quarta-feira, 10 de abril de 2013

O que é inflação

O que é inflação

Autor(es): Claudio Adilson Gonçalvez
O Estado de S. Paulo - 08/04/2013
 

Num país como o Brasil, que por muitas déca­das experimentou as agruras de processos in­flacionários crônicos, o título des­te artigo pode parecer desprovido de sentido, ou talvez uma iro­nia ou uma brincadeira tola do autor. No entanto, não se trata de qualquer pilhéria. O tema que  aqui se aborda é sério e suscita  preocupações crescentes em rela­ção à atual política econômica. A maneira pela qual o governo vem tratando a questão inflacio­nária no Brasil deixa só duas inter­pretações possíveis: ou ele não sa­be o que é inflação ou, se sabe, ão está efetivamente empenha­! do em debelá-la, mas apenas em obter algum alívio temporário com o menor custo político possí­vel e de olhos fixos nas eleições  de 2014.                     
Sem preocupação com rigor técnico, defino inflação como um processo generalizado e persistente de alta dos preços dos bens e  serviços de uma economia. As pa-avras em itálico merecem aten­ção especial, dado que elas se refe­rem exatamente às característi­cas que diferenciam um processo inflacionário de uma alta tempo­rária dos preços causada, por exemplo, pela quebra da safra de uma determinada cultura em ra­zão de problemas climáticos.
Do ponto de vista da teoria eco­nômica, a questão inflacionária começou a ser analisada de for­ma quantitativa e focada a partir do célebre artigo do economista neozelandês Alban W. H. Phillips, publicado em 1958. Ao anali­sar estatisticamente dados para a economia britânica no período 1861/1957, ele observou a existên­cia de uma relação regular entre a taxa de desemprego e a taxa de variação do salário nominal.
Dado que a taxa de inflação ten­deria a ser aproximadamente igual ao crescimento do salário menos o da produtividade do tra­balho, foi possível obter uma rela­ção empírica entre desemprego e inflação. Isso foi formalizado mais claramente por Samuelson e Solow (em 1960), que repeti­ram o exercício de Phillips para a economia norte-americana. Des­de então, a relação desemprego- inflação ficou conhecida como Curva de Phillips. Debatida, criti­cada, modificada e ampliada, ela exerceu (e ainda exerce) papel vi­tal para o estudo e a compreen­são dos processos inflacionários.
Posteriormente, Milton Friedman (1969) e Edmund Phelps (1968) mostraram que a possibili­dade, implícita na Curva de Phil­lips, de trocar um pouco mais de inflação por um pouco menos de desemprego só é possível no curto prazo. No longo prazo, tal esco­lha simplesmente não existe.
Durante a década de 70, princi­palmente em função das crises do petróleo, a economia mundial se defrontou com um fenômeno até então pouco conhecido: a ele­vação de inflação com concomi­tante alta do desemprego. Essa si­tuação, apelidada de estagflação, parecia ter varrido a Curva de Phillips da teoria econômica.
Mas não foi isso o que ocorreu. Passou-se a analisar melhor o conceito de choque de oferta, bem como o importante papel das expectativas na determina­ção da taxa efetiva de inflação. Com isso, em vez de desaparecer, a Curva de Phillips foi modifica­da e ampliada para incorporar es­ses novos conceitos.
Atualmente, os bancos cen­trais, inclusive o brasileiro, utili­zam uma mescla dessas importantes contribuições teóricas para nortear a política monetária. Dito de uma maneira simples, si­mulam a inflação como decorrência do excesso de demanda em re­lação à oferta de bens e serviços na economia.
Do lado da demanda, as principais variáveis explicativas são a ta­xa real de juros e a política fiscal, representada no Brasil pelo supe ­rávit primário do governo. Já a oferta é modelada na forma de uma Curva de Phillips ampliada, onde entram o grau de utilização dos recursos produtivos, traba­lho e capital (em economès, ""hia­to do produto"), a expectativa de inflação dos agentes econômi­cos, a inflação passada, na medi­da em que ela influencia principal­mente via contratos a inflação fu­tura (no jargão econômico, "inér­cia"), a inflação importada (taxa de cambio e índices internacio­nais de preços) e choques de ofer­ta. Tudo isso se aplica aos chama­dos preços livres. Para os preços administrados (tarifas de água e esgoto, energia elétrica, comuni­cações, transportes urbanos, combustíveis, medicamentos e planos de saúde), são feitas simu­lações com base nas informações disponíveis para cada setor.
Assim, como mostram sólidas evidências estatísticas, embora no longo prazo inflação baixa fa­voreça o crescimento econômico - e não o contrário -, o seu comba­te, no curto prazo, não pode ser feito sem certo custo em termos de aumento temporário do de­semprego. Esse custo pode ser minimizado dando-se ênfase à disciplina fiscal, mais do que ao aperto monetário.
Ao adotar desonerações tribu­tárias para setores escolhidos vi­sando a controlar a inflação, o go­verno comete uma série de equí­vocos. Em primeiro lugar, exce­to para preços administrados ou para setores muito visíveis (auto­motivo, por exemplo), não há co­mo saber quanto da desoneração será repassada ao consumi­dor. Em segundo lugar, mesmo que tais desonerações resultem em reduções de preços, elas pro­vocarão apenas alívio temporá­rio. Cessado o efeito, a inflação retomará seu curso, ditado pelo desequilíbrio macroeconômico que a gerou. E aqui que o gover­no parece desconhecer o que e inflação (aumento generalizado e persistente dos preços) e suas causas, conforme discutido nes­tas linhas.
Tal estratégia, contudo, não é somente ineficaz. Ela acarreta enormes custos para a sociedade. Significa distorção na alocação eficiente de recursos. A renúncia de receita tributária acaba benefi­ciando os setores menos eficien­tes (com menor crescimento de produtividade e mais ávidos por reajustes de preços). Em vez dis­so, tais recursos poderiam ser usa­dos alternativamente para redu­zir de forma geral a carga tributá­ria, para pagar parte da dívida pú- blicapu serem investidos em saú­de, educação, desenvolvimento tecnológico e melhoria da precá­ria infraestrutura do País.

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