Indústria atrasada, economia enigmática
A indústria é o órgão enfermo da economia do Brasil. A produção do setor caiu 2,7% em 2012, apesar dos estímulos recebidos do governo, contrariando indicadores relacionados, como a forte expansão do comércio varejista e o desemprego em seu nível mínimo histórico. O enigma de uma economia paralisada, mas com sintomas de crescimento excessivo para as potencialidades do país, incluindo escassez da mão de obra e inflação em alta, parece ter sido revelado segundo várias explicações apresentadas.
Algumas causas com as quais lidam os economistas seriam uma queda na quantidade de jovens que se incorporam ao mercado de trabalho e o excesso de estoques acumulados. A redução da atividade manufatureira é o que mais preocupa o governo de Dilma Rousseff e os operadores econômicos, porque acentua uma tendência e coloca em xeque o futuro do país. A desindustrialização, há anos reconhecida por empresários do setor e poucos economistas, agora está difícil de ser negada.
As expectativas repousam nas projeções de melhorias para este ano. Mas os baixos investimentos refletidos no retrocesso de 11,8% na produção de bens de capital em 2012 e o auge inflacionário, que pode provocar medidas do Banco Central para conter a demanda, não permitem esperar que a recuperação tenha o vigor pretendido.
Os resultados no fechamento de 2012 foram “uma ducha fria”, frustrando esperanças de retomar o crescimento e indicando que na indústria brasileira “a crise é mais profunda”, não apenas um efeito conjuntural devido aos graves problemas da economia global, afirmou Julio de Almeida, consultor do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi). O Brasil “não acompanhou a evolução industrial do mundo” nos últimos 20 anos, como fizeram China, Coreia do Sul e Índia. Assim, sem desenvolver setores mais dinâmicos, como o eletrônico e o farmacêutico, tampouco avançou suficientemente em inovações tecnológicas, disse Almeida à IPS. Além disso, há cerca de 15 anos, a indústria e alguns “serviços organizados” sofrem um acúmulo de custos, sejam logísticos, financeiros ou energéticos, que reduzem sua competitividade.
Agravando tudo, os salários aumentaram nos últimos cinco anos muito acima da produtividade. Somente no ano passado, cresceram, em média, 5,8%, enquanto o rendimento caiu 0,8%, segundo o Iedi.
É possível sobreviver sendo pouco competitivo se a economia mundial crescer em um bom ritmo, mas os problemas apareceram com a crise iniciada em 2008 nos Estados Unidos e que depois se espalhou especialmente para a Europa, que “estreitou o mercado industrial” no mundo e colocou o mercado interno brasileiro sob intensa disputa, observou Almeida.
Apesar de tudo, este economista acredita que este ano pode haver uma recuperação, graças às medidas governamentais que baratearam a eletricidade e reduziram tributos para alguns setores industriais, além de baixar juros, estabilizar a taxa de câmbio e anunciar fortes investimentos em infraestrutura de transporte. Porém, será necessário aumentar a produtividade com fortes investimentos em inovações tecnológicas, especialmente porque o Brasil tem “uma indústria avantajada”, ressaltou.
De fato, a indústria da velha geração metal-mecânica, especialmente a automobilística, é predominante no país, com um peso crescente. Com uma longa cadeia produtiva, incluindo peças de automóveis e máquinas agrícolas, o segmento de veículos representava 21% do produto industrial em 2011, segundo a Associação Nacional de Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea).
Essa participação duplicou nos últimos 20 anos, enquanto a indústria de transformação, em seu conjunto, transitou o caminho inverso em sua contribuição para o produto interno do país, caindo para 14,6% em 2011. Ou seja, a importância do automóvel para a economia brasileira continua crescendo.
Por isso, a principal medida do governo para atenuar os efeitos recessivos da crise financeira internacional de 2008 foi reduzir impostos sobre os veículos a partir de dezembro daquele ano, após três meses de abrupta queda nas vendas. É uma fórmula repetida em outras crises. O petróleo e o aço também continuam sendo elementos fundamentais do esforço brasileiro para reverter a desindustrialização.
Agora se busca recuperar a indústria naval, aproveitando o petróleo descoberto debaixo da camada de sal no leito do Oceano Atlântico, perto da costa brasileira. Para impulsionar a produção nacional foi criada uma legislação que exige componentes variáveis e crescentes de origem nacional, que podem chegar a até 70% do total da construção de cada navio, plataforma, sonda e demais equipamentos destinados à atividade petroleira.
Todo esse esforço, baseado em intervenções do Estado, como estímulos tributários ou financeiros a setores escolhidos e medidas consideradas protecionistas, incluindo barreiras aduaneiras e a imposição de muito conteúdo nacional em produtos como automóveis, além dos navios petroleiros, provoca a rejeição por parte de muitos analistas de correntes liberais, com forte audiência entre os operadores e os meios de comunicação especializados em economia.
A desindustrialização não é necessariamente uma “doença”, já que “a indústria vai mal, mas o Brasil vai muito bem”, com muito emprego e salários elevados, resumiu o economista Edmar Bacha, em entrevistas realizadas no ano passado ao anunciar o livro coletivo que organizou sob o título O futuro da indústria no Brasil, publicado este mês.
Em sua análise, o setor manufatureiro brasileiro perdeu competitividade principalmente pela explosão salarial que elevou custos. A média salarial no Brasil, em dólares, cresceu 14,4% ao ano entre 2006 e 2011, um recorde mundial longe de ser ameaçado por Austrália, que aparece em segundo lugar com 9%, segundo os coautores do livro, Beny Parnes e Gabriel Hartung.
Bacha, que participou de governos anteriores que implantaram políticas econômicas mais liberais, afirmou que a competitividade não se constrói com protecionismos, mas com maior abertura comercial, que permita a integração com as cadeias produtivas internacionais. O México é apresentado como um exemplo disso.
Ampliando o olhar dos especialistas, a única coincidência sobre as causas da perda de capacidade industrial é a falta de competitividade. Há divisões tanto na interpretação de suas origens como em seu significado e remédios, segundo o lugar onde se detém cada observador. Os analistas vinculados ao setor primário, por exemplo, questionam a primazia atribuída à indústria como promotora do progresso e da inovação. Argumentam que a agricultura agrega hoje muita tecnologia e muito conhecimento, incorporando pesquisa científica e mecanização.
Mas no governo brasileiro se destacam os “desenvolvimentistas”, começando pela presidente Dilma Rousseff. Por isso é irônico que a queda da indústria se acentue enquanto o país é administrado por dirigentes que priorizam o setor e que, para recuperar sua competitividade, adotaram medidas acusadas de serem extremamente intervencionistas pelos partidários de soluções de mercado.
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