domingo, 2 de fevereiro de 2014

‘Prisões precisam ser do século em que vivemos’, diz integrante da ONU

‘Prisões precisam ser do século em que vivemos’, diz integrante da ONU

O Globo - 13/01/2014
 
Representante para a América do Sul do escritório para Direitos Humanos da ONU, Amerigo Incalcaterra lembra a importância da imagem do Brasil na área de segurança

Representante para a América do Sul do escritório para Direitos Humanos da ONU, Amerigo Incalcaterra lembra a importância da imagem do Brasil na área de segurança, diz que país não implantou mecanismo contra tortura, e sugere que a União poderia assumir os sistemas carcerários estaduais.
Como vê o quadro do sistema prisional no Maranhão?
É lamentável e preocupante, tanto pela violência que já deixou número alarmante de mortos, como pelas condições das prisões, incluindo a superlotação, que alimenta a violência e constitui grave violação de direitos humanos. Também me preocupa que situações como a de Pedrinhas possam se replicar em outros presídios brasileiros. O país conta com uma população carcerária de mais de meio milhão de pessoas; isso o coloca entre um dos países com mais presos no mundo. Por isso o escritório para Direitos Humanos da ONU fez um pedido urgente (semana passada) para que se realize uma investigação rápida, imparcial e efetiva dos fatos, não só para identificar os responsáveis por esses crimes atrozes (no MA), mas principalmente para que as autoridades e a sociedade façam uma reflexão profunda sobre o modelo carcerário no país. Ele tem de ser de acordo com o século em que vivemos.
Quando foram as visitas mais recentes de representantes da ONU a presídios do Maranhão ou de outro estado brasileiro?
Foram do Grupo de Trabalho sobre Detenções Arbitrárias (GTDA, da ONU). Em março de 2013, o GTDA visitou prisões em Brasília, Campo Grande, Fortaleza, Rio e São Paulo, e viu falta de acesso à Justiça pelos detentos, uso excessivo de medidas privativas de liberdade em detrimento de punições alternativas, prisão preventiva prolongada, discriminação contra indígenas presos. Em 2012, o Comitê para Eliminação da Discriminação contra a Mulher da ONU manifestou preocupação com as condições precárias, a superlotação e a violência sexual nas prisões. E, em 2011, o Subcomitê para Prevenção da Tortura (SPT, também da ONU) visitou prisões no Rio, no Espírito Santo, em Goiás e em São Paulo, e constatou superlotação, impunidade por tortura, assistência deficiente de saúde, e corrupção. Uma das recomendações do SPT ao Brasil foi estabelecer um mecanismo nacional de prevenção da tortura, para fiscalizar as prisões.
Há algum tipo de sanção que a ONU poderia aplicar ao Brasil por causa da situação no Maranhão?
A primeira responsabilidade é do Estado brasileiro. Além de investigações, o Estado deve adotar uma política carcerária que inclua agentes penitenciários treinados e bem remunerados, revisão da legislação penal e programa de reabilitação dos detentos. Ao ratificar a maioria dos tratados internacionais de direitos humanos, o Brasil assumiu o compromisso de cumpri-los de boa-fé. Os mecanismos de direitos humanos das Nações Unidas auxiliam os Estados nesse cumprimento, com medidas como informes e visitas de monitoramento. Mas nenhuma mudança real poderá ocorrer sem uma clara e decidida vontade do Estado de tomar medidas legais, institucionais e de políticas públicas. O Brasil tem demonstrado claro compromisso internacional com os direitos humanos, ratificando tratados. É, inclusive, membro atual do Conselho de Direitos Humanos. E adotou uma lei que cria um mecanismo nacional de prevenção da tortura; no entanto, ele não está implementado. É urgente que ele comece a operar o quanto antes, com independência funcional e autonomia financeira. Além disso, numa Federação como o Brasil, os estados podem não dispor de recursos e formação necessários para cumprir com os padrões carcerários que o país assumiu em nível internacional. Por isso, é conveniente que se discuta a pertinência de o governo federal assumir a responsabilidade do sistema carcerário. A imagem do país em matéria de direitos humanos deve estar acima de qualquer outra consideração.
 

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