segunda-feira, 6 de maio de 2013

O overnight, quem diria, está de volta!

O overnight, quem diria, está de volta!

O overnight voltou
Autor(es): ROSANA HESSEL
Correio Braziliense - 23/04/2013
 

Disparada da inflação ressuscitou no Brasil os ganhos fabulosos da noite para o dia. Desta vez, porém, os únicos beneficiados são os bancos, que, em abril, negociaram o valor recorde de R$ 702 bilhões em operações de curtíssimo prazo com o BC
Operações de curtíssimo prazo feitas pelo Banco Central batem recorde em abril: R$ 702 bilhões. Instituições financeiras preferem manter o dinheiro em aplicações quase diárias, por temerem a disparada dos preços

A disparada da inflação se tornou um tormento para as famílias, mas está engordando, como há tempos não se via, os cofres dos bancos. Sem alarde, as instituições financeiras estão ressuscitando um velho conhecido dos tempos de hiperinflação, que vigorou nos anos de 1980 e na primeira metade da década de 1990 — o overnight. São operações de curtíssimo prazo com títulos públicos negociados pelo Banco Central para retirar o excesso de dinheiro em circulação da economia. Em abril, o volume de recursos aplicados por um prazo médio de três meses atingiu o recorde de R$ 702 bilhões. Nesses investimentos, os bancos garantem, sem qualquer risco, a taxa básica de juros (Selic), que está em 7,50% ao ano. É melhor do que emprestar com a inadimplência em alta e enquanto a inflação não cai.

O BC prefere chamar o overnight pelo pomposo nome de operação compromissada, já que há um compromisso formal da instituição de, na data do vencimento, recomprar os títulos públicos vendidos aos bancos. Os prazos, no entanto, são apenas formalidades, uma vez que todas as operações são renovadas, pois, na visão das instituições financeiras, o mais correto é deixar o dinheiro aplicado por um prazo bem curto, de um dia, por exemplo, e garantir a liquidez do caixa.

No passado, os bancos alardeavam que os ganhos eram divididos com a clientela, que acreditava estar se protegendo da hiperinflação, de 80% ao mês. Na verdade, os grandes beneficiados eram as instituições, que pegavam o dinheiro parado em conta-corrente, aplicavam os valores e embolsavam quase toda a correção.

Esse ganho inflacionário ajudava a cobrir a ineficiência do sistema financeiro. Tanto que, quando houve a estabilização da economia, a partir de julho de 1994, com o Plano Real, uma leva de instituições quebrou. Um dos casos mais emblemáticos foi o do Banco Nacional, que usava receitas do overnight para encobrir operações fictícias de crédito e mostrar uma saúde que não tinha.

Não é o caso de agora, pois há solidez no sistema. Os bancos, porém, redescobriram uma forma de ganhar dinheiro fácil, rápido e sem risco. Alegam que estão se protegendo diante das incertezas criadas pelo governo, que deixou a inflação estourar o teto da meta, de 6,5%, definida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN).

Bolsa Banqueiro

O economista Felipe Salto, da Consultoria Tendências, fez as contas e constatou que essas operações estão custando quase R$ 50 bilhões ao ano aos cofres públicos. “Esse valor equivale a três programas como o Bolsa Família. Estamos falando de uma espécie de Bolsa Banqueiro”, critica.

Pior, o overnight — ou compromissadas, como gosta o BC — está tornando difícil a missão do Tesouro Nacional de reduzir o custo e alongar o perfil da dívida federal. Em vez de comprarem papéis com vencimento em 2020, 2030, por exemplo, as instituições preferem ficar penduradas no curto prazo, pois as incertezas na política econômica são grandes.

“Isso aprisiona o país à estratégia de juros altos. O ideal seria modificar a forma de remuneração dos títulos vendidos pelo BC. Por serem de curto prazo, deveriam ter taxas menores, como uma espécie de punição”, aconselha Salto.

Fatura da gastança

Na avaliação de Salto, boa parte do dinheiro que está sobrando no mercado tem a ver com a política expansionista do governo. Até o ano passado, o BC retirava o excesso de recursos porque era obrigado a injetar reais na economia para comprar dólares e evitar o derretimento da moeda norte-americana. Agora, as sobras se referem à gastança do Ministério da Fazenda, principalmente para reforçar o caixa dos bancos públicos, especialmente o do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

“Em 2006, as operações compromissadas correspondiam a 3,3% do PIB (Produto Interno Bruto). Agora, atingem quase 15%. Isso é muito preocupante, sobretudo se levarmos em consideração que os juros subsidiados do BNDES custam R$ 15 bilhões por ano ao Tesouro”, ressalta Salto.

Desde abril passado, a ciranda financeira aumentou 41%, passando de R$ 496,7 bilhões para R$ 702,7 bilhões, estimulando preocupação em técnicos do governo comprometidos com a estabilidade da economia. Eles ressaltam que o país está retomando o perigoso caminho do curto prazismo, por causa da desconfiança no controle da inflação.

O economista Roberto Luis Troster é enfático: “O aumento nas apostas de curto prazo é reflexo do descrédito em relação ao Palácio do Planalto. Isso custa caro para o país, pois o Tesouro Nacional é obrigado a reduzir o prazo de seus títulos”. Não à toa, o volume de papéis que vencem em até 12 meses voltou a crescer. Em 2011, chegaram ao piso de 21,9% da dívida pública federal (hoje em R$ 1,8 trilhão). Agora, são 25,15% do total, acima do teto de 25% previsto no Plano Anual de Financiamento (PAF).

Primeiro banco a divulgar o balanço trimestral deste ano, o Bradesco confirma a opção pelas operações compromissadas com o BC. Entre janeiro e março, as suas totalizaram R$ 70,8 bilhões, volume 71,4% maior que o registrado no mesmo período de 2012 (R$ 41,3 bilhões). Na mesma comparação, o total de papéis com emissão direta do Tesouro Nacional recuou 22%, de R$ 159,8 bilhões para R$ 124,4 bilhões. “A tendência é de esse quadro se repetir nos próximos balanços”, acredita um integrante da equipe econômica. Procurado, o Banco Central não quis comentar.

Longe do ideal
 Apesar dos esforços do Tesouro Nacional para ampliar o prazo médio de vencimento da dívida pública federal nos últimos anos, a média ideal estipulada pela equipe econômica do governo, de 5,5 anos, ainda está bem longe de ser alcançada. Em 2012, ficou em quatro anos, acima dos 3,6 do ano anterior. Em 2013, o prazo médio dos títulos deverá ficar entre 4,1 e 4,3 anos, conforme a previsão do Plano Anual de Financiamento (PAF).

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