Disparada da inflação
ressuscitou no Brasil os ganhos fabulosos da noite para o dia. Desta
vez, porém, os únicos beneficiados são os bancos, que, em abril,
negociaram o valor recorde de R$ 702 bilhões em operações de curtíssimo
prazo com o BC
Operações de curtíssimo prazo feitas pelo Banco Central
batem recorde em abril: R$ 702 bilhões. Instituições financeiras
preferem manter o dinheiro em aplicações quase diárias, por temerem a
disparada dos preços
A disparada da inflação se tornou um tormento para as
famílias, mas está engordando, como há tempos não se via, os cofres dos
bancos. Sem alarde, as instituições financeiras estão ressuscitando um
velho conhecido dos tempos de hiperinflação, que vigorou nos anos de
1980 e na primeira metade da década de 1990 — o overnight. São
operações de curtíssimo prazo com títulos públicos negociados pelo
Banco Central para retirar o excesso de dinheiro em circulação da
economia. Em abril, o volume de recursos aplicados por um prazo médio de
três meses atingiu o recorde de R$ 702 bilhões. Nesses investimentos,
os bancos garantem, sem qualquer risco, a taxa básica de juros (Selic),
que está em 7,50% ao ano. É melhor do que emprestar com a
inadimplência em alta e enquanto a inflação não cai.
O BC prefere chamar o overnight pelo pomposo nome de
operação compromissada, já que há um compromisso formal da instituição
de, na data do vencimento, recomprar os títulos públicos vendidos aos
bancos. Os prazos, no entanto, são apenas formalidades, uma vez que
todas as operações são renovadas, pois, na visão das instituições
financeiras, o mais correto é deixar o dinheiro aplicado por um prazo
bem curto, de um dia, por exemplo, e garantir a liquidez do caixa.
No passado, os bancos alardeavam que os ganhos eram
divididos com a clientela, que acreditava estar se protegendo da
hiperinflação, de 80% ao mês. Na verdade, os grandes beneficiados eram
as instituições, que pegavam o dinheiro parado em conta-corrente,
aplicavam os valores e embolsavam quase toda a correção.
Esse ganho inflacionário ajudava a cobrir a ineficiência do
sistema financeiro. Tanto que, quando houve a estabilização da
economia, a partir de julho de 1994, com o Plano Real, uma leva de
instituições quebrou. Um dos casos mais emblemáticos foi o do Banco
Nacional, que usava receitas do overnight para encobrir operações
fictícias de crédito e mostrar uma saúde que não tinha.
Não é o caso de agora, pois há solidez no sistema. Os
bancos, porém, redescobriram uma forma de ganhar dinheiro fácil, rápido e
sem risco. Alegam que estão se protegendo diante das incertezas
criadas pelo governo, que deixou a inflação estourar o teto da meta, de
6,5%, definida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN).
Bolsa Banqueiro
O economista Felipe Salto, da Consultoria Tendências, fez
as contas e constatou que essas operações estão custando quase R$ 50
bilhões ao ano aos cofres públicos. “Esse valor equivale a três
programas como o Bolsa Família. Estamos falando de uma espécie de Bolsa
Banqueiro”, critica.
Pior, o overnight — ou compromissadas, como gosta o BC —
está tornando difícil a missão do Tesouro Nacional de reduzir o custo e
alongar o perfil da dívida federal. Em vez de comprarem papéis com
vencimento em 2020, 2030, por exemplo, as instituições preferem ficar
penduradas no curto prazo, pois as incertezas na política econômica são
grandes.
“Isso aprisiona o país à estratégia de juros altos. O ideal
seria modificar a forma de remuneração dos títulos vendidos pelo BC.
Por serem de curto prazo, deveriam ter taxas menores, como uma espécie
de punição”, aconselha Salto.
Fatura da gastança
Na avaliação de Salto, boa parte do dinheiro que está
sobrando no mercado tem a ver com a política expansionista do governo.
Até o ano passado, o BC retirava o excesso de recursos porque era
obrigado a injetar reais na economia para comprar dólares e evitar o
derretimento da moeda norte-americana. Agora, as sobras se referem à
gastança do Ministério da Fazenda, principalmente para reforçar o caixa
dos bancos públicos, especialmente o do Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
“Em 2006, as operações compromissadas correspondiam a 3,3%
do PIB (Produto Interno Bruto). Agora, atingem quase 15%. Isso é muito
preocupante, sobretudo se levarmos em consideração que os juros
subsidiados do BNDES custam R$ 15 bilhões por ano ao Tesouro”, ressalta
Salto.
Desde abril passado, a ciranda financeira aumentou 41%,
passando de R$ 496,7 bilhões para R$ 702,7 bilhões, estimulando
preocupação em técnicos do governo comprometidos com a estabilidade da
economia. Eles ressaltam que o país está retomando o perigoso caminho
do curto prazismo, por causa da desconfiança no controle da inflação.
O economista Roberto Luis Troster é enfático: “O aumento
nas apostas de curto prazo é reflexo do descrédito em relação ao
Palácio do Planalto. Isso custa caro para o país, pois o Tesouro
Nacional é obrigado a reduzir o prazo de seus títulos”. Não à toa, o
volume de papéis que vencem em até 12 meses voltou a crescer. Em 2011,
chegaram ao piso de 21,9% da dívida pública federal (hoje em R$ 1,8
trilhão). Agora, são 25,15% do total, acima do teto de 25% previsto no
Plano Anual de Financiamento (PAF).
Primeiro banco a divulgar o balanço trimestral deste ano, o
Bradesco confirma a opção pelas operações compromissadas com o BC.
Entre janeiro e março, as suas totalizaram R$ 70,8 bilhões, volume
71,4% maior que o registrado no mesmo período de 2012 (R$ 41,3
bilhões). Na mesma comparação, o total de papéis com emissão direta do
Tesouro Nacional recuou 22%, de R$ 159,8 bilhões para R$ 124,4 bilhões.
“A tendência é de esse quadro se repetir nos próximos balanços”,
acredita um integrante da equipe econômica. Procurado, o Banco Central
não quis comentar.
Longe do ideal
Apesar dos esforços do Tesouro Nacional para ampliar o
prazo médio de vencimento da dívida pública federal nos últimos anos, a
média ideal estipulada pela equipe econômica do governo, de 5,5 anos,
ainda está bem longe de ser alcançada. Em 2012, ficou em quatro anos,
acima dos 3,6 do ano anterior. Em 2013, o prazo médio dos títulos deverá
ficar entre 4,1 e 4,3 anos, conforme a previsão do Plano Anual de
Financiamento (PAF).
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