segunda-feira, 22 de abril de 2013

Para FMI, Brasil tem baixo PIB potencial

Para FMI, Brasil tem baixo PIB potencial

Inflação no Brasil sugere PIB potencial menor, diz FMI
Autor(es): Por Sergio Lamucci | De Washington
Valor Econômico - 22/04/2013
 

O economista-chefe do FMI, Olivier Blanchard, disse que o crescimento potencial do Brasil parece mais baixo do que se pensava. Na semana passada, o FMI reduziu a previsão de crescimento para o PIB brasileiro em 2013 de 3,5% para 3%. Segundo o economista, se a economia estivesse muito abaixo do ritmo potencial, o país veria a inflação cair mais.
Em entrevista ao Valor, em meio a maratona de encontros do FMI e do Banco Mundial, o economista francês afirmou ainda que o desempenho mais fraco da economia brasileira tem grande relação com baixo nível dos investimentos.

O crescimento potencial do Brasil parece mais baixo do que se pensava, diz o economista-chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI), Olivier Blanchard, referindo-se ao ritmo de expansão do Produto Interno Bruto (PIB) que não acelera a inflação. Para ele, se a economia brasileira estivesse muito abaixo do potencial, o país veria a inflação cair mais. "Com isso, a margem de manobra para usar políticas de estímulo à demanda é provavelmente limitada", afirma Blanchard, lembrando que o FMI reduziu a previsão de crescimento para a economia brasileira em 2013 de 3,5% para 3%. Gargalos de infraestrutura e no mercado de trabalho foram apontados pelos economistas da instituição como restrições de oferta importantes que afetam o país.
O economista francês diz ainda que o desempenho mais fraco do Brasil no passado recente tem grande relação com o comportamento frustrante do investimento. "É provável que um número de distorções, assim como alguma incerteza sobre políticas, tenham um papel nisso", disse Blanchard ao Valor, em meio à maratona de encontros e seminários da reunião de primavera do FMI e do Banco Mundial, realizada na semana passada em Washington.
Blanchard diz ainda que países emergentes como o Brasil devem "ser livres" para suavizar movimentos de recursos externos mais voláteis, usando "instrumentos de administração de fluxos de capitais, medidas macroprudenciais e intervenção no mercado de câmbio". Alguns desses capitais são desestabilizadores, afirma, observando, contudo, que parte do dinheiro que chega de fora vem por um bom motivo - aproveitar as perspectivas mais favoráveis dos mercados emergentes.
Para ele, aliás, o Brasil não abandonou o regime de câmbio flutuante. "Eu chamaria de flutuação administrada. O real flutua, mas com o uso de controle de capitais", diz Blanchard, um dos principais responsáveis pela adoção de ideias mais flexíveis pelo FMI no pós-crise, como o apoio a controles de capitais em determinadas circunstâncias e a recomendação para que alguns países não exagerem na dose da austeridade fiscal.
Para Blanchard, a recuperação americana mostra sinais robustos, pelo lado do setor privado. O país vai crescer quase 2% mesmo com o ajuste fiscal equivalendo a uma contração de 1,8% do PIB. O economista elogia também a política monetária japonesa, e não a encara como uma medida voltada para produzir uma desvalorização competitiva do câmbio, mas sim para de fato tirar o país da deflação. A seguir, os principais trechos da entrevista.
Valor: A recuperação dos EUA é sustentável, num cenário em que o setor privado parece em boa forma, mas a incerteza sobre a política fiscal deve continuar elevada?
Olivier Blanchard: Eu estou confiante que a retomada vai continuar. Há muitos fatores que estão na direção certa. Primeiro, há a política monetária. O Fed foi agressivo e tomou muitas medidas para ajudar a economia. Os investidores esperam que as taxas de juros vão seguir baixas, o que é bom para a demanda. É bom que os juros básicos estejam baixos, mas as taxas que afetam a vida das pessoas é aquela de hipotecas e empréstimos. O sistema bancário nos EUA não está em situação perfeita, ainda há riscos, mas ele está melhorando em termos de indicadores de capital, de funding. O mecanismo de transmissão está funcionando de novo. Há juros baixos para quem quer tomar dinheiro emprestado. Há também o que os economistas chamam de demanda reprimida. Quando há uma recessão longa e poucos imóveis são construídos, o que nós vimos por algum tempo, então o estoque de imóveis cai. Em algum ponto não há imóveis suficientes, e a construção começa de novo. É a mesma coisa no mercado de automóveis. Se as pessoas não compram carros por um tempo, em algum momento elas têm que trocar um automóveis que não está funcionando bem. Nós vemos esse fenômeno no mercado imobiliário, nós vemos a mesma coisa em bens duráveis. Todos esses são sinais de uma economia que está se recuperando.
Se você olhar para a queda no crescimento [ no Brasil], ela parece vir em grande parte do investimento"
Valor: Mas e a política fiscal?
Blanchard: A política fiscal está de fato desacelerando a recuperação. A consolidação fiscal nos EUA é muito forte neste ano. É de 1,8% do PIB. Pode estar tirando de 1,5 a 2 pontos do crescimento. Eu espero que os EUA adotem uma trajetória melhor de ajuste fiscal. A ironia é que o sequestro [corte automático de US$ 85,3 bilhões que entrou em vigor em março], de algum modo, melhorou o panorama. Ele levou os investidores a concluir que o pior que pode acontecer é que o sequestro continue, e então o déficit será menor. Não é o melhor modo de fazer o ajuste, que deveria ser feito mais lentamente e com mais inteligência. Minha avaliação é de que a consolidação fiscal vai desacelerar e a demanda privada vai continuar forte. Com isso, a recuperação é razoavelmente forte.
Valor: O sr. acredita que os EUA poderão se tornar um competidor dos mercados emergentes nos próximos anos, devido ao renascimento da manufatura, mais do que uma economia baseada no consumo?
Blanchard: A maneira de pensar nisso é em termos de cadeias de valor. Produtos manufaturados não serão inteiramente fabricados na China, no Brasil ou nos EUA. Algumas partes serão produzidas na China, outras no Brasil e outras nos EUA. Pelo menos por algum tempo, os Estados Unidos vão continuar a ter vantagem em tecnologia de ponta, então parte da produção de manufaturados vai ocorrer no país. Nós vemos isso em biologia, em tecnologias da informação. No fim, produtos manufaturados serão feitos em todos os lugares do mundo. Nos casos em que é muito importante o trabalho barato, ela será feita nos países em que há esse fator. Nos segmentos em que for importante o trabalho especializado, será feita nos países em que ele existe. Quando for necessário basicamente estar próximo da pesquisa e desenvolvimento, os manufaturados serão feitos em países mais avançados, como os EUA.
Valor: Os bancos centrais dos países desenvolvidos, especialmente o Federal Reserve [Fed, o banco central americano] e o Banco do Japão, têm adotado políticas monetárias extremamente expansionistas. Como elas afetam os mercados emergentes? Eles devem manter ou intensificar controles de capitais para lidar com esses fluxos?
Blanchard: Há vários motivos pelos quais os capitais estão indo para os mercados emergentes, e é importante fazer distinções entre elas. A principal não tem a ver com a política monetária. Ela tem a ver com o fato de que os países em desenvolvimento simplesmente parecerem bem. Em termos de fluxos de investimentos estrangeiros diretos, os mercados emergentes, com forte potencial de crescimento, são muito atraentes. Em termos de investimento em carteira, os mercados de ações desses países parecem boas apostas, ainda que arriscadas. Esses fatores refletem a força dos mercados emergentes. Essa parte dos fluxos de capitais é boa. Outra força por trás dos fluxos de capitais são os diferenciais de juros. Como as economias avançadas têm um desempenho fraco e os mercados emergentes estão indo melhor em termos de atividade cíclica, há juros mais baixos nos países desenvolvidos e mais elevados nos países em desenvolvimento. Isso faz do investimento nos títulos dos mercados emergentes algo atraente. Esse diferencial de juros deve continuar por muito tempo e vai levar a fluxos de capitais para os emergentes. Também não são ruins, mas são menos importantes do que os do primeiro tipo. A terceira força por trás dos fluxos de capitais são episódios de aumento e redução de risco. Os investidores gostam de riscos, depois não gostam, o que faz os fluxos de capitais entrarem e saírem. Esses são desestabilizadores e países que os recebem, como o Brasil, devem ser livres para tentar suavizá-los por meio de instrumentos de administração de fluxos de capitais, medidas macroprudenciais e intervenção no mercado de câmbio.
Valor: O presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, diz que há uma solução de meio termo entre países desenvolvidos e emergentes sobre esse assunto. Os primeiros adotam políticas monetárias expansionistas e os segundos usam eventualmente medidas de controle de capitais e macroprudenciais para lidar com eles. O sr. concorda?
Blanchard: Eu não gosto do termo solução de meio termo [compromise, em inglês]. Eu prefiro a palavra acordo. Acho que há acordo amplo de que as economias avançadas precisam usar política monetária não convencional porque não sobrou nenhuma política monetária convencional para ajudar na recuperação. Eles precisam fazer tudo o que podem. Eles não podem usar a política fiscal, uma vez que precisam de consolidação fiscal. Ao mesmo tempo, os países avançados entendem que essas políticas monetárias vão produzir movimentos nos fluxos de capitais. Como eles são voláteis, o acordo é que os países que os recebem devem ser livres para suavizá-los e usar quaisquer ferramentas que tenham à disposição. Esse é o acordo implícito. Ele não é perfeito, mas não é ruim, e talvez seja o melhor que pode ser feito.
Valor: Daqui a alguns anos, os bancos centrais dos países desenvolvidos vão começar a elevar os juros. O FMI espera que, no caso do Fed, isso ocorra no começo de 2016, mas considera que possa ser antes, se o crescimento for mais forte. Como isso afetaria emergentes como o Brasil e como esses países devem se preparar para esse cenário?
Blanchard: Quando isso ocorrer, é provavelmente porque o crescimento voltou, e essa parte é uma boa notícia para os mercados emergentes. Isso significa que as exportações vão aumentar. É algo que vai ocorrer com juros mais altos e, com isso, vai levar uma reversão parcial dos fluxos de volta para onde os juros estão mais atraentes, que seriam os EUA. Alguns fluxos de capitais provavelmente vão mudar de sinal.
Valor: O Banco do Japão adotou uma política monetária muito agressiva. Ela pode dar início a um processo de desvalorização competitiva ou é uma resposta a um processo de desvalorização competitiva que já estava ocorrendo?
Blanchard: Nenhuma das duas coisas. O Japão é um caso especial. Ele está numa situação econômica difícil há muito tempo. Já tentou muitas coisas. Um dos problemas do Japão é a deflação. Não é uma grande deflação, mas é deflação. É necessário fazer alguma coisa para estimular a inflação. Acho que a desvalorização do câmbio, que é um dos efeitos da política monetária, não tem como objetivo aumentar a competitividade, mas aumentar os preços. Se ela for bem sucedida, veremos mais inflação. Com isso, no fim, a taxa real de câmbio (que considera a inflação) não vai se mover muito. E a política monetária não vai fazer a situação da dívida pior. É uma tentativa de fazer a economia andar, e um modo de reduzir a relação entre dívida e PIB é aumentando o PIB, e é isso o que eles estão tentando fazer. Nós desejamos sorte a eles.
Valor: O real oscila hoje num intervalo estreito, depois de uma desvalorização significativa no ano passado. O Brasil abandonou o regime de câmbio flutuante?
Blanchard: Eu não acho que o Brasil tenha abandonado o regime de câmbio flutuante. O real ainda é uma moeda que flutua. Manter a flexibilidade da taxa de câmbio é claramente importante para o Brasil. Eu chamaria de flutuação administrada. Ela flutua, mas com o uso de controle de capitais. Nesse sentido não é flutuação pura.
Valor: O Banco Central brasileiro reduziu agressivamente os juros, o câmbio teve uma desvalorização expressiva no ano passado, o governo fez uma série de desonerações tributárias, mas a economia teve crescimento fraco em 2012 e a recuperação não parece forte. Por que a economia não reagiu de modo mais vigoroso a todos esses estímulos?
Blanchard: Deixe-me fazer pontos. O primeiro é que o crescimento potencial talvez seja menor do que nós pensávamos antes. O outro é que, se você olhar para a queda no crescimento, ela parece vir em grande parte do investimento. É provável que um número de distorções, assim como alguma incerteza sobre políticas, tenham um papel aí.
Valor: O Brasil cresceu 0,9% no ano passado e a inflação ficou próxima de 6%. O Brasil está preso num equilíbrio ruim de baixo crescimento e inflação elevada?
Blanchard: Não acredito nisso. Para mim, isso sugere que o Brasil pode não estar longe do crescimento potencial. Se estivesse muito abaixo do PIB potencial, a inflação cairia. O fato de que não vemos a inflação cair muito sugere que talvez o crescimento potencial seja menor do que pensávamos. Nós revisamos a previsão de crescimento para 2013 de 3,5% para 3%. A margem de manobra para usar políticas de estímulo à demanda é provavelmente limitada.
Valor: Na quarta-feira, o Banco Central brasileiro elevou os juros em 0,25 ponto percentual. A inflação está acima do teto da meta, de 6,5%, mas a recuperação não é ainda forte. É uma boa ideia começar a elevar os juros num mundo com grande liquidez?
Blanchard: Eu não conheço os motivos exatos por trás da decisão, então vou fazer um comentário mais geral. Você não quer aumentar os juros no último minuto, numa grande magnitude. É perturbador e como leva tempo para o aumento dos juros afetar a atividade, pode ser tarde demais. Então você quer fazê-lo antes, e lentamente.

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