Governo força ‘maquiagem’ no IDH
Brasil fica estagnado na 85ª posição do IDH |
O Globo - 15/03/2013 |
Indicador de bem-estar mantém o país no grupo do desenvolvimento elevado. Pnud elogia avanços Lucianne Carneiro, Martha Beck e Nice de Paula RETRATOS DO BRASIL RIO e BRASÍLIA O ranking do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de 2012 mostra o retrato de um Brasil estagnado. O país manteve a mesma 85ª posição registrada em 2011, de um total de 187 nações, segundo o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud). O indicador que apura o bem-estar das populações avançou de 0,728 para 0,730, uma alta de 0,27%, o que mantém o Brasil no grupo dos países de desenvolvimento elevado. Porém, pressionado pelo governo brasileiro, que alegou que as estatísticas usadas estavam defasadas, o organismo da ONU recalculou, pela primeira vez, o IDH do Brasil. A nova conta foi divulgada ontem mesmo, durante o lançamento do Relatório de Desenvolvimento Humano (RDH) 2013, mas, segundo o Pnud, é apenas um exercício informal. Pelo cálculo, o IDH do Brasil passaria para 0,754. O país estaria no mesmo nível do Cazaquistão, com IDH de 0,754, que ocupa o 69º lugar no ranking. Seria avanço de 16 posições, se as demais nações ficassem nas mesmas condições. Mas o Pnud esclarece que não há qualquer alteração oficial no ranking, porque não foram recalculados os índices dos outros países. A maior diferença seria na expectativa de anos de estudo. O IDH oficial considera que os brasileiros que entram na escola hoje terão, em média, 14,2 anos de escolaridade no futuro, com base em estatísticas de 2005. Com as contas refeitas, a projeção de escolaridade salta para 15,7 anos - a mesma escolaridade projetada para a Suíça. Em seu relatório, o Pnud faz uma série de elogios ao Brasil e o inclui no grupo de 15 países que mais avançaram no IDH desde 1990. Entre estes, Brasil, Argélia e México foram os que avançaram, graças principalmente a ganhos e saúde e educação, e menos devido ao aumento da renda. O Brasil é apresentado como exemplo bem-sucedido de desenvolvimento econômico com redução da pobreza e da desigualdade, e há citações de iniciativas como o Plano Real, o Bolsa Família e o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb). Apesar da melhora recente na distribuição de renda no país, se o IDH do Brasil fosse ajustado pela desigualdade do país, sua posição no ranking cairia para a 97ª, mostra o relatório. A educação - que mostrou avanços expressivos nos anos 90 e no início da década de 2000 - foi um dos principais fatores a segurar o desenvolvimento humano brasileiro recentemente. - O Brasil já esteve em 73º lugar no ranking de IDH, em 2010, e agora está em 85º. A distância do primeiro lugar hoje é maior do que já foi. Efetivamente, a situação do Brasil no ranking do IDH piorou - afirma o professor da Universidade de Cambridge e da UFRGS, Flávio Comim. - A educação é a imagem mais forte da parada, mas a renda não se mexe muito, e a expectativa de vida também não. O governo brasileiro reclama do fato de o IDH relativo a 2012 ter sido calculado com dados defasados em até sete anos. O indicador que mais prejudicou o Brasil no IDH, por exemplo, foi o relativo aos anos de escolaridade esperados. Ele mostra quanto tempo um país consegue manter uma criança na escola. O Pnud fez a conta oficial usando média de 14,2 anos, registrada em 2005. Já a conta informal foi feita com dados do Censo de 2010, o que elevou a média para 15,7 anos. A média de anos de escolaridade saltou de 7,2 anos da conta oficial para 7,4 anos na atualizada. A expectativa de vida - indicador de saúde para o IDH - subiu de 73,8 anos para 74,1 anos, e o indicador de renda, de US$ 10.152 para US$ 11.547. Segundo o representante do Pnud no Brasil, Jorge Chediek, o cálculo do IDH traz informações defasadas de diversos países. Ele explicou que cada um tem formas diferentes de computar dados, o que torna difícil a uniformização para o cálculo do IDH. Por isso, o Pnud se baseia em informações reunidas pela Unesco (no caso da educação), Banco Mundial (renda) e Divisão de População da ONU (saúde). - O Brasil tem dados mais atualizados, tem o IBGE, mas a maioria dos países não tem o mesmo padrão e a mesma frequência de compilação (de informações). Então, o Pnud tem de utilizar dados mais antigos. O governo brasileiro está ciente dessas limitações - disse Chediek, adiantando que não haverá mudanças no relatório. Sobre os avanços em desenvolvimento no Brasil, ele lembra que, em 1980, metade dos brasileiros maiores de 25 anos tinha menos de três anos de escolaridade. Hoje são sete anos. Apesar dos avanços, há desafios como o abandono de estudos,. Como o caso de Zelia Alves. Empregada doméstica e moradora de São Gonçalo, ela voltou a estudar este ano. - É muito cansativo. Trabalho no Flamengo, vou para a escola e só chego em casa meia-noite. Mas estou tentando realizar um sonho que não consegui quando deveria - diz Zelia, que havia parado de estudar no Ensino Fundamental. Colega de turma de Zelia, Rosana Brito, moradora da Rocinha, diz que voltar a estudar "é uma grande chance, mas é muito complicado". |
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