomou a doutrina oficial da
diplomacia chinesa, ajudou a abafar os ruídos provocados pelos
deslocamentos que a China continua a introduzir na economia mundial.
Favoreceu o reconhecimento da necessidade de um novo tipo de
relacionamento entre grandes potências, consagrado pelo encontro Xi
Jinping-Obama, de junho passado. Beijing apoia o fortalecimento do
regime de não proliferação nuclear, mas de maneira discreta. Joga ao
mesmo tempo a carta do Conselho de Segurança e a dos Brics. Mas os seus
interesses estratégicos estão mais na mesa da negociação P5+1 do que nas
cúpulas dos Brics.
A
Rússia teve a sua visibilidade restaurada, ainda que temporariamente,
pela contribuição que deu ao compromisso da eliminação das armas
químicas na Síria. Mas, tanto quanto a China, não tem interesse no
descarrilamento do processo de não proliferação, que preserva o seu
papel privilegiado de potência nuclear.
A
Europa compartilha a preocupação com o eventual acesso do Irã ao
armamento nuclear e não teve hesitação em conceder aos Estados Unidos a
liderança no processo, até mesmo simbolicamente, pois foi Obama que
anunciou os termos do novo acordo. A Parceria Transatlântica de Comércio
e Investimento, apesar das dificuldades inerentes a um projeto tão
ambicioso, explicita a vontade de ambos os lados do Atlântico de
partilhar uma mesma visão estratégica e construir uma poderosa aliança
econômica neste cenário em profunda transformação.
O
deslocamento do eixo estratégico do Oriente Médio para a Asia, do
Atlântico para o Pacífico, sinaliza a sintonia da diplomacia
norte-americana com as novas realidades econômicas e geopolíticas do
mundo global. E o reconhecimento de que alguns conflitos regionais terão
uma duração mais longa que o esperado e, exceto no caso do Irã, não
afetam, necessariamente, interesses estratégicos dos Estados Unidos. A
prioridade para a Ásia já é uma realidade no plano militar e um projeto
em construção no plano econômico, pela via de várias parcerias
transpacíficas. A nova hegemonia está, por fim, lastreada pela retomada
da economia, sob o impulso da revolução do gás de xisto, que não apenas
reduz a dependência da energia importada, mas estimula a
reindustrialização do país.
É
bem verdade que a formação de um condomínio global ampliado, com o
ingresso da China e, em certa medida, de outros países emergentes,
implica objetivamente uma perda do poder relativo dos Estados Unidos.
Mas também é verdade que o desenho multipolar em construção reserva à
potência norte-americana a posição de um polo central e hegemônico da
nova ordem.
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