quarta-feira, 10 de abril de 2013

China puxa a orelha de Kim Jong-un

China puxa a orelha de Kim Jong-un

Crise irrita a China
Autor(es): RODRIGO CRAVEIRO
Correio Braziliense - 08/04/2013
 

Irritado , presidente chinês Xi Jinping manda um duro recado à Coreia do Norte: “Ninguém deveria ter a permissão de lançar uma região, e mesmo o mundo inteiro, no caos, em troca de ganhos egoístas”

Presidente Xi Jinping envia alerta à Coreia do Norte e adverte que ninguém pode lançar o mundo no caos. Especialistas admitem irritação do principal aliado de Pyongyang. Seul espera novo teste de míssil


“Ninguém deveria ter a permissão de lançar uma região, e mesmo o mundo inteiro, no caos, em troca de ganhos egoístas.” Mais do que uma mudança de postura de Pequim, as palavras do presidente chinês, Xi Jinping, sugerem a frustração e a falta de paciência do principal aliado da Coreia do Norte com a escalada da retórica belicista do ditador Kim Jong-un. “Enquanto persegue seus próprios interesses, um país deveria acomodar os interesses legítimos de outros”, acrescentou Xi. No discurso, proferido durante a abertura do Fórum Boao para a Ásia, ele evitou citar o regime de Pyongyang.

O alerta a Kim coincidiu com um alerta da Coreia do Sul sobre uma iminente “provocação” ou lançamento de míssil, por parte do país vizinho. Kim Jang-soo, diretor de Segurança Nacional da presidente Park Geun-hye, afirmou que Pyongyang deve fazer um teste com um provável míssil Musudan antes de quarta-feira. A data coincide com o prazo dado pelo regime comunista para a retirada de diplomatas estrangeiros da capital. “Não há sinais de uma guerra em grande escala agora, mas o Norte terá que se preparar para executar represálias, no caso de uma guerra local”, declarou Kim Jang-soo. Com alcance de 3 mil quilômetros, o míssil Musudan-ri (veja o mapa) poderia atingir o Japão. No entanto, com uma carga leve, é capaz de viajar 4 mil quilômetros e destruir um alvo na ilha de Guam, a 3.380km da costa norte-coreana, onde vivem 6 mil soldados norte-americanos.

Professor de relações internacionais da University of Southern California, em Los Angeles, David Kang admite que a China experimenta uma frustração crescente com a Coreia do Norte. “Ainda que não esteja disposta a aplicar uma pressão real sobre Pyongyang, ela mostra uma irritação visível com o regime de Kim Jong-un”, afirmou ao Correio, por e-mail. “Mas não creio numa mudança fundamental na política chinesa em relação à Coreia do Norte.” O autor de China rising: Peace, power and order in East Asia (“A ascensão da China: Paz, poder e ordem no leste da Ásia”, pela tradução literal) aposta que Pequim prioriza a estabilidade à desnuclearização na Península Coreana. “É improvável que os chineses implementem sanções econômicas, por exemplo”, opinou Kang. De acordo com ele, a crise na Península Coreana tem desviado a atenção da China de áreas da política externa cruciais para o país.

Kang considera plausível que Pyongyang faça um novo teste com míssil, como forma de avaliar suas capacidades técnicas. “Muitos dos testes com mísseis de longo alcance fracassaram, mas eles têm melhorado. O próximo lançamento envolveria um projétil de médio alcance. Apesar de provocativo, não seria algo novo”, comenta. Para o especialista, o fato de os EUA levarem a sério as ameaças norte-coreanas inviabiliza um ataque preventivo. “Os dois lados estão ‘impedidos’ de atacar, a situação é estável e há muita palavra e pouca ação.”

“Os chineses estão lenta, mas determinadamente, intensificando a pressão sobre a Coreia do Norte. Eles não querem uma guerra na região e, enquanto o risco aumentar, provavelmente tentarão demover Pyongyang de um conflito”, garantiu Steven Weber, professor de ciência política e relações internacionais da Universidade da Califórnia-Berkeley. O analista garante que Pequim não deseja o colapso do país vizinho e faz um alerta. “Esta poderá ser uma semana complicada. No entanto, muito em breve, todos os lados buscarão uma saída, pois o perigo de um conflito cresce para além de sua tolerância”, disse à reportagem.

Fontes do governo do Japão, citadas pela agência espanhola EFE, confirmaram que suas forças de autodefesa ativarão o protocolo para neutralizar uma possível ameaça de Pyongyang — o que incluiria a prontidão de destróieres (navios de guerra) equipados com o sistema antimísseis balísticos Aegis.

Embaixador

Em entrevista ao Correio, por e-mail, Roberto Colin, embaixador do Brasil em Pyongyang, contou que a capital norte-coreana está “aparentemente calma”. “Alguns conhecidos estiveram no interior do país e disseram nada terem visto de incomum”, comentou. Ontem, os chefes de missões diplomáticas foram convidados pelo Exército Popular da Coreia para uma reunião. “Um general disse que toda essa escalada é de responsabilidade exclusiva dos EUA, que trouxeram para a Península Coreana submarinos nucleares e bombardeiros B-52 e B-2, transformando a região em vitrina dos mais modernos armamentos e criando uma situação extremamente tensa”, relatou Colin. “O oficial salientou que o país não deseja a guerra, mas que está preparado para responder a provocações”, acrescentou o embaixador.

Relações de conveniência

A aliança entre a China e a Coreia do Norte remonta a 10 de setembro de 1961, época da Guerra Fria, quando ambos os países ainda eram pobres e fracos

Sanções
-A China participa de sanções internacionais contra a Coreia do Norte, com o intuito de dificultar a aquisição de tecnologia para o programa de mísseis. Pequim não chegou a bloquear uma declaração da Organização das Nações Unidas condenando o lançamento de um satélite norte-coreano.

Êxodo de refugiados
-Estima-se que 100 mil imigrantes ilegais da Coreia do Norte vivem na China. Grupos de famintos norte-coreanos começaram o êxodo para o território chinês em 1994. O governo de Pequim teme que o colapso do regime norte-coreano provoque um desastre humanitário, com um êxodo gigantesco de refugiados.

Balanço de poder
- A queda do regime de Kim Jong-un e a unificação das duas Coreias poderia afetar o balanço de poder no leste da Ásia. A fronteira com a China contaria com a presença de tropas americanas, hoje baseadas na Coreia do Sul.

Comércio
- Isolada do resto do mundo, a Coreia do Norte depende das relações comerciais com a China para sobreviver. Cerca de 70% das trocas norte-coreanas são feitas com a China, totalizando quase US$ 6 bilhões no ano passado. A China investe, de modo substancial, nas áreas de telecomunicações e de infra-estrutura norte-coreanas. O suprimento de petróleo da Coreia do Norte é fornecido pela China.

Eu acho


"A chance de um conflito real é bem baixa. Os Estados Unidos e a Coreia do Norte fazem a mesma coisa: estufam o peito e exibem os músculos. Ambos os lados dizem a outro: ‘Se você me atacar primeiro, eu o golpearei’."
David Kang, professor de relações internacionais da University of Southern California (em Los Angeles)

Nenhum comentário:

Postar um comentário