segunda-feira, 18 de março de 2013

O PAPA DAS AMÉRICAS

O PAPA DAS AMÉRICAS

ESCOLHA INÉDITA SURPREENDE E EMOCIONA MILHARES DE FIÉIS
Autor(es): Deborah Berlinck
O Globo - 14/03/2013
 

fumaça branca. Novo Papa mostra humildade e senso de humor ao falar pela 1ª vez como Pontífice à multidão que foi acompanhar o anúncio na
ROMA Um Papa que se curva diante da multidão e pede: "rezem por mim". E os fiéis silenciaram. Jorge Mario Bergoglio, de 76 anos, surpreendeu a todos ontem não apenas por ser o primeiro latino-americano, argentino e jesuíta da história da Igreja Católica a se tornar Papa - e o primeiro não europeu em mais de 1.200 anos -, como pelo gesto. Suas primeiras palavras para milhares de pessoas que aguardaram horas na chuva e no frio o anúncio do novo líder da Igreja, foram simplesmente:
- Irmãos e irmãs, boa noite!
Treze dias depois da inusitada renúncia de Bento XVI - a primeira em 600 anos -- o Papa Francisco, nome que ele escolheu em homenagem a São Francisco de Assis, foi eleito o novo Pontífice, enterrando a tão anunciada disputa entre os cardeais italiano Angelo Scola e o brasileiro Odilo Scherer. O argentino, filho de imigrante italiano, que sequer aparecia entre os 15 ou 20 mais cotados, foi eleito após cinco rodadas de votação no conclave e com o apoio de ao menos 77 de 115 cardeais.
A fumaça branca na chaminé da Capela Sistina anunciando sua escolha surgiu às 19h06 (15h06 de Brasília), gerando gritos de emoção na Praça de São Pedro, ao som dos sinos da Basílica. Uma hora depois, as cortinas vermelhas do balcão da basílica se abriram. O cardeal francês Jean-Louis Tauran anunciou:
- Habemus Papam!
Para um Vaticano tão ligado à tradição e ao peso da liturgia, a simplicidade do jesuíta que apareceu em sua batina branca na imponente janela de cortinas vermelhas da Basílica de São Pedro emocionou os fiéis. Acostumados nos últimos oito anos ao Papa Bento XVI, considerado intelectualmente brilhante, mas tímido e sem carisma, a virada do argentino foi instantânea.
O Papa Francisco saudou a multidão também com uma tirada de humor, divertindo os fiéis.
- Vocês sabem que o dever de um conclave era dar um bispo a Roma. Parece que meus amigos cardeais foram quase até o fim do mundo para buscá-lo. Mas aqui estamos - disse o novo Papa.
O Papa agradeceu aos fiéis pela acolhida. E em seguida disse que, "antes de mais nada" gostaria de fazer uma oração pelo Papa Emérito Bento XVI. Momentos antes, ele havia telefonado para Bento e prometido visitá-lo nos próximos dias.
A eleição de Bergoglio foi uma total surpresa. Seu nome não era citado na imensa maioria das listas de prováveis Papas. Não porque não fosse apreciado, mas sim por conta de um detalhe que todos imaginaram que pesaria na hora do voto: sua idade avançada. Bento XVI tinha 78 anos quando foi eleito e renunciou oito anos depois alegando não ter mais forças para comandar a Igreja. O embaixador do Brasil no Vaticano, Almir de Sá Barbuda, também imaginou que a idade influenciaria:
- A grande surpresa foi a idade. Por causa disso ele não estava nas listas que estavam há muito tempo correndo. Pensava-se que iria ser eleito um Papa mais jovem - disse o embaixador.
O governo brasileiro, segundo ele, também recebeu a notícia com surpresa, mas ficou satisfeito:
- É um Papa sul-americano e isso é muito bom para todos. O discurso dele foi ótimo, de uma grande humildade. Acho que será um grande Papa. Ficamos todos contentes - disse Barbuda, definindo o novo Papa como "conservador, mas com ideias novas, capaz de fazer mudanças".
SURPRESA ATÉ PARA COMPATRIOTAs
O que a maioria dos vaticanistas não considerou foi a popularidade aparentemente intacta do argentino entre os cardeais. Bergoglio teria sido o segundo mais votado no conclave de 2005, depois de Joseph Ratzinger. Sua escolha reforça a importância da América Latina, que abriga 42% dos católicos no planeta, para a Igreja e a percepção de que o futuro do Catolicismo está no Hemisfério Sul.
Caberá a Francisco o papel de dar um novo rumo a uma Igreja abalada por escândalos financeiros, vazamento de documentos no caso VatiLeaks e por denúncias de pedofilia envolvendo religiosos. Deverá lidar ainda com o desafio de oferecer mais transparência às operações do Banco do Vaticano e atender aos clamores por uma reforma da Cúria Romana.
O anúncio surpreendeu padres argentinos que estavam na Praça de São Pedro.
- Bergoglio? Bergoglio? - perguntava, incrédulo, Sebastian Sangoi, de 32 anos.
Seu colega, o padre Carlos Rubia, também não acreditava:
- Escutei bem? É Bergoglio?
Emocionado, Sebastian disse que passaria a noite celebrando a escolha do Papa conterrâneo "com cerveja", junto com padres. A escolha, para ele, não poderia ter sido tão acertada:
- Ele é um homem simples, que anda de ônibus e pega o metrô na Argentina, muito sensível e próximo ao povo - disse Sebastian.
Outro argentino, Claudio Mariani, de 47 anos, acreditava que um brasileiro tivesse mais chances. Emocionado, ele já vê uma mudança de direção na Igreja:
- Ele faz coisas para o povo e em algum momento vai fazer as pessoas voltarem para a Igreja e terem mais fé, que está um pouco perdida.
A brasileira Márcia Zanol, de 44 anos, foi à Praça de São Pedro com um cartaz "Papa brasileiro: eu acredito!" Saiu com o cartaz enrolado, mas feliz:
- Independemente da nacionalidade, a gente sabe que ele certamente é uma pessoa do bem, da América do Sul.
A maioria dos brasileiros compartilhava a opinião de Márcia. Mas alguns não resistiram e confessaram:
- Pessoalmente, não era minha escolha. Até agora, nada de sentimento ou simpatia por ele. Mas vamos esperar para ver -disse Cristiane Serqueira, 33 anos.
O mineiro Giovanni Douglas, 40 anos, homossexual, gritava com um grupo de amigos "Francisco, Francisco, viva o Papa!". Apesar de achar que a Igreja não trata bem os homossexuais, ele disse que se sente católico:
- Quando ouvi o nome Francisco, me vieram lágrimas. É maravilhoso. Francisco é um nome muito simbólico. Esperamos que traga mais modernidade para a Igreja, uma mudança, mais inclusão.
Horas antes do anúncio ele discutia com um jovem seminarista a discriminação da Igreja em relação aos homossexuais:
- Sou gay e sofri durante anos esta paranóia católica de que vou para o inferno porque Deus não gosta. Mas não desisti de Deus nem do cristianismo. Não acredito na Igreja. Acredito no cristianismo.

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