quarta-feira, 20 de março de 2013

Rio tem a maior vitória até agora nos royalties

Rio tem a maior vitória até agora nos royalties

Rio tem vitória no STF
Autor(es): Jailton de Carvalho
O Globo - 19/03/2013
 
 Liminar de Cármen Lúcia suspende regra dos royalties que prejudica estados produtores
BRASÍLIA, RIO e SÃO PAULO A ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu ontem, em caráter liminar, as novas regras de distribuição dos royalties de petróleo, prejudiciais aos estados produtores, até o julgamento do mérito da Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) impetrada pelo governo do Estado do Rio de Janeiro. A ministra acolheu, quase na íntegra, o pedido formulado pelo Rio na sexta-feira. Não há prazo definido para o julgamento do mérito, e a relatora ainda submeterá sua decisão liminar ao plenário do STF. Isso pode ocorrer na sessão de amanhã.
- Esta decisão para o jogo até uma decisão final do Supremo - afirmou o advogado Luís Roberto Barroso, procurador do Rio e um dos responsáveis pela Adin.
Com a decisão, Cármen Lúcia anula as modificações incluídas na lei dos royalties com a derrubada, pelo Congresso Nacional, dos vetos da presidente Dilma Rousseff. Com isso, o rateio dos royalties será mantido nas bases atuais.
Esperança com julgamento do mérito
No despacho, de 35 páginas, a ministra disse que suspendeu as novas regras para garantir os direitos dos cidadãos de estados e municípios que seriam atingidos pelas alterações na partilha do petróleo. Cármen Lúcia considerou também plausíveis os argumentos do governo do Rio sobre os riscos à situação jurídica e financeira do estado, se as distorções não fossem corrigidas imediatamente. Segundo o governador Sérgio Cabral (PMDB), as alterações poderiam provocar um prejuízo imediato de R$ 1,6 bilhão ao Rio e de R$ 27 bilhões até 2020.
"A relevância dos fundamentos apresentados na petição inicial desta ação pelo governador do Estado do Rio de Janeiro e a plausibilidade jurídica dos argumentos nela expostos, acrescidos dos riscos inegáveis à segurança jurídica, política e financeira dos Estados e Municípios - experimentando situação de incerteza quanto às regras incidentes sobre pagamentos a serem feitos pelas entidades federais, alguns decorrentes mesmo de concessões aperfeiçoadas e dos direitos delas decorrentes - impuseram- me o deferimento imediato da medida cautelar requerida", sustenta Cármen Lúcia.
Para a ministra, com a suspensão da novas regras, "se tem resguardadas, cautelarmente, direitos dos cidadãos dos Estados e dos Municípios que se afirmam atingidos em seu acervo jurídico e em sua capacidade financeira e política de persistir no cumprimento de seus deveres constitucionais". Diante do alto risco de descontrole, Cármen Lúcia entendeu que a suspensão deveria ser imediata. "Esse o quadro que não permitiu sequer alguns poucos dias mais de aguardo para decisão plenária direta da matéria por este Supremo Tribunal, em face das datas exíguas para cálculos e pagamentos dos valores, cujos critérios estão postos na legislação questionadas e cujos efeitos estão suspensos", argumentou.
A ministra mencionou ainda eventuais incongruência das novas regras com a Constituição e o risco das incertezas que seriam provocas pelas mudanças. "Se nem certeza do passado o brasileiro pudesse ter, de que poderia ele se sentir seguro no Estado de Direito? Já se disse que o Brasil vive incerteza quanto ao futuro, mas tem também insegurança quanto ao presente, e o que é pior e incomum, também tem por incerto o passado", disse a ministra.
No despacho, Carmen Lúcia suspende os efeitos artigos que foram aprovados pelo Congresso a partir da lei 12.734/2012 e que reduziam os valores dos royalties aos estados produtores. O Congresso fez as alterações depois de uma longa queda de braço com entre estados produtores e não produtores de petróleo. A presidente Dilma vetou, então, algumas regras, consideradas inconstitucionais e prejudiciais aos estados produtores. Mas, depois, o Congresso derrubou os vetos.
Em nota, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), disse que fornecerá todas as informações que o STF solicitar antes da decisão final sobre a questão dos royalties.
O governador do Rio, Sérgio Cabral (PMDB), afirmou, também por meio de nota, que "a decisão da ministra Carmen Lúcia resgata o valor mais importante da Constituição de 1988: o seu profundo compromisso com o Estado Democrático de Direito".
Renato Casagrande (PSB), governador do Espírito Santo, comemorou. Segundo ele, a decisão amplia a "esperança" que, no julgamento do mérito, o STF beneficie os estados produtores:
- Estou mais aliviado, o Supremo começa a colocar os fatos em seus devidos lugares. E o Supremo aponta na direção correta, algo que o Congresso não teve a humildade de avaliar. A decisão realimenta a nossa esperança e nos dá uma expectativa muito forte.
O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, disse que a decisão foi esperada: "A União é para unir e não de maneira abrupta você tirar recursos de unidades federadas. Claro que é uma decisão cautelar, mas ela é importante. Ela mostra segurança jurídica e equilíbrio federativo."
O senador Lindbergh Farias (PT-RJ), disse que a concessão da liminar restabelece a tranquilidade, principalmente entre as prefeituras do Rio e reforça a esperança de que o julgamento do mérito será favorável.
- O clima era de pânico.
Menos R$ 10 bi sem o ICMS
O estado do Rio teria arrecadado R$ 10 bilhões a mais entre 2000 e 2012 se pudesse cobrar ICMS na venda de petróleo e derivados para outros estados, em vez de ter recebido royalties pela exploração do petróleo, como ficou estabelecido pela Constituição de 1988. A estimativa foi apresentada ontem pelo subsecretário de política fiscal da Secretaria Estadual de Fazenda do Rio, George Santoro, em seminário na Associação Comercial do Rio que discutiu desequilíbrios fiscais.
- Essa conta mostra que houve um pacto federativo lá em 1988, que tiraria ICMS do petróleo do Rio e daria royalties. Mostramos que uma coisa compensou a outra. Royalties passou a ser menor, mas é muito próximo da arrecadação que teria com ICMS - explicou Renato Villela, secretário estadual de Fazenda do Rio. (Colaboraram Geralda Doca, Henrique Gomes Batista, Silvia Amorim e Daniel Haidar)

A tragédia que se repete na Serra

A tragédia que se repete na Serra

O terror de volta à Serra
O Globo - 19/03/2013
 

Chuva assola Petrópolis mais uma vez, e deslizamentos causam a morte de 16 pessoas
Rolland Gianotti, Fabíola Gerbase, Sérgio Ramalho e Taís Mendes
Dois anos depois da tragédia que causou mais de 900 mortes na Região Serrana, Petrópolis amarga o luto por 16 mortos nos deslizamentos de terra ocorridos durante o temporal que, mais uma vez, mergulhou a cidade no caos na noite de anteontem e na madrugada de ontem. Os números revelam uma dor que não é nova: além dos casos fatais, o município registrava no início da noite 20 feridos, 560 pessoas desabrigadas e pelo menos três desaparecidos sob escombros. E o medo ainda ronda Petrópolis, que tem hoje, segundo sua prefeitura, 18 mil pessoas vivendo em 4.500 casas erguidas em 132 áreas de risco. Para essas pessoas, fortes chuvas são sinônimo de terror. Vários pontos ficaram alagados, enquanto os deslizamentos se concentraram nos bairros Quitandinha, Alto Independência e Doutor Thouzet.
Em meio ao cenário de destruição, na Boca do Mato, moradores se uniram na tarde de ontem para ajudar vizinhos a salvar móveis e eletrodomésticos. Agnaldo Soares, de 41 anos, passara a noite em claro, depois de ter sido obrigado a deixar sua casa de dois andares.
- Chovia muito, por volta das 23h de domingo, quando decidi pegar minha mulher e minha filha, de 5 anos, e abandonar nossa casa. Minutos depois, o imóvel foi parcialmente derrubado. Perdi tudo, mas salvei minha família - relembra Agnaldo.
Estado vai liberar R$ 3 milhões
Ele ajudou o vizinho Carlos Alberto Carvalho a carregar os objetos de sua casa, que também corria o risco de desabar. O imóvel de alvenaria ficou à beira de um barranco que parecia prestes a cair. Equipes de resgate do Corpo de Bombeiros trabalharam na localidade ontem. Devido ao alto risco de novos deslizamentos, famílias da área foram orientadas a deixar a área. Maria Rosário de Lima, de 49 anos, contou que iria com os cinco filhos e dois netos para a casa de sua irmã, que vive no Alto Independência, embora lá também haja pontos de deslizamentos. O imóvel de Maria, de três cômodos, fica numa área de risco. Ela passou a noite em claro, temendo que o barranco acima de sua casa caísse.
O governador Sérgio Cabral subiu ontem a serra de Petrópolis para anunciar o repasse à cidade de R$ 3 milhões do Programa Somando Forças, que destina verbas para obras de infraestrutura nos municípios. Já o prefeito Rubens Bomtempo liberou R$ 200 mil para a compra emergencial de colchões, cobertores, alimentos, água potável e produtos de higiene pessoal para os desabrigados, por meio do Fundo de Assistência Social. Há 18 abrigos disponíveis na cidade. Para Cabral, a culpa pela nova tragédia é da "ausência de uma política habitacional de três décadas", que só teria sido interrompida há quatro anos com o programa Minha Casa, Minha Vida. Ele frisou que não se pode culpar as famílias que vivem em áreas de risco e que em 24 horas choveu em Petrópolis muito mais do que esperado para todo o mês de março. Representantes da Força Nacional de Defesa Civil desembarcaram no Rio ontem à tarde para acompanhar a situação.
O número de ocorrências registradas pela Defesa Civil de Petrópolis até o início da noite de ontem chegava a 368. Segundo a prefeitura, 91 pessoas, entre voluntários e funcionários da Defesa Civil, trabalham no atendimento das ocorrências. Além disso, cerca de 250 bombeiros do estado estão na cidade. No desespero de achar sobreviventes, muitos moradores se juntaram às buscas. E o prefeito determinou a contratação de mais 500 pessoas para uma frente emergencial de trabalho.
Queda de árvores e falta d"água
Devido à forte chuva que pouco deu trégua ontem, as buscas por sobreviventes no bairro Alto Independência foram suspensas pela manhã. No início da tarde, orientados por um único bombeiro, moradores retomaram as buscas, mas logo encerraram o trabalho porque voltou a chover forte.
De acordo com a Defesa Civil, os rios Piabanha e Quitandinha continuam em alerta máximo, sob risco de transbordamento em alguns pontos do Centro. Vários bairros da cidade sofreram ainda com a queda de árvores e a interrupção do abastecimento de água.
- Os rios voltaram à sua calha na manhã desta segunda (ontem). O problema é que nós temos previsão de chuvas continuadas para toda a segunda. O prefeito fez um apelo para que as pessoas permaneçam em suas casas, decretou feriado escolar, e a preocupação passa a ser o acumulado de chuvas, a possibilidade de novos deslizamentos - disse o secretário estadual de Defesa Civil, Sérgio Simões, em entrevista ao "Bom dia, Rio", da TV Globo.
A prefeitura de Petrópolis garantiu que todas as sirenes instaladas nos bairros mais atingidos funcionaram adequadamente. Ao todo, nove aparelhos soaram alertando os moradores para a necessidade de se dirigirem aos pontos de apoio. A moradora do bairro Quitandinha Ana Lúcia Bueno, no entanto, disse que a sirene ali não foi acionada. Ela tentou socorrer vizinhos que moravam numa encosta que deslizou:
- Só em uma das casas havia sete crianças e adolescentes. Tentei correr para ajudar quando ouvi os gritos, mas fui impedida pelo meu filho. Se tivesse ido, talvez eu agora estivesse morta, como um vizinho que foi ajudar e não voltou. Muita gente gritava por socorro.

CHUVA MATA 16 EM PETRÓPOLIS E DILMA FALA EM 'AÇÃO DRÁSTICA'

CHUVA MATA 16 EM PETRÓPOLIS E DILMA FALA EM 'AÇÃO DRÁSTICA'

CHUVA MATA 16 NO RIO E DILMA DEFENDE ‘MEDIDAS DRÁSTICAS’ EM ÁREAS DE RISCO
O Estado de S. Paulo - 19/03/2013
 

Presidente culpou "pessoas que não querem sair" das áreas de risco; temporal também castigou litoral de SP
Ao menos 16 pessoas morreram, incluindo dois técnicos da Defesa Civil, e 560 ficaram desalojadas após temporal em Petrópolis, na região serrana do Rio. Entre a noite de domingo e a manhã de ontem, choveu na cidade 358 milímetros, mais do que o previsto para todo o mês. Os Rios Quitandinha e Piabanha transbordaram, destruindo casas e provocando alagamentos. Encostas desabaram. Em janeiro de 2011, na pior tragédia de causa natural do País, 71 pessoas morreram no município. Em Roma para a entronização do papa Francisco, a presidente Dilma Rousseff defendeu "ações drásticas" para a retirada de pessoas das áreas de risco. "Acho que devem ser tomadas medidas mais drásticas, para que as pessoas não fiquem onde não podem ficar", afirmou. A chuva castigou também o litoral paulista. A Rodovia Rio-Santos foi liberada depois de 26h fechada. Mil pessoas estão desalojadas em São Sebastião.


Um temporal na região serrana do Rio, que começou na noite de domingo, matou 16 pessoas em áreas de risco de Petrópolis, feriu 33 e deixou 560 desalojados. Em Roma, ao saber do caso, a presidente Dilma Rousseff negou que faltem investimentos governamentais em prevenção de tragédias, mas defendeu ações mais fortes na área. "Eu acho que vão ter de ser tomadas medidas um pouco mais drásticas para que as pessoas não fiquem nas regiões que não podem ficar. O problema é que muitas vezes as pessoas não querem sair."
Dilma também alegou que foi 1 a chuva em abundância que causou a tragédia. "É uma situação muito difícil, porque choveu 300 : milímetros. Quase o tanto que ; chove em um ano em certas regiões do Brasil, choveu em um dia em Petrópolis", insistiu.
Na localidade de Vila São João, no bairro Quitandinha, região central do município, uma encosta desabou e soterrou um número ainda desconhecido de pessoas. Pelo menos quatro moradores estavam desaparecidos até o início da noite de ontem. Segundo moradores, três casas foram destruídas. Somente duas : meninas, de 12 e 15 anos, foram resgatadas com vida. -i    Entre os mortos estão dois técnicos da Defesa Civil municipal que trabalhavam no resgate dos soterrados. "Tinham muita experiência. São insubstituíveis e morreram como heróis. Estavam ali salvando vidas", afirmou o prefeito Rubens Bomtempo (PSDB). A Defesa Civil atendeu a mais de 270 ocorrências desde o início das chuvas.
Com o volume das águas, os Rios Quitandinha e Piabanha, que cortam acidade, transbordaram, destruindo casas e provocando alagamentos em 21 pontos, principalmente nos bairros Quitandinha e Independência.
0 maior índice pluviométrico foi registrado em Quitandinha: 415 milímetros em 24 horas, o equivalente a dois meses de chuva, segundo a prefeitura.
Uma encosta deslizou e interditou a Rua Joaquim Rolla, bem ao lado do Palácio Quitandinha, um cartão-postal dá cidade. À tarde, era possível avistar uma casa de classe média alta, de dois andares, à beira do precipício. Já no bairro Amazonas, uma casa caiu e matou duas pessoas.
Sem socorro. Ao longo do dia, várias autoridades pediram que ; moradores de áreas de risco deixassem suas casas. Um dos si: nais sonoros, por exemplo, foi ! acionado na rua Espírito Santo, onde pessoas foram soterradas.
"Fazemos um apelo para que todas as pessoas deixem as áreas de risco", ressaltou o governador Sérgio Cabral. A remoção de pessoas, porém, vai na contramão do que defendem especialistas das Nações Unidas. Eles já alertaram o governo brasileiro em diversas ocasiões que forçar uma saída deve ser a última alternativa e é algo que precisa ser realizado com extrema cautela para não causar caos social.
Na parte de recursos públicos, o Estado anunciou a liberação de R$ 3 milhões - a prefeitura liberou outros R$ 200 mil. Já a presidente Dilma Rousseff designou a ministra-chefe da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, para acompanhar todo o trabalho e deslocou uma equipe da Força Nacional de Defesa Civil. Jamil Chade.

Sirenes soam, mas pedidos de socorro não são atendidos
A prefeitura de Petrópolis informou que nove sinais sonoros foram acionados na madrugada para que os moradores de quatro bairros deixassem as casas e dez escolas municipais foram abertas para a população.
Mas o secretário de Estado de Defesa Civil, coronel Sérgio Simões, disse, na manhã de ontem, que grande número de pedidos de socorro não pode ser atendido porque as equipes não conseguiam chegar áos locais afetados. Como o solo encharcado provocava risco de novos desabamentos, o coronel fez um apelo para que as pessoas procurassem locais seguros.
Houve ainda registros de enchentes e deslizamentos de terra, mas sem vítimas, em Teresópolis, Duque de Caxias e Nova Friburgo.

Royalties: Supremo suspende lei que modifica a divisão de riquezas

Royalties: Supremo suspende lei que modifica a divisão de riquezas

Supremo suspende divisão dos royalties
Correio Braziliense - 19/03/2013
 

A ministra Cármen Lúcia concedeu liminar favorável ao governo do Rio de Janeiro. Plenário só deve analisar a questão em abril.
Ministra Cármen Lúcia concede liminar e torna sem efeito a lei promulgada pela presidente Dilma na última quinta-feira que redistribui os dividendos da exploração do petróleoDIEGO ABREU
A ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF), concedeu uma liminar ontem à noite que suspende os efeitos da lei que redistribui os royalties do petróleo entre os estados brasileiros. A decisão atende um pedido feito pelo governo do Rio de Janeiro, que, na última sexta-feira, entrou com uma ação direta de inconstitucionalidade na Suprema Corte. Relatora do processo, Cármen deve levar a liminar para a apreciação definitiva do plenário do STF somente nos primeiros dias de abril, uma vez que a pauta de julgamentos desta semana já está definida e não haverá sessões na semana que vem.

A nova lei de partilha foi promulgada pela presidente Dilma Rousseff na última quinta, menos de uma semana depois de o Congresso derrubar o veto presidencial à regra que redistribui os royalties entre todas as unidades da Federação. No dia seguinte, os três principais estados produtores de petróleo recorreram ao STF. As ações foram protocoladas pelos governos do Rio de Janeiro, do Espírito Santo e de São Paulo, além da Assembleia Legislativa do Rio.

Cármen Lúcia, porém, analisou somente o pedido feito pelo governador do Rio, Sérgio Cabral (PMDB). Quando o caso for para plenário, provavelmente em 3 de abril, a ministra pretende realizar um julgamento conjunto das quatro ações.

A ministra concordou com a maior parte dos argumentos do jurista Luís Roberto Barroso, procurador do Estado do Rio. A ministra observou que os estados e os municípios produtores têm direito adquirido sobre os valores da exploração do petróleo. Ela alertou ainda que a lei aprovada pelo Congresso altera o sistema tributário, sugerindo que essa mudança é inconstitucional. “O enfraquecimento dos direitos de algumas entidades federadas não fortalece a Federação, compromete-a em seu todo. E se uma vez se desobedece à Constituição em nome de uma necessidade, outra poderá ser a inobservância de amanhã em nome de outra até o dia em que não haverá mais Constituição”, destaca a liminar.

Diante da decisão, volta a valer a lei anterior, que destina a maior parte dos royalties para os estados produtores. Na ação protocolada no STF, o Rio de Janeiro alegou que a nova lei levaria o estado a um colapso financeiro. A estimativa é de que o prejuízo imediato para o Rio seria de R$ 1,6 bilhão, podendo chegar a R$ 27 bilhões em 2020. Em 2013, restariam apenas R$ 300 milhões disponíveis para custeio de programas sociais, segundo o procurador do Estado.

Luís Roberto Barroso comentou a decisão. “Embora no Brasil atual existam algumas superposições entre o direito e a política, direito e política são coisas diferentes. Política se pauta pela vontade da maioria, mas mesmo a vontade da maioria tem um limite, que é o limite estabelecido na Constituição. A política cria o direito ao elaborar a Constituição, mas depois a Constituição limita a política. E foi exatamente isso que aconteceu”, frisou.

Em nota, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), afirma que aguardará a comunicação oficial do STF para pronunciar-se mais detalhadamente.

segunda-feira, 18 de março de 2013

Governo força ‘maquiagem’ no IDH

Governo força ‘maquiagem’ no IDH

Brasil fica estagnado na 85ª posição do IDH
O Globo - 15/03/2013
 

Indicador de bem-estar mantém o país no grupo do desenvolvimento elevado. Pnud elogia avanços
Lucianne Carneiro, Martha Beck e Nice de Paula
RETRATOS DO BRASIL
RIO e BRASÍLIA O ranking do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de 2012 mostra o retrato de um Brasil estagnado. O país manteve a mesma 85ª posição registrada em 2011, de um total de 187 nações, segundo o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud). O indicador que apura o bem-estar das populações avançou de 0,728 para 0,730, uma alta de 0,27%, o que mantém o Brasil no grupo dos países de desenvolvimento elevado. Porém, pressionado pelo governo brasileiro, que alegou que as estatísticas usadas estavam defasadas, o organismo da ONU recalculou, pela primeira vez, o IDH do Brasil. A nova conta foi divulgada ontem mesmo, durante o lançamento do Relatório de Desenvolvimento Humano (RDH) 2013, mas, segundo o Pnud, é apenas um exercício informal.
Pelo cálculo, o IDH do Brasil passaria para 0,754. O país estaria no mesmo nível do Cazaquistão, com IDH de 0,754, que ocupa o 69º lugar no ranking. Seria avanço de 16 posições, se as demais nações ficassem nas mesmas condições. Mas o Pnud esclarece que não há qualquer alteração oficial no ranking, porque não foram recalculados os índices dos outros países.
A maior diferença seria na expectativa de anos de estudo. O IDH oficial considera que os brasileiros que entram na escola hoje terão, em média, 14,2 anos de escolaridade no futuro, com base em estatísticas de 2005. Com as contas refeitas, a projeção de escolaridade salta para 15,7 anos - a mesma escolaridade projetada para a Suíça.
Em seu relatório, o Pnud faz uma série de elogios ao Brasil e o inclui no grupo de 15 países que mais avançaram no IDH desde 1990. Entre estes, Brasil, Argélia e México foram os que avançaram, graças principalmente a ganhos e saúde e educação, e menos devido ao aumento da renda. O Brasil é apresentado como exemplo bem-sucedido de desenvolvimento econômico com redução da pobreza e da desigualdade, e há citações de iniciativas como o Plano Real, o Bolsa Família e o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb).
Apesar da melhora recente na distribuição de renda no país, se o IDH do Brasil fosse ajustado pela desigualdade do país, sua posição no ranking cairia para a 97ª, mostra o relatório.
A educação - que mostrou avanços expressivos nos anos 90 e no início da década de 2000 - foi um dos principais fatores a segurar o desenvolvimento humano brasileiro recentemente.
- O Brasil já esteve em 73º lugar no ranking de IDH, em 2010, e agora está em 85º. A distância do primeiro lugar hoje é maior do que já foi. Efetivamente, a situação do Brasil no ranking do IDH piorou - afirma o professor da Universidade de Cambridge e da UFRGS, Flávio Comim. - A educação é a imagem mais forte da parada, mas a renda não se mexe muito, e a expectativa de vida também não.
O governo brasileiro reclama do fato de o IDH relativo a 2012 ter sido calculado com dados defasados em até sete anos. O indicador que mais prejudicou o Brasil no IDH, por exemplo, foi o relativo aos anos de escolaridade esperados. Ele mostra quanto tempo um país consegue manter uma criança na escola. O Pnud fez a conta oficial usando média de 14,2 anos, registrada em 2005. Já a conta informal foi feita com dados do Censo de 2010, o que elevou a média para 15,7 anos. A média de anos de escolaridade saltou de 7,2 anos da conta oficial para 7,4 anos na atualizada. A expectativa de vida - indicador de saúde para o IDH - subiu de 73,8 anos para 74,1 anos, e o indicador de renda, de US$ 10.152 para US$ 11.547.
Segundo o representante do Pnud no Brasil, Jorge Chediek, o cálculo do IDH traz informações defasadas de diversos países. Ele explicou que cada um tem formas diferentes de computar dados, o que torna difícil a uniformização para o cálculo do IDH. Por isso, o Pnud se baseia em informações reunidas pela Unesco (no caso da educação), Banco Mundial (renda) e Divisão de População da ONU (saúde).
- O Brasil tem dados mais atualizados, tem o IBGE, mas a maioria dos países não tem o mesmo padrão e a mesma frequência de compilação (de informações). Então, o Pnud tem de utilizar dados mais antigos. O governo brasileiro está ciente dessas limitações - disse Chediek, adiantando que não haverá mudanças no relatório.
Sobre os avanços em desenvolvimento no Brasil, ele lembra que, em 1980, metade dos brasileiros maiores de 25 anos tinha menos de três anos de escolaridade. Hoje são sete anos.
Apesar dos avanços, há desafios como o abandono de estudos,. Como o caso de Zelia Alves. Empregada doméstica e moradora de São Gonçalo, ela voltou a estudar este ano.
- É muito cansativo. Trabalho no Flamengo, vou para a escola e só chego em casa meia-noite. Mas estou tentando realizar um sonho que não consegui quando deveria - diz Zelia, que havia parado de estudar no Ensino Fundamental.
Colega de turma de Zelia, Rosana Brito, moradora da Rocinha, diz que voltar a estudar "é uma grande chance, mas é muito complicado".

Brasil avança pouco no IDH, mas é destaque em relatório

Brasil avança pouco no IDH, mas é destaque em relatório

Brasil é destaque em relatório do IDH, mas não avança no ranking
Autor(es): Daniel Bramatti Lígia Formenti /
O Estado de S. Paulo - 15/03/2013
 

O Brasil teve entre 2011 e 2012 uma leve melhora no índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e permaneceu no 85º lugar no ranking que mede a qualidade de vida em 187 países. Mesmo assim, aparece como um dos destaques do relatório apresentado ontem pelas Nações Unidas graças ao desempenho social nas últimas duas décadas. O índice brasileiro chegou a 0,73 - em escala que varia de 0 a 1. O primeiro colocado é a Noruega (0,955). O governo contestou o resultado e disse que o uso de dados desatualizados prejudicou o desempenho brasileiro.
O Brasil teve entre 2011 e 2012 uma leve melhora em seu Índi­ce de Desenvolvimento Huma­no (IDH) e permaneceu na 85.ª posição no ranking que mede a qualidade de vida em 187 países, mas aparece como uma das estrelas do relatório apresentado ontem pelo Pro­grama das Nações Unidas pa­ra o Desenvolvimento (Pnud), graças a seu desempenho so­cial nas últimas duas décadas.
O IDH é calculado com base em indicadores de renda, educa­ção e longevidade, ou seja, saú­de. O índice brasileiro chegou a 0,73 em uma escala que vai de o a 1 - quanto mais alto, mais de­senvolvido é o país. Os dados revisados para 2011 atribuem ao Brasil o índice 0,728.
O Pnud reconheceu que utili­za em seus cálculos dados me­nos atualizados que os do gover­no brasileiro - o que motivou protestos oficiais. Se os dados mais recentes tivessem sido con­siderados, o IDH seria de 0,754, segundo o órgão da ONU. Por razões metodológicas, esse nú­mero não pode ser comparado aos dos demais países.
A Noruega, primeira colocada no ranking mundial, alcançou IDH de 0,955. O Niger, na última posição, ficou com apenas 0,304.
Desempenho. O Brasil aparece 137 vezes nos textos, gráficos e tabelas do relatório - um recor­de desde a primeira avaliação do Pnud, feita em 1990. Uma das ra­zões desse destaque é o próprio énfoque do trabalho, centrado no crescimento econômico dos países em desenvolvimento e nas conseqüências sociais do fe­nômeno. O título do relatório é A ascensão do Sul - progresso hu­mano em um mundo diverso.
Entre 1990 e 2012, praticamen­te todos os países tiveram melho­ras em seu IDH. Mas o Brasil apa­rece em um grupo de 40 nações que, no período, apresentaram desempenho "significativamen­te superior" ao previsto, dada sua condição em 1990. Desde aquele ano, o IDH brasileiro su­biu 24% (era de 0,590), em veloci­dade maior que a dos vizinhos latino-americanos.
"O País mudou o padrão históri­co em muito pouco tempo, e é reconhecido por isso", afirmou Jorge Chediek, coordenador residente do sistema ONU no Brasil. Outros exemplos de países com desempe­nho acima da média nas últimas duas décadas são China, Índia, Co­réia do Sul, Turquia e México.
Para os autores do relatório, o que explica a performance diferenciada de um determinado grupo de nações são fatores co­mo "Estado desenvolvimentista proativo, aproveitamento dos mercados mundiais e inovações em políticas sociais".
O desempenho na área social foi o principal impulsionador dos avanços do Brasil: o País teve melhoras mais significativas na educação e na saúde que na ren­da média de sua população.
De 1990 a 2012, entre os 15 paí­ses que mais reduziram seu "défi­cit de IDH" (distância em rela­ção àpontuação máxima), apare­cem Brasil, Argélia e México, "apesar de sua renda per capita ter crescido, em média, apenas entre 1% e 2% ao ano".
O desempenho econômico não tão forte desses países foi compensado, de acordo com o relatório, pela "primazia nos in­vestimentos estatais (...) em saú­de, educação e nutrição".
No caso da educação no Brasil, os pesquisadores detectaram uma melhora "espetacular". Citaram o fato de o País ter apresentado, en­tre 2000 e 2009, o terceiro maior "salto" de pontuação em matemá­tica nos testes do Pisa, programa internacional de avaliação do de­sempenho de estudantes.
Como deflagrador desse avan­ço, o relatório cita a criação do Fundef, em 1996, fundo que esta­beleceu um piso nacional de gas­tos por aluno e ampliou os inves­timentos em ensino nas regiões mais pobres do País.
Critérios. O Brasil também ga­nhou elogios por ter reduzido a desigualdade entre seus cida­dãos, graças "à criação de um pro­grama de redução da pobreza, à extensão da educação e ao au­mento do salário mínimo".
O relatório destaca o fato de o Bolsa Família - "versão otimiza­da do Bolsa Escola", programa criado em 2001, - ter alcançado mais de 97% de sua população-alvo em 2009. Como resultado, além da redução da pobreza, ob- servou-se um fenômeno de "empoderamento das mulheres", já que elas têm prioridade no rece­bimento dos cartões magnéti­cos para a retirada do benefício.
Apesar de ter caído, a desigual­dade social do País permanece alta. Tanto que, em um cálculo que considera as diferenças de renda, educação e longevidade entre pobres e ricos, o País cai 11 posições no ranking mundial.
No cálculo do IDH do Brasil, o Pnud considerou que a expectati­va de vida ao nascer é de 73,8 anos. Os quesitos de educação foram 7,2 anos de escolaridade média na população de mais de 25 anos e 14,2 anos esperados de estudo para as crianças que in­gressam atualmente na escola. A renda média considerada foi de um poder de compra equivalen­te a US$ 10.152. / COLABORARAM JOSÉ ROBERTO DE TOLEDO, AMANDA ROSSI e DIEGO RABATONE

O PAPA DAS AMÉRICAS

O PAPA DAS AMÉRICAS

ESCOLHA INÉDITA SURPREENDE E EMOCIONA MILHARES DE FIÉIS
Autor(es): Deborah Berlinck
O Globo - 14/03/2013
 

fumaça branca. Novo Papa mostra humildade e senso de humor ao falar pela 1ª vez como Pontífice à multidão que foi acompanhar o anúncio na
ROMA Um Papa que se curva diante da multidão e pede: "rezem por mim". E os fiéis silenciaram. Jorge Mario Bergoglio, de 76 anos, surpreendeu a todos ontem não apenas por ser o primeiro latino-americano, argentino e jesuíta da história da Igreja Católica a se tornar Papa - e o primeiro não europeu em mais de 1.200 anos -, como pelo gesto. Suas primeiras palavras para milhares de pessoas que aguardaram horas na chuva e no frio o anúncio do novo líder da Igreja, foram simplesmente:
- Irmãos e irmãs, boa noite!
Treze dias depois da inusitada renúncia de Bento XVI - a primeira em 600 anos -- o Papa Francisco, nome que ele escolheu em homenagem a São Francisco de Assis, foi eleito o novo Pontífice, enterrando a tão anunciada disputa entre os cardeais italiano Angelo Scola e o brasileiro Odilo Scherer. O argentino, filho de imigrante italiano, que sequer aparecia entre os 15 ou 20 mais cotados, foi eleito após cinco rodadas de votação no conclave e com o apoio de ao menos 77 de 115 cardeais.
A fumaça branca na chaminé da Capela Sistina anunciando sua escolha surgiu às 19h06 (15h06 de Brasília), gerando gritos de emoção na Praça de São Pedro, ao som dos sinos da Basílica. Uma hora depois, as cortinas vermelhas do balcão da basílica se abriram. O cardeal francês Jean-Louis Tauran anunciou:
- Habemus Papam!
Para um Vaticano tão ligado à tradição e ao peso da liturgia, a simplicidade do jesuíta que apareceu em sua batina branca na imponente janela de cortinas vermelhas da Basílica de São Pedro emocionou os fiéis. Acostumados nos últimos oito anos ao Papa Bento XVI, considerado intelectualmente brilhante, mas tímido e sem carisma, a virada do argentino foi instantânea.
O Papa Francisco saudou a multidão também com uma tirada de humor, divertindo os fiéis.
- Vocês sabem que o dever de um conclave era dar um bispo a Roma. Parece que meus amigos cardeais foram quase até o fim do mundo para buscá-lo. Mas aqui estamos - disse o novo Papa.
O Papa agradeceu aos fiéis pela acolhida. E em seguida disse que, "antes de mais nada" gostaria de fazer uma oração pelo Papa Emérito Bento XVI. Momentos antes, ele havia telefonado para Bento e prometido visitá-lo nos próximos dias.
A eleição de Bergoglio foi uma total surpresa. Seu nome não era citado na imensa maioria das listas de prováveis Papas. Não porque não fosse apreciado, mas sim por conta de um detalhe que todos imaginaram que pesaria na hora do voto: sua idade avançada. Bento XVI tinha 78 anos quando foi eleito e renunciou oito anos depois alegando não ter mais forças para comandar a Igreja. O embaixador do Brasil no Vaticano, Almir de Sá Barbuda, também imaginou que a idade influenciaria:
- A grande surpresa foi a idade. Por causa disso ele não estava nas listas que estavam há muito tempo correndo. Pensava-se que iria ser eleito um Papa mais jovem - disse o embaixador.
O governo brasileiro, segundo ele, também recebeu a notícia com surpresa, mas ficou satisfeito:
- É um Papa sul-americano e isso é muito bom para todos. O discurso dele foi ótimo, de uma grande humildade. Acho que será um grande Papa. Ficamos todos contentes - disse Barbuda, definindo o novo Papa como "conservador, mas com ideias novas, capaz de fazer mudanças".
SURPRESA ATÉ PARA COMPATRIOTAs
O que a maioria dos vaticanistas não considerou foi a popularidade aparentemente intacta do argentino entre os cardeais. Bergoglio teria sido o segundo mais votado no conclave de 2005, depois de Joseph Ratzinger. Sua escolha reforça a importância da América Latina, que abriga 42% dos católicos no planeta, para a Igreja e a percepção de que o futuro do Catolicismo está no Hemisfério Sul.
Caberá a Francisco o papel de dar um novo rumo a uma Igreja abalada por escândalos financeiros, vazamento de documentos no caso VatiLeaks e por denúncias de pedofilia envolvendo religiosos. Deverá lidar ainda com o desafio de oferecer mais transparência às operações do Banco do Vaticano e atender aos clamores por uma reforma da Cúria Romana.
O anúncio surpreendeu padres argentinos que estavam na Praça de São Pedro.
- Bergoglio? Bergoglio? - perguntava, incrédulo, Sebastian Sangoi, de 32 anos.
Seu colega, o padre Carlos Rubia, também não acreditava:
- Escutei bem? É Bergoglio?
Emocionado, Sebastian disse que passaria a noite celebrando a escolha do Papa conterrâneo "com cerveja", junto com padres. A escolha, para ele, não poderia ter sido tão acertada:
- Ele é um homem simples, que anda de ônibus e pega o metrô na Argentina, muito sensível e próximo ao povo - disse Sebastian.
Outro argentino, Claudio Mariani, de 47 anos, acreditava que um brasileiro tivesse mais chances. Emocionado, ele já vê uma mudança de direção na Igreja:
- Ele faz coisas para o povo e em algum momento vai fazer as pessoas voltarem para a Igreja e terem mais fé, que está um pouco perdida.
A brasileira Márcia Zanol, de 44 anos, foi à Praça de São Pedro com um cartaz "Papa brasileiro: eu acredito!" Saiu com o cartaz enrolado, mas feliz:
- Independemente da nacionalidade, a gente sabe que ele certamente é uma pessoa do bem, da América do Sul.
A maioria dos brasileiros compartilhava a opinião de Márcia. Mas alguns não resistiram e confessaram:
- Pessoalmente, não era minha escolha. Até agora, nada de sentimento ou simpatia por ele. Mas vamos esperar para ver -disse Cristiane Serqueira, 33 anos.
O mineiro Giovanni Douglas, 40 anos, homossexual, gritava com um grupo de amigos "Francisco, Francisco, viva o Papa!". Apesar de achar que a Igreja não trata bem os homossexuais, ele disse que se sente católico:
- Quando ouvi o nome Francisco, me vieram lágrimas. É maravilhoso. Francisco é um nome muito simbólico. Esperamos que traga mais modernidade para a Igreja, uma mudança, mais inclusão.
Horas antes do anúncio ele discutia com um jovem seminarista a discriminação da Igreja em relação aos homossexuais:
- Sou gay e sofri durante anos esta paranóia católica de que vou para o inferno porque Deus não gosta. Mas não desisti de Deus nem do cristianismo. Não acredito na Igreja. Acredito no cristianismo.

FRANCISCO, O PAPA ARGENTINO

FRANCISCO, O PAPA ARGENTINO

FRANCISCO, UM PAPA LATINO-AMERICANO
Autor(es): Andrei Netto Jamil Chade José Maria Mayrink
O Estado de S. Paulo - 14/03/2013
 

Primeiro pontífice do continente americano, Jorge Mario Bergoglio, 76 anos, é também o 1º jesuíta a ocupar trono de Pedro • Escolha surpreendeu fiéis e analistas • Seu nome rompeu impasse entre grupos pró e contra a Cúria
Habemus papam
Jorge Mario Bergoglio, de 76 anos, foi eleito ontem o 266º papa na quinta votação, no segundo dia de conclave. Arcebispo de Buenos Aires, o primeiro pontífice do continente americano é também o primeiro jesuíta e o primeiro Francisco, nome que adotou, a ocupar o trono de Pedro, informam os enviados especiais Jamil Chade, José Maria Mayrink e Andrei Netto. A fumaça branca saiu da chaminé da Capela Sistina, sinalizando a decisão dos 115 cardeais, às 19h10 (15h10 em Brasília). Uma hora depois, o argentino apareceu no balcão da Basílica de São Pedro, para uma Praça São Pedro lotada. Em seu pronunciamento, pediu aos católicos, que somam 1,2 bilhão, que empreendam "um caminho de fraternidade e de amor". Uma surpresa para o mundo, seu nome rompeu o impasse entre os dois grupos, pró e contra Cúria, que haviam se formado nos últimos dias, derrotando o italiano Angelo Scola e o brasileiro Odilo Scherer. Para analistas, os cardeais escolheram o "papa possível", que deverá conduzir a Igreja para uma transição que se acreditava finalizada com a renúncia de Bento XVI.
Numa escolha surpreendente, conclave de dois dias elege o cardeal argentino Jorge Mario Bergoglio, um jesuíta austero de 76 anos, o primeiro pontífice de fora da Europa em 1.300 anos.
Foi uma surpresa geral. Os fiéis que lotavam ontem, a Praça São Pedro, entre os quais centenas de padres e freiras, precisaram de alguns minutos para entender o nome do papa eleito, antes de aplaudi-lo. "Eu vos anuncio uma grande alegria: temos papa, o digníssimo senhor Jorge Mario, cardeal Bergoglio, que escolheu o nome de Francisco", comunicou o protodiácono Jean-Louis Tauran, cardeal francês, do balcão central da Basílica de São Pedro. Argentino, Francisco entra para a história da Igreja Católica como o primeiro papa latino-americano. Havia quase 1,3 mil anos que o escolhido era do continente europeu.
O mundo conheceu o nome do 266° homem a ocupar o trono de Pedro às 20h12 (16h12 em Brasília), uma hora e sete minutos após a fumaça branca ter saído da chaminé da Capela Sistina, onde o Colégio Cardinalício fez uma votação na terça-feira e quatro ontem. Mais de 50 mil pessoas acompanharam o anúncio na Praça São Pedro, apesar da chuva que caiu ao longo de todo o dia e de uma temperatura em tomo dos 8ºC.
Em sua primeira mensagem aos fiéis, após aparecer na sacada da basílica, Francisco agradeceu aos fiéis e afirmou que gostaria de fazer uma oração a Bento XVI, a quem chamou de "nosso bispo emérito". Hoje, Francisco visitará Bento XVI, em Castel Gandolfo.
Jesuíta, considerado austero, Francisco é arcebispo emérito de Buenos Aires. Em 2005, teve grande votação no conclave que elegeu Bento XVI. Há 27 anos, porém, cardeal Bergoglio é alvo de grupos de direitos humanos na Argentina. Para parte dos militantes, ele ilustra o silêncio da Igreja sobre crimes praticados pelo regime militar (1976-1983). Nos últimos anos, sofreu um revés em seu país com a aprovação do casamento entre pessoas do mesmo sexo.

A MISSÃO DE FRANCISCO

A MISSÃO DE FRANCISCO

PAIXÃO À PRIMEIRA BÊNÇÃO
Autor(es): » DIEGO AMORIM Enviado especial
Correio Braziliense - 14/03/2013
 

Maior desafio do novo pontífice é tirar a Igreja Católica da crise e levá-la para mais perto do povo.
Primeiro jesuíta, e também latino-americano, a sagrar-se papa, o cardeal argentino Jorge Mario Bergoglio, 76 anos, pertence a uma ordem que se notabilizou por levar o catolicismo a regiões recém-descobertas, como as missões que catequizaram índios no Brasil e em países vizinhos. Por isso, sua eleição sinaliza que a Igreja Católica fez uma clara opção: quer estar mais perto do povo, com menos pompa e mais trabalho de evangelização, à imagem e semelhança de seu novo líder. Avesso à ostentação, Bergoglio trocou a vida em palácio por um apartamento simples, prepara a própria comida, deixou de lado motorista e carro oficial para andar de metrô e ônibus. Não à toa, decidiu chamar-se Francisco. Seria homenagem a São Francisco de Assis, que renunciou à vida mundana, virou frade e acabou liderando a renovação da Igreja à época. Mas, para a Argentina, a eleição de Bergoglio é controversa. Pesam contra ele, no país, denúncias de que colaborou no sequestro de dois jesuítas e de bebês durante a ditadura militar. Ele nega.
I - Retomar o dom evangelizador
O Latino-americano Bergoglio precisa se voltar para os povos mais pobres e dar a eles a atenção especial que o Vaticano nunca ofereceu.
II - Reexaminar o papel da Igreja
João XXIII propôs um retorno em cinco séculos para que a Igreja fizesse um autoexame. Daí surgiu o Concílio Vaticano II.
III - Reformara Cúria Romana
Espera-se que o novo pontífice acabe com as divisões internas e escolha assessores capazes de traduzir os anseios da comunidade.
IV - Restaurar a credibilidade
Escândalos como os do banco do Vaticano e do VatiLeaks minaram a confiança na administração dos assuntos internos da Igreja.
V - Estancar a fuga de fiéis
Terá que recuperar o terreno perdido para os evangélicos e para o islamismo e conter a diminuição do catolicismo na Europa.
VI - Combater com rigor a pedofilia
As famílias e as vítimas de abusos sexuais cobram ações e respostas mais rápidas do Vaticano na apuração das denúncias.
VII - Conviver com a sombra de Bento XVI
Como há mais de 600 anos não acontecia, Francisco terá que reger seus fiéis com seu antecessor ainda vivo e influente.

Ao anoitecer do segundo dia de conclave, o cardeal argentino Jorge Mario Bergoglio surpreendeu a multidão de fiéis e o mundo como o papa Francisco

Papa Francisco

Cidade do Vaticano — O povo queria papa. E, mesmo tão esperado, ele veio de surpresa. Estava escuro, fazia 8ºC e a chuva fina não parava de cair na Praça de São Pedro. A segunda tarde do conclave estava terminando e a expectativa dos fiéis era crescente depois da fumaça negra ao fim de quatro votações, a primeira delas na véspera. A multidão, embaixo de guarda-chuvas coloridos, ainda repetia cânticos e orações quando ecoaram os primeiros gritos de euforia. O relógio marcava 19h08 (15h08 em Brasília) quando a chaminé da Capela Sistina expeliu fumaça branca, anunciando que os 1,2 bilhão de católicos tinham um novo líder. A multidão em êxtase precisou esperar praticamente mais uma hora até que as luzes do balcão central da Basílica de São Pedro se acenderam e o cardeal-díacono Jean-Louis Tauran surgiu para o aguardado anúncio: “Habemus papam!”

O 266º pontífice é o primeiro a adotar Francisco como nome. É também o primeiro formado na Companhia de Jesus. E o primeiro da América Latina: os 115 cardeais eleitores escolheram o argentino Jorge Mario Bergoglio, 76 anos. No conclave de 2005, o cardeal Bergoglio era um nome forte e rivalizou com o alemão Joseph Ratzinger, eleito papa Bento XVI. Desta vez, ele mal figurava na lista dos papabili. “Argentino, argentino!”, vibrou imediatamente o grupo de hermanos na praça, identificado pela bandeira celeste. “Não dá para acreditar, não é possível. Quem poderia imaginar?”, perguntava, com os olhos arregalados, o operador de telemarketing argentino Claudio Mariani, 46 anos, assediado por jornalistas do mundo inteiro.

Com as varandas laterais da Basílica ocupadas pelos cardeais, as cortinas vermelhas de veludo se abriram novamente para a primeira aparição do papa Francisco. Sob os olhares do mundo, Sua Santidade surgiu, de branco da cabeça aos pés. “Vocês sabem que o objetivo do conclave era dar um bispo a Roma. E parece que meus amigos cardeais foram buscar quase no fim do mundo. Mas aqui estamos”, brincou, logo no início, arrancando risos e aplausos.

Antes da protocolar bênção Urbi et Orbi (“para a cidade e para o mundo”), o papa que não aparecia nas bolsas de apostas nem nos cenários traçados pelos mais experientes vaticanistas iniciou o pontificado surpreendendo. Em italiano, com fala mansa e pausada, conduziu uma oração pelo predecessor e puxou em seguida um pai-nosso, uma ave-maria e um glória ao pai — as três rezas mais triviais da fé católica. Depois, o gesto que silenciou a multidão: do alto da Basílica, o homem que acabara de ocupar o cargo máximo da Igreja Católica curvou-se, por conta própria, para receber as preces do povo. “Começamos este caminho, bispo e povo, juntos, em irmandade, amor e confiança recíproca. Rezemos uns pelos outros, por todo o mundo, para que haja uma grande irmandade”, pediu, antes de desejar boa noite e bom descanso.

Papa pop

Em poucos minutos, o papa Francisco conquistou os fiéis. “Gostei da primeira impressão. Ele pareceu simpático e bem acessível”, opinou a estudante portuguesa Cristina Neves, 21, que faz intercâmbio em Roma. “É um latino-americano! Agora, estou me sentindo representado”, comemorava o seminarista boliviano Israel Huasco, 28.

Enquanto os fiéis dispersavam, a enfermeira brasileira Vânia Moura, 40 anos, que vive em Roma há 13, ainda enxugava as lágrimas. “As palavras e o jeito de falar dele me tocaram. Senti um calor de pai, de avô, como se ele fosse da minha família”, dizia, tentando explicar a emoção. “Ele puxou orações que a gente aprende criança. E pediu que a gente o abençoasse. Foi incrível”, emendou a freira catarinense Deisi Naibo, 29, também residente na capital italiana.

De batina molhada e terço em mãos, padres davam pulos de alegria. Freiras choravam e sorriam ao mesmo tempo, enquanto jovens se abraçavam. “Simplesmente, não acredito que estou vivendo isso”, era tudo o que conseguia dizer o psicólogo catarinense Cristian Stassun, 28 anos, que faz doutorado em Roma. As cenas, embaladas pelo ressoar dos sinos, eram de vitória e de alívio na praça tomada pela multidão, avaliada em 100 mil pessoas. Bandeiras de vários países — incluindo as brasileiras — tremulavam, dividindo espaço com tablets, celulares e câmeras. Os brados estridentes de “Viva o papa!” vinham de todos os lados.


Reencontro (quase) marcado

Pouco depois de ser eleito, o papa Francisco falou por telefone com o antecessor, Bento XVI, informou o porta-voz do Vaticano, padre Federico Lombardi. Os dois combinaram um primeiro encontro “em breve”, acrescentou o padre Lombardi, que aproveitou para ressaltar a empatia imediata entre o pontífice e os fiéis que lotaram a Praça de São Pedro. “Ele fez um belo gesto ao pedir sua bênção e ao se curvar (ante os fiéis).”


Agenda lotada

Francisco tem pela frente uma pequena maratona de compromissos nos primeiros sete dias de pontificado. Hoje, o papa deve acordar cedo para uma “visita particular” à Basílica de Santa Maria Maior. “Vou rezar à Virgem para que ela proteja a cidade de Roma”, anunciou, em sua primeira declaração como bispo da capital italiana. À tarde, por volta das 13h, o pontífice celebrará missa na Capela Sistina com os demais 114 cardeais eleitores. Amanhã, às 7h, receberá o Colégio Cardinalício na Sala Clementina. No sábado será a vez dos jornalistas e responsáveis pela comunicação do Vaticano. O primeiro domingo do novo papa marcará sua primeira bênção do Ângelus, pronunciada às 8h (6h em Brasília) dos aposentos oficiais. A missa de entronização será celebrada em 19 de março — dia de São José —, na Basílica de São Pedro. A semana do pontífice termina com uma audiência aos delegados fraternais, sem a tradicional audiência geral das quartas-feiras.

Angra 3 vai usar urânio importado

Angra 3 vai usar urânio importado

Indefinição fará Angra 3 depender de urânio importado
Autor(es): Por Rodrigo Polito e Chico Santos | Do Rio
Valor Econômico - 13/03/2013
 

A usina de Angra 3, símbolo da retomada do programa nuclear brasileiro, será abastecida com urânio importado. A meta do governo de garantir oferta suficiente para atender a demanda do país não será alcançada em razão do atraso nos investimentos na cadeia de produção do combustível. A produção de urânio é responsabilidade da estatal Indústrias Nucleares do Brasil (INB).
O país tem uma das maiores reservas de urânio do mundo, mas segundo especialistas ouvidos pelo Valor, um dos principais motivos para o atraso é que a INB, ligada ao Ministério da Ciência e Tecnologia, tem recursos muito limitados.

Luiz Filipe da Silva, sobre o consumo em Angra: "Não temos condições de suprir, então alguma coisa vamos importar"
Símbolo da retomada do programa de energia nuclear do governo, a usina de Angra 3 será abastecida com urânio importado. A previsão do governo era garantir oferta suficiente para atender a demanda do país até 2014. A meta, porém, não será alcançada devido ao atraso nos investimentos na cadeia de produção do combustível nuclear. A produção de urânio é responsabilidade da estatal Indústrias Nucleares do Brasil (INB).
"O primeiro núcleo de Angra 3 vai consumir de 600 a 600 e poucas toneladas de U3O8 [concentrado de urânio conhecido como "yellowcake"] que, obviamente, nós não temos condições de suprir. Então, alguma coisa vamos importar", disse ao Valor Luiz Filipe da Silva, diretor de mineração e assessor especial da presidência da INB.
Inicialmente prevista para entrar em operação em 2015, a usina, de 1.405 megawatts (MW) deve começar a funcionar em julho de 2016, totalizando investimentos da ordem de R$ 13 bilhões. De acordo com o balanço do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), as obras estão 42% concluídas.
O fato de não haver urânio para abastecer Angra 3, apesar de o Brasil ser dono de uma das dez maiores reservas do mineral no planeta (cerca de 300 mil toneladas), é apenas um exemplo das consequências da indefinição do governo com relação à continuidade do programa de energia nuclear. O Valor apurou que não há consenso entre os integrantes dos ministérios de Minas e Energia, da Ciência e Tecnologia e da Casa Civil com relação a esse tipo de produção de energia.
Até 2010, a energia nuclear era considerada estratégica e apontada pelo governo como principal substituta para a hidreletricidade a partir de 2030, quando o potencial economico e ambientalmente explorável dos rios estaria próximo do fim. A fonte era considerada ideal por operar continuamente na base, estar situada próxima aos centros consumidores e ser de baixa emissão de gases do efeito estufa.
O Plano Nacional de Energia (PNE) 2030, lançado em 2007, indicou a construção de quatro usinas nucleares de 1.000 MW, além de Angra 3, até 2030. Também estava nos planos do governo atingir a autossuficiência na produção, conversão e enriquecimento de urânio até 2014. O cenário otimista, porém, mudou depois do acidente na central nuclear de Fukushima, no Japão, provocado por um terremoto de 8,8 graus na escala Richter seguido de uma tsunami, em março de 2011.
Segundo o presidente da Associação Brasileira para Desenvolvimento das Atividades Nucleares (Abdan), Antonio Muller, a exemplo do último plano decenal de energia PDE 2021, o próximo documento (com horizonte 2022), que será lançado este ano, não deverá incluir novas termonucleares além de Angra 3. Enquanto o PNE 2030 tem a função de apontar a estratégia do governo, o PDE indica o que de fato deve sair do papel nos próximos dez anos.
O setor aguarda o que a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), com o aval do Ministério de Minas e Energia, vai incluir de fonte nuclear na revisão do PNE 2030. Atrasada há cerca de três anos, a nova edição do plano, que deverá ter o horizonte 2050, dará um sinal mais claro do que o governo quer para a energia nuclear nas próximas décadas.
Questionado, o MME respondeu que "diante de novos cenários surgidos após a publicação do PNE 2030 (oportunidade do gás não convencional, redução do custo da energia eólica, pré-sal, redução dos custos em decorrência de maior eficiência, etc), tais metas devem ser, evidentemente, revisitadas em termos de capacidade instalada e de datas de entrada, mas o programa nuclear deve ter seguimento nesse horizonte (até 2050)".
Com relação à cadeia de produção do combustível nuclear, que vai da mineração de urânio à fabricação do chamado elemento combustível, passando pela concentração, conversão a gás e enriquecimento do urânio, um dos motivos para a demora no desenvolvimento dos projetos, na visão de especialistas ouvidos pelo Valor, é que a INB, integralmente ligada ao Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), tem recursos muito limitados.
Na prática, a estatal só conta com verba do Tesouro Nacional prevista no orçamento da pasta e com sua geração de caixa pela venda do combustível à Eletronuclear, operadora das usinas Angra 1 e 2. Ela não pode, por exemplo, captar financiamentos do BNDES.
A INB também é afetada pelo contingenciamento. Do orçamento previsto para 2012 (R$ 800 milhões), a empresa contou com apenas 65,3% do total. Em 2011, foram desembolsados 63,2% dos R$ 720 milhões aprovados. Em 2010, foram pagos 77,3% dos R$ 545,5 milhões previstos. E em 2009, dos R$ 500 milhões orçados, foram desembolsados menos da metade (46,3%).
"A reserva de urânio brasileira é a sexta do mundo. Foi feita prospecção em somente 25% do país, com profundidade em torno de 100 metros. Se aplicarmos mais, vamos ter mais. A reserva do Brasil hoje é de 309 mil toneladas. Pelas avaliações existentes, comparando com a Austrália, que tem bacia sedimentar muito parecida, o Brasil pode ter 800 mil toneladas. Agora, tonelada de urânio embaixo da terra não quer dizer nada", diz Muller.
Para o coordenador do Grupo de Estudos do Setor de Energia Elétrica (Gesel), o professor Nivalde Castro, a energia nuclear precisa fazer parte do planejamento energético do governo. Segundo ele, como o incidente em Fukushima deu-se por questões naturais, e não por falha humana, o trauma com relação à fonte nuclear não vai durar muito tempo.
Outro ponto discutido entre especialistas é a possibilidade de abertura do setor de produção de energia nuclear para a participação de empresas privadas. A Constituição brasileira determina que essa atividade no Brasil é um monopólio estatal.
"Existem empresas no do Brasil e de fora interessadas em participar", ressalta Muller. A Abdan ingressou com uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) propondo a abertura do setor nuclear.
O Ministério de Minas e Energia informou que avalia a possibilidade de empresas privadas participarem da construção e operação de usinas nucleares, mas que não há nada definido nesse sentido. "Há estudos para permitir alguma flexibilização, mas ainda são iniciais".

domingo, 17 de março de 2013

Um jesuíta em pele de Francisco

Um jesuíta em pele de Francisco

Publicado em Carta Capital

Um mistério cercou o Vaticano após a escolha do argentino Jorge Mario Bergoglio como o novo líder da Igreja Católica. Ao ser anunciado papa Francisco, teria o sumo pontífice se inspirado em qual são Francisco? O de Assis, de vestes simples, atenção aos pobres e reação aos luxos e ao poder, ou Xavier, um dos co-fundadores da Companhia de Jesus, braço do Estado na colonização do novo mundo a partir da catequese? Bergoglio, um jesuíta, teria homenageado o santo a quem, segundo a história, foi convidado pelo espírito de Cristo a reconstruir a Igreja ou o santo que ajudara a fundar a companhia da qual faz parte?
O papa Francisco, durante audiência com a imprensa neste sábado 16. Ele disse querer uma "igreja pobre para os pobres". Foto: Vincenzo Pinto / AFP
O papa Francisco, durante audiência com a imprensa neste sábado 16. Ele disse querer uma “igreja pobre para os pobres”. Foto: Vincenzo Pinto / AFP

No sábado 16 a dúvida se dissipou. Em entrevista coletiva, o papa Francisco deixou claro: o nome, sugerido pelo cardeal brasileiro dom Cláudio Hummes, era uma homenagem a são Francisco de Assis. “Gostaria de uma igreja pobre e para os pobres”, disse. O nome foi definido quando a sua escolha como papa já se materializava no Conclave e o colega brasileiro disse após um abraço: “Não se esqueça dos pobres”.
Eis a origem da nomenclatura. O jesuíta, portanto, acenava para uma outra face da própria Igreja ao reverenciar o santo que, como lembrou o jornalista Mino Carta em seu mais recente editorial, “foi reformador herói, sem contar o poeta que escreveu O Cântico das Criaturas, ou Cântico ao Irmão Sol, obra-prima da língua italiana, e, portanto, o santo mais próximo de Cristo, cujo exemplo transformou na Regra da sua vida e da sua pregação em defesa da natureza e dos desvalidos”.
“A lição de Francisco é, na essência, um desafio à Igreja e ao papa Inocêncio III, estadista cercado pelo luxo, grudado à crosta terrestre e às suas ambições e vaidades, e em cuja época o poder temporal do Vaticano atingiu o apogeu, quando o sucessor de Pedro interferia na política do Sacro Romano Império. Francisco surge como prova dos descaminhos papais, é o manso contestador que põe o dedo na chaga em nome da ideia indiscutivelmente cristã da revelação e do amor”, escreveu Carta.

O exemplo de Francisco de Assis, portanto, parece uma contradição à escola pela qual Bergoglio se formou, está de voto incondicional ao papa e historicamente ligado aos interesses do Estado colonizador. Uma ordem que tinha como pretensão, a partir do século XVI, “civilizar os índios” – para muitos, uma forma de genocídio cultural. Vale lembrar, no entanto, que a ordem dos jesuítas tem como compromisso, a partir do Concílio Vaticano II, os votos em defesa da justiça social e a “opção preferencial pelos pobres”.
É este compromisso que o novo papa tentou reforçar em sua primeira manifestação à imprensa. O que ainda não se sabe é qual lado pesará em seu papado: o exemplo contestador do santo que lhe empresta o nome ou a proximidade com a ordem e os colonizadores que a história dos jesuítas inspira.bsp;

Novo Papa: Quem ganha e quem perde

Quem ganha e quem perde

por Wálter Maierovitch

Publicado em Carta Capital 

A capela sistina sempre foi palco de litígios e puxadas de tapete. Nela existe a “câmara das lágrimas”, onde o vencedor troca os panos cor púrpura de cardeal pelos brancos de papa, antes de, na solidão, debulhar-se em lágrimas por causa da grande emoção. Na Sistina, o então jovem Rafael, insuflado pelo seu mestre Bramante, tentou tomar o lugar de Michelangelo. Rafael não se contentava em afrescar os quartos dos papas. Aproveitava-se do atraso de Michelangelo para espalhar que o concorrente nunca afrescara paredes e não dominava as técnicas de aplicar tinta em reboco molhado. Michelangelo venceu o embate.
Depois de 25 horas de votações, venceram os reformistas da Cúria. A disputa estava polarizada entre esses e os antirreformistas liderados pelo camerlengo Tarcisio Bertone, ex-secretário de Estado (chefe da Cúria e uma espécie de primeiro-ministro). O candidato de Bertone era o brasileiro Odilo Pedro Scherer, integrante da comissão de fiscalização do apelidado Banco do Vaticano, eufemisticamente denominado Instituto para as Obras Religiosas (IOR).
Nos últimos conclaves, o grande embate ocorria entre os reformadores da doutrina, incluindo o saudoso Carlo Maria Martini, e os conservadores. Venceram os últimos, cujos principais símbolos foram Karol Wojtyla e o seu delfim Joseph Ratzinger. Por evidente, perdia a Igreja com o conservadorismo, destacando a redução de fiéis na Europa. A propósito, e como demonstrou o vaticanista Marco Politi, Ratzinger foi o grande teólogo do obscurantismo. É contra a camisinha em tempos de Aids, manteve a proibição de Paulo VI ao uso de pílulas anticoncepcionais, opõe-se à ordenação de mulheres para o posto de sacerdotisas, condena o homossexualismo e a lei alemã de “despenalização” do aborto, é contrário ao casamento de padres e à oferta da eucaristia, nas celebrações, aos divorciados, entre outras.
A escolha de Jorge Mario Bergoglio, que na eleição de Ratzinger ficou em segundo lugar ao entrar nos escrutínios depois da baixa votação e da desistência do cardeal Martini, foi costurada pelos norte-americanos, à frente Timothy Dolan, de Nova York. Os primeiros candidatos apresentados eram Angelo Scola e Odilo Scherer. O reformista entrou na Sistina com cerca de 50 votos e o antirreformista Scherer com quase 25. Como não passavam desse número e jamais atingiriam os dois terços previstos na Constituição apostólica, acabaram substituídos. Então, pelo resultado da urna, percebeu-se que não emplacariam os cardeais canadense, húngaro, australiano, mexicano e o outsider e cultíssimo Gianfranco Ravasi. Para os vaticanistas, Scola pediu a transferência dos seus votos para Bergoglio, de 76 anos. O outro argentino, Leonardo Sandri, estava fechado com os antirreformistas.
As articulações de Dolan, o apoio de diversos cardeais sul-americanos engasgados com a Cúria (Scherer nunca foi unanimidade entre os brasileiros votantes) e a migração de votos do italiano Scola deram a vitória a Bergoglio, que entrou sem nenhuma aspiração e zero de apetite. Como as questões terrenas, nada teológicas, prevaleceram no conclave, os reformistas curiais Scola e Dolan devem indicar o novo secretário de Estado. Aquele que cuidará da limpeza e das defenestrações. A respeito fala-se de um cardeal com prestígio entre políticos italianos, capaz de manter a contribuição do governo da Itália ao Vaticano, equivalente a 9 bilhões de euros por ano.
Scherer saiu chamuscado ao defender o escandaloso Banco do Vaticano. Segundo Paolo Rodari, vaticanista do jornal La Repubblica, “o ataque duríssimo na congregação-geral feito por muitos cardeais e contra a ‘corrupção’ romana, numa Cúria que apontava no candidato Odilo Scherer, cardeal brasileiro e integrante da Comissão Cardinalícia do IOR, ecoou de maneira dramática durante o conclave… Um conclave que assistiu, gradualmente, aos sul-americanos e norte-americanos escolherem uma figura independente”.
Com Bergoglio, jesuíta, esperam-se ações de moralização na Cúria, com o vigor de Inácio de Loyola. Perderam os fiéis brasileiros: o maior país católico do mundo não teve um candidato, entre os reformistas da Cúria, capaz de empolgar. E fica a impressão, por exigência dos cardeais norte-americanos, de estar com os dias contados a lavanderia do IOR, que não atende a todas as regras internacionais de prevenção à lavagem de dinheiro criminoso ou sem causa.

terça-feira, 12 de março de 2013

Conclave começa hoje com cardeais divididos em 4 grupos

Conclave começa hoje com cardeais divididos em 4 grupos

Cardeais se dividem em quatro correntes
O Estado de S. Paulo - 12/03/2013
 

O conclave para eleger o novo papa começa hoje, a partir das 16h30 (meio-dia no Brasil), quando os 115 cardeais votantes se reunirão na Capela Sistina. Eles chegam à votação divididos em quatro grupos: dois pró e dois contra a Cúria, informam os enviados especiais Jamil Chade e José Maria Mayrink. Para analistas, mais do que questões religiosas, prevalecerão disputas políticas internas. E, ao contrário de 2005, não há um nome favorito. O secretário de Estado do Vaticano, Tarcísio Bertone, garantiu aos cardeais ontem, último dia de reuniões, que o Banco do Vaticano, alvo de denúncias, é "transparente", mas se negou a prolongar o debate. O número de religiosos que pediram para falar foi tão grande que nem todos puderam fazer intervenções.
Num cenário político bizantino, os 115 cardeais entram hoje para o conclave profundamente polarizados, divididos e irão às urnas em uma eleição aberta. Fontes próximas aos cardeais confirmaram ao Estado que existem pelo menos quatro grupos atuando nos bastidores para que suas visões prevaleçam. Mas todos admitem que, ao contrário do conclave de 2005, não há um franco favorito. De um lado, dois grupos que se apresentam como espécies de partidos da situação, enquanto outros dois clamam por maior transparência, maior eficiência na gerência da Igreja e uma espécie de modernização na gestão pontifícia.
"Não há um debate sobre doutrina ou sobre fé", indicou um assessor de um cardeal de peso no Vaticano. "A Igreja hoje está falando com a mesma voz no que se refere à religião. É sua administração que está dividindo os cardeais", acrescentou.
Mas, para observadores em Roma, com o elemento religioso fora da campanha, é mesmo a disputa política que ganhará espaço de honra na Capela Sistina. Ontem, no último dia de reuniões, o número de cardeais que pediu para falar sobre o que esperavam do próximo papa era tão grande que nem todos puderam fazer suas intervenções.
Parte deles deixou claro que considerava que o debate deveria continuar. Mas a Cúria deu por encerradas as discussões. Assessores admitiram que isso era um sinal de que nem tudo está resolvido e que o pleito está aberto.
"No último conclave, havia um homem com uma estatura três ou quatro vezes maior que a dos demais cardeais", disse o cardeal francês Philíppe Barbarin, em referência a Joseph Ratzinger. "Desta vez não é o caso. A escolha terá de ser feita entre um, dois, três, quarto, uma dúzia  de candidatos", insistiu. "Não sabemos ainda de nada. Vamos ver  o que sairá daprimeira votação."
Primária. Nos últimos dias, Roma foi tomada por reuniões secretas de diferentes grupos, mobilizando forças para justamente permitir que seus candidatos descubram hoje se têm ou não apoio suficiente para continuar na batalha. Na tarde de hoje, a primeira votação servirá como uma espécie de primária. Diante da proliferação de nomes que podem atrair votos, quem não se sair bem na primeira votação será na prática eliminado.
Não por acaso, a meta dos grupos ontem era o de costurar os últimos apoios para garantir a sobrevivência de seus candidatos para os próximos dias.
Um dos grupos de maior peso é o que poderia ser chamado de "pró-Cúria", com o apoio de alguns dos principais príncipes do Vaticano que já estavam no poder durante a gestão do secretário de Estado, Tarcisio Bertone.
O grupo, porém, queimado diante dos escândalos e da própria renúncia de Bento XVI, foi obrigado a buscar nomes de fora para atrair eleitores.
Um deles é de d. Odilo Scherer, afinado com as posições da Cúria. Ele atenderia a dois critérios: é o homem de confiança de um grupo no poder e, ao mesmo tempo, renovaria a imagem da Igreja ao se tomar o primeiro papa de fora da Europa em 1,3 mil anos. Jornais italianos apontam que o brasileiro  á poderia ter numa primeira votação entre 20 e 30 votos.
Mas nem o grupo do establishment da Igreja estaria unido. Parte dele, liderado pelo secretário de Estado, Tarcísio Bertone, defende a volta de um italiano para o comando da Santa Sé, depois de mais de 30 anos nas mãos de "estrangeiros". Um dos nomes seria o de Giancarlo Ravasi, o poderoso ministro da Cultura da Santa Sé. Mas não se descarta que o arcebispo do Sri Lanka, Malcolm Ranjith, possa ser uma alternativa se não houver uma sintonia entre os italianos.
Oposição. Do outro lado está a oposição que clama por uma reforma da administração e uma nova imagem de maior transparência na Igreja. O problema, segundo fontes no Vaticano, é que o único ponto em comum é o desejo de derrubar o grupo no poder. "Não há um nome único da oposição que atraia a atenção de todos", disse uma fonte.
Ironicamente, o representante da oposição considerado como tendo maiores chances é um antigo aliado de Bento XVI, o poderoso arcebispo de Milão, Ângelo Scola. Antes de renunciar, o papa chegou a dar sinais de que Scola seria seu candidato. Ele tem o apoio de outros cardeais italianos - mas nem todos.
"Scola é moderno, mas não progressista", insistia ontem Marco Politi, vaticanista italiano, cada vez que alguém tentava rotular Scola como um reformista. Mas parte da delegação americana também estaria inclinada a votar nele, desde que adote posições claras pró-transparência. Jornais italianos chegaram a apontar que o arcebispo de Milão poderia somar até 40 votos já na primeira rodada de votação.
Até a tarde de ontem, a prioridade de seu grupo de apoio era o de atrair o voto de cardeais independentes e descontentes com a atual Cúria. O problema é que nem todos estão convencidos de que Scola representaria de fato uma renovação da Igreja e que adotaria medidas drásticas de reformas.
Não por acaso, grupos debateram nos últimos dias nomes alternativos de oposição. São pessoas que não se alinham com o grupo pró-Cúria e nem com Scola. Mas ainda assim teriam o apoio de vários descontentes.
A lista, neste caso, é ampla e iria desde o canadense Marc Ouellet, passando pelo ganense Peter Turkson, os cardeais americanos Sean G"Malley e Timothy Dolan, o filipino Luis Antonio Tagle, o húngaro Péter Erdo e mesmo o brasileiro João Aviz. "A Cúria precisa de uma revolução", declarou o cardeal alemão Walter Kasper. "Precisamos de reforma e transparência", disse.
Já o canadense Marc Ouellet poderia ainda ser um dos nomes fortes, representante de uma espécie de compromisso entre os diversos campos. Para ser eleito, o novo papa terá de acumular 77 votos, o que pode não ser uma tarefa simples diante das divisões. Se houver um impasse entre os grupos e se as votações se repetirem sem um claro avanço de um dos candidatos, cardeais poderão chegar à conclusão de que terão de abandonar seus preferidos para buscar um nome de consenso. O canadense, não por acaso, é visto como um dos favoritos justamente por fazer a ponte entre os grupos, /jamil chade

CONCLAVE COMEÇA COM BRASILEIRO ENTRE FAVORITOS

CONCLAVE COMEÇA COM BRASILEIRO ENTRE FAVORITOS

115 CARDEAIS LARGAM EM CORRIDA IMPREVISÍVEL
Autor(es): Fernando Eichenberg
O Globo - 12/03/2013
 
Ansiedade. Visitantes aguardam na fila para conhecer a Basílica de São Pedro, no Vaticano: além de turistas, local atrai fiéis e curiosos, ávidos para conhecer o novo Papa

ROMA Os afrescos de Michelangelo retratam as cenas dramáticas do Juízo Final - quando Deus julga os homens na Terra. E com este pano de fundo, 115 cardeais estarão trancados a partir de hoje na Capela Sistina, no Vaticano, para o conclave que elegerá um novo Papa. A eleição é imprevisível e pode até resultar na escolha do primeiro brasileiro no comando da Igreja Católica e seus 1,2 bilhões de fiéis. Entre os cinco representantes do Brasil, é o arcebispo de São Paulo, dom Odilo Scherer, o que tem mais chance.
Scherer aparece na maioria das listas de papáveis dos vaticanistas, junto com o italiano Angelo Scola, arcebispo de Milão. Em comum, os dois cardeais têm no currículo o perfil que a burocracia da Santa Sé mais precisa. Ambos administram grandes arquidioceses, São Paulo e Milão. Mas isso pode não ser o bastante.
- Scola e Scherer vão se destacar no primeiro escrutínio, mas não estou convencido de que conseguirão se eleger - avalia Andrea Tornielli, vaticanista do jornal italiano "La Stampa".
DESDE 1831, SEM ULTRAPASSAR OS CINCO DIAS
Tornielli só tinha 14 anos quando o polonês Karol Wojtyla foi eleito Papa em 1978. Nenhum vaticanista imaginou na época que ele se tornaria um dos Pontífices mais populares da História da Igreja. Antes da eleição, seu nome não aparecia em nenhuma lista de papáveis.
- Lembro que quando anunciaram o nome dele, eu reagi : W-O-J-T-Y-L-A ? É um africano?
Tornielli, como vários outros vaticanistas, não exclui a possibilidade de uma grande surpresa novamente. Como o canadense Marc Ouellet.
- Fiquem de olho nos que correm por fora, como Jorge Mario Bergoglio (Argentina), Luis Antonio Tagle (Filipinas) e Francisco Robles Ortega (México). Bergoglio e Tagle fizeram intervenções (nas reuniões preparatórias) que todos gostaram, porque falaram com o coração.
John Allen Jr., o mais conhecido vaticanista americano, diz que este é provavelmente o conclave mais parecido com a eleição de Karol Wojtyla. Naquela ocasião, dois candidatos despontaram na frente: os italianos Giovanni Benelli e Giuseppe Siri. Mas, nas primeiras votações, nenhum deles conseguiu os dois terços necessários para se eleger.
- Então tiveram que buscar outro nome. Escolheram um candidato da Polônia e chocaram o mundo. Da mesma forma, poderemos desta vez ter uma outra surpresa - diz Allen Jr.
Sentados de frente uns para os outros, diante de compridas mesas cobertas por um pano branco e caimento de veludo vermelho, os cardeais terão diante de si uma cédula retangular onde está escrito, em latim, Eligo in Summum Pontificem - Elejo como Sumo Pontífice. Os nomes dos escolhidos serão escritos à mão.
E a opção, desta vez, não será fácil. O próximo Papa poderá - ou não - mudar os rumos de um Vaticano ingovernável e marcado por escândalos de pedofilia e corrupção. Bento XVI renunciou deixando dúvidas sobre seu legado - se de um revolucionário ou de um homem que quebrou a imagem de que o Papa é infalível. O racha na Igreja Católica, agora, é tal que ninguém se arrisca num palpite sobre quanto tempo o conclave pode durar. Mas uma coisa é certa: a fumaça branca que sairá da chaminé do Vaticano, um ritual histórico que anuncia a escolha de um Papa, não será vista hoje, após a única votação prevista para o dia.
- Esperem fumaça negra. A primeira votação em conclave dificilmente tem êxito - avisa o porta-voz do Vaticano, Federico Lombardi.
Tornielli lembra que, em 2005, apenas dois cardeais tinham experiência em conclaves - contra 47 de agora. Porém, ele mesmo admite que isso pode não ter nenhuma influência na duração das votações. John Allen Jr. arrisca uma previsão mais concreta: para ele, o processo não vai durar mais do que três ou quatro dias. Desde 1831, aliás, um conclave não dura mais de cinco dias.
- Obviamente eles querem um Papa para a Semana Santa. Depois, porque no saturado mundo de mídia em que vivemos hoje, se passar de três dias, nós vamos todos produzir matérias sobre um conclave em crise. E eles (os cardeais) não querem isso - assegurou.
O processo de votação se inicia hoje com uma missa na Basílica de São Pedro. Além dos cardeais com direito a voto, estarão presentes, ainda, aqueles com mais de 80 anos e hierarquias mais baixas do clero, além de fiéis e autoridades, como o embaixador brasileiro no Vaticano, Almir de Sá Barbuda. Apesar de dom Odilo ser constantemente citado como favorito, o diplomata lembra de outra aposta - dom João Braz de Aviz, o arcebispo emérito de Brasília.
- Para o "Washington Post" (jornal americano), no grupo dos reformistas moderados ele era o que tinha mais chances. É um homem da Cúria Romana, mas mais crítico - afirmou, esquivando-se de prognósticos, mas sem esconder o entusiasmo com a possibilidade de um Pontífice brasileiro.
Segundo analistas ouvidos pelo GLOBO nas últimas semanas, três fatores devem influenciar na eleição do futuro Papa: idade, capacidade administrativa e mãos limpas. Ou seja, nenhum rastro de conivência com casos de pedofilia, corrupção ou qualquer outra irregularidade na Cúria - o que enterraria qualquer chance de ascensão de gente como o cardeal de Los Angeles, Roger Mahony. Ele desembarcou em Roma trazendo na bagagem suspeitas de ter acobertado 129 casos de pedofilia.
Para o vaticanista Tornielli, a Igreja precisa de um homem que seja capaz de mostrar ao mundo uma face positiva da Igreja, "um mensagem do Evangelho, de alegria e de misericórdia":
- E que consiga fazer as reformas pedidas por muitos cardeais depois dos tantos escândalos, que a Cúria fique a serviço do Papa e não seja um órgão de governo da Igreja, melhorando também a relação entre o centro (Vaticano) e a periferia (dioceses no mundo).
Cum Clave , em latim, significa fechado à chave - conclave. Hoje, às 16h30m (12h30m de Brasília), os 115 cardeais se trancam na Capela Sistina. E deixam do lado de fora 1,2 bilhão de fiéis curiosos. E em suspenso.

115 CARDEAIS, UM ÚNICO PAPA

115 CARDEAIS, UM ÚNICO PAPA

OS 115 ELEITORES E O ESPÍRITO SANTO
Autor(es): DIEGO AMORIM Enviado especial
Correio Braziliense - 12/03/2013
 

O mundo inteiro estará de olho hoje na chaminé da Capela Sistina. Nesta manhã, 115 cardeais de 50 países se reúnem a portas fechadas no recinto . Eles só sairão de lá quando uma fumaça branca subir anunciando a 1,2 bilhão de fiéis que a Igreja Católica tem um novo papa. O conclave tanto pode ter minar ainda nesta terça-feira, depois da primeira votação, à tarde, quanto se estender por tempo indeterminado. Enviado especial do Correio ao Vaticano, o repórter Diego Amorim relata que, embora haja favoritos — como o arcebispo de Milão, Angelo Scola, e o brasileiro dom Odilo Scherer —, o processo, iniciado após a inesperada renúncia de Bento XVI, pode terminar de forma tão surpreendente como começou. Isso porque, em tese, qualquer um dos cardeais que participam do encontro está apto a ocupar o trono de Pedro e usar a mitra (alto) que o artesão colombiano Luis Abel Delgado , 44 anos, confeccionou para o próximo pontífice. Para isso , o religioso precisa obter o voto de pelo menos 70 colegas

Na manhã de hoje, depois de invocar inspiração divina, os cardeais serão trancados na Capela Sistina para o conclave que elegerá o novo papa

Cidade do Vaticano — Chegou o dia. Hoje, 115 homens vão se isolar do mundo para eleger quem assumirá a barca de Pedro em plena tempestade. Sob o inspirador teto da Capela Sistina, com os célebres afrescos renascentistas, cardeais de 50 países terão de chegar a um consenso e, em votação ultrassecreta, indicar a 1,2 bilhão de fiéis o novo líder da Igreja Católica. Desde o anúncio de que Bento XVI deixaria o cargo, um mês atrás, nomes de prováveis sucessores vieram à tona. Mas, embora haja favoritos, o processo pode terminar tão surpreendente quanto começou.

Na manhã de ontem, os purpurados se reuniram pela última vez antes do conclave, encerrando uma maratona de 10 encontros em sete dias. Ao longo das 27 horas de Congregações Gerais, houve 161 intervenções e, ainda assim, nem todos os inscritos tiveram oportunidade de dizer o que pensam. Na extensa pauta, desabafos e cobranças públicas, o perfil do próximo pontífice e temas espinhosos, como o escândalo do Vatileaks e a situação financeira da Santa Sé.

Vencido o arrastado período de preparação, está tudo pronto para os cardeais tomarem a decisão mais esperada pelos católicos. Bombeiros do Vaticano instalaram ontem a cortina vermelha no balcão central da Basílica de São Pedro, que se abrirá para o novo papa ser apresentado ao povo. Cerca de 90 pessoas que trabalharão na área do conclave — entre enfermeiros, médicos, seguranças e o pessoal da limpeza — juraram silêncio sobre tudo o que vão ver e ouvir nos próximos dias.

Às 10h (6h em Brasília), os eleitores rezarão uma missa para pedir ajuda ao Espírito Santo, em um momento delicado e decisivo para a Igreja. Depois, seguirão em procissão para a Capela Sistina, onde serão fechados a chave sob a proclamação de Extra omnes (“todos fora”). À tarde ocorrerá o primeiro escrutínio, e vários cardeais tendem a receber votos. Segundo o porta-voz do Vaticano, o padre Federico Lombardi, dificilmente haverá uma definição hoje. Até sexta-feira, porém, a fumaça branca deverá ser avistada da Praça de São Pedro, anunciando que um papa foi eleito.

Incomunicáveis

Até sair um vencedor, os cardeais se manterão enclausurados. A Casa Santa Marta, onde ficarão alojados, teve os sistemas de internet e telefonia bloqueados. Até os televisores foram retirados. Somente durante as refeições os cardeais poderão conversar entre si. O responsável por conduzir o conclave, na condição de decano do Colégio dos Cardeais, será o italiano Giovanni Battista Re, um dos que teriam declarado apoio a dom Odilo Scherer, o brasileiro mais citado nas bolsas de apostas da sucessão papal.

Apesar de indicarem uma polarização entre dom Odilo, arcebispo de São Paulo, e o italiano Angelo Scola, titular da arquidiocese de Milão, jornais europeus, abastecidos com informações de vaticanistas, informaram ontem que mais da metade dos cardeais não entrará para o conclave com voto definido, o que poderia estender o processo e anular previsões. Há que levar em conta, ainda, a força de nomes que correm por fora, como os dos arcebispos de Boston, Sean O’Malley, e de Nova York, Timothy Michael Dolan, além do canadense Marc Ouellet, prefeito da Congregação para os Bispos.

Para o povo que espera ansioso pelo tradicional pronunciamento de Habemus papam (“temos um papa”), pouco importa se as especulações vão se confirmar ou não. “Não sei quem vai ser, mas espero que seja jovem. Se for para ficar só de enfeite, não serve”, opina a aposentada paulista Amália Irani, 64 anos, “católica praticante”. Como outras milhares de pessoas, ela pretende fazer plantão na praça à espera da fumaça branca.

Mesmo entre os fiéis mais fervorosos, os papáveis são pouco conhecidos. Quase ninguém consegue indicar um cardeal preferido. “Não sei quem são, mas torço por um latino-americano. Somos mais católicos que os europeus”, comenta a cubana Karina Rodrigues, 37, de férias pela Itália. “Queria alguém mais aberto, mas não é o papa quem vai ditar o que eu tenho de fazer”, completa a amiga peruana Heidy Fischer, 37.

Acompanhado da esposa e da filha no passeio pelo Vaticano, o comerciante venezuelano René Barandela, 33, diz ter uma referência para o futuro pontífice. “Precisamos de um papa carismático como (Hugo) Chávez”, dispara ele, referindo-se ao presidente morto na semana passada. A partir de hoje, se intensificarão as apostas, as orações, e os olhos do mundo se voltarão de vez para Roma.

Depoimento
Aos fiéis, cabe dizer amém

Com o início do conclave, aumentarão as especulações em torno de quem será o novo papa. Enquanto a fumaça branca não for avistada, de todos os lados surgirá quem tente adivinhar o sucessor de Bento XVI. Nada mais natural.

Três são os nomes mais falados, não necessariamente nessa ordem: Angelo Scola (Itália), Odilo Scherer (Brasil) e Marc Ouellet (Canadá). Mas há um punhado de outros cardeais citados. Correndo por fora, um deles pode surpreender.

A avaliação possível de ser feita, no momento, é assim mesmo: solta, indefinida, especulativa, quase vaga. Há mais de 10 dias em Roma, estou convencido de que o colégio cardinalício não pode ser encarado como um parlamento qualquer.

Há, sim, entre os humanos purpurados, grupos, tendências e preferências. Mas não se trata da mesma lógica adotada por partidos políticos. Por isso, dificilmente alguém consegue “violar o painel” da Capela Sistina.

Os “príncipes da Igreja” vivem sujeitos a disputas de poder, vaidades, carreirismo e tantas outras práticas pouco evangélicas. Não parecem, porém, muito dispostos a, “diante de Deus e pelo bem da Igreja”, exercer voto de cabresto.

A cada conclave, os eleitores-candidatos insistem no fator espiritual e, portanto, na surpresa da votação secreta. Unânimes, creditam a palavra final ao Espírito Santo, porque é nisso que creem. A nós, reles mortais, ao menos por ora, resta dizer amém.

segunda-feira, 11 de março de 2013

Saneamento básico ainda é motivo de morte no Brasil

Saneamento básico ainda é motivo de morte no Brasil

Carta Capital
Por Dal Marcondes, da Envolverde
Em meio à falta de saneamento, moradores equilibram-se em "ruas" de madeira para chegar a suas casas em Altamira (PA), onde está sendo construída a hidrelétrica de Belo Monte. Foto: Valter Campanato/ABr
Em meio à falta de saneamento, moradores equilibram-se em “ruas” de madeira para chegar a suas casas em Altamira (PA), onde está sendo construída a hidrelétrica de Belo Monte. Foto: Valter Campanato/ABr

Ananideua, um município próximo a Belém, tão próximo que parece um bairro, registrou em 2011 o alarmante número de 904 internações por diarreia para cada 100 mil habitantes. Em 2012 a cidade conseguiu bater seu recorde entre os 100 maiores municípios brasileiros e marcou 1210 pessoas internadas com doenças causadoras de diarreias. Na outra ponta, das menores ocorrências de doenças com diarreia, ficou em 2011 a cidade paulista de Taubaté, com 1,4 internação para cada 100 mil habitantes. O caso de Ananideua chama a atenção porque o município que vem logo em seguida, Belford Roxo (RJ), registrou em 2011 menos da metade dos casos, 399,4 internações para cada 100 mil habitantes. Esses dados foram levantados pela organização não governamental Instituto Trata Brasil, que monitora o saneamento básico no Brasil.
Dados da Organização Mundial de Saúde apontam que 88% das mortes por diarreia no mundo são causadas pelo saneamento inadequado, enquanto a Unicef demonstra que essa é a segunda maior causa de mortes entre crianças de 0 a 5 anos e se estima que a cada ano 1,5 milhão de crianças nessa idade morram em todo o mundo vítimas de doenças diarreicas. O estudo realizado pelo Instituto Trata Brasil (em PDF), divulgado no final de fevereiro, procura, por meio de dados do Sistema Único de Saúde (SUS), medir o impacto sobre a saúde da população exposta ao saneamento básico inadequado nos 100 maiores municípios brasileiros. O estudo levantou dados de 2008 a 2011, em alguns casos 2012, e demonstrou que em quase metade dos municípios (49%) existe apenas uma oscilação nos números de internações, sem apresentar nenhuma tendência clara de melhora no indicador. Em 2011, 396.048 pessoas deram entrada no SUS com doenças diarreicas, sendo que 54.399 vivem nos 100 maiores municípios do país.
De todas as internações, cerca de metade são crianças de 0 a 5 anos, justamente a faixa etária mais fragilizada pela falta de saneamento básico, sendo que em algumas cidades essa taxa chega a mais de 70%, como é o caso de Duque de Caxias (RJ), Juazeiro do Norte (CE), Macapá (AP), Feira de Santana (BA), Belém (PA), Porto Velho (RO) e Manaus (AM).

Dados de 2011 apontam que os gastos do SUS com internações por diarreia foram de 140 milhões de reais e os municípios que mais gastaram foram justamente aqueles com piores indicadores de saúde e de saneamento básico. Enquanto em Ananideua o gasto total por 100 mil habitantes foi de 314,4 mil reais,  na cidade de Taubaté o gasto foi 721 reais para a mesma população.
Dados do Sistema Nacional de Informações de Saneamento (SNIS) mostram que são poucas as cidades, entre as 100 maiores do país, que podem ostentar a marca de 100% de seus esgotos coletados (o que não significa tratados). São elas Santos, Piracicaba, Jundiaí e Franca, no estado de São Paulo, e a capital mineira, Belo Horizonte.
Esses números reforçam a urgência de aplicação dos recursos previstos para saneamento básico em todo o Brasil. Existem políticas e planos nacionais para a gestão de recursos hídricos e saneamento, sem, no entanto, haver um esforço concentrado na aplicação em obras que possam reverter este quadro de desastre vivido pela população, principalmente das áreas mais pobres do país.
Às vésperas de mais um Dia Mundial da Água, que é comemorado em 22 de março, o Brasil pouco tem a comemorar. Nas grandes cidades a questão do abastecimento de água é cada vez mais complexa, com as empresas de água tendo de buscar o recurso em mananciais cada vez mais distantes, justamente pela falta do saneamento e do tratamento de esgotos, que coloca os rios das regiões mais habitadas entre os mais poluídos do mundo.
É hora de se entender que a água limpa e o saneamento básico são indicadores de desenvolvimento muito mais importantes do que o Produto Interno Bruto.