segunda-feira, 18 de março de 2013

A MISSÃO DE FRANCISCO

A MISSÃO DE FRANCISCO

PAIXÃO À PRIMEIRA BÊNÇÃO
Autor(es): » DIEGO AMORIM Enviado especial
Correio Braziliense - 14/03/2013
 

Maior desafio do novo pontífice é tirar a Igreja Católica da crise e levá-la para mais perto do povo.
Primeiro jesuíta, e também latino-americano, a sagrar-se papa, o cardeal argentino Jorge Mario Bergoglio, 76 anos, pertence a uma ordem que se notabilizou por levar o catolicismo a regiões recém-descobertas, como as missões que catequizaram índios no Brasil e em países vizinhos. Por isso, sua eleição sinaliza que a Igreja Católica fez uma clara opção: quer estar mais perto do povo, com menos pompa e mais trabalho de evangelização, à imagem e semelhança de seu novo líder. Avesso à ostentação, Bergoglio trocou a vida em palácio por um apartamento simples, prepara a própria comida, deixou de lado motorista e carro oficial para andar de metrô e ônibus. Não à toa, decidiu chamar-se Francisco. Seria homenagem a São Francisco de Assis, que renunciou à vida mundana, virou frade e acabou liderando a renovação da Igreja à época. Mas, para a Argentina, a eleição de Bergoglio é controversa. Pesam contra ele, no país, denúncias de que colaborou no sequestro de dois jesuítas e de bebês durante a ditadura militar. Ele nega.
I - Retomar o dom evangelizador
O Latino-americano Bergoglio precisa se voltar para os povos mais pobres e dar a eles a atenção especial que o Vaticano nunca ofereceu.
II - Reexaminar o papel da Igreja
João XXIII propôs um retorno em cinco séculos para que a Igreja fizesse um autoexame. Daí surgiu o Concílio Vaticano II.
III - Reformara Cúria Romana
Espera-se que o novo pontífice acabe com as divisões internas e escolha assessores capazes de traduzir os anseios da comunidade.
IV - Restaurar a credibilidade
Escândalos como os do banco do Vaticano e do VatiLeaks minaram a confiança na administração dos assuntos internos da Igreja.
V - Estancar a fuga de fiéis
Terá que recuperar o terreno perdido para os evangélicos e para o islamismo e conter a diminuição do catolicismo na Europa.
VI - Combater com rigor a pedofilia
As famílias e as vítimas de abusos sexuais cobram ações e respostas mais rápidas do Vaticano na apuração das denúncias.
VII - Conviver com a sombra de Bento XVI
Como há mais de 600 anos não acontecia, Francisco terá que reger seus fiéis com seu antecessor ainda vivo e influente.

Ao anoitecer do segundo dia de conclave, o cardeal argentino Jorge Mario Bergoglio surpreendeu a multidão de fiéis e o mundo como o papa Francisco

Papa Francisco

Cidade do Vaticano — O povo queria papa. E, mesmo tão esperado, ele veio de surpresa. Estava escuro, fazia 8ºC e a chuva fina não parava de cair na Praça de São Pedro. A segunda tarde do conclave estava terminando e a expectativa dos fiéis era crescente depois da fumaça negra ao fim de quatro votações, a primeira delas na véspera. A multidão, embaixo de guarda-chuvas coloridos, ainda repetia cânticos e orações quando ecoaram os primeiros gritos de euforia. O relógio marcava 19h08 (15h08 em Brasília) quando a chaminé da Capela Sistina expeliu fumaça branca, anunciando que os 1,2 bilhão de católicos tinham um novo líder. A multidão em êxtase precisou esperar praticamente mais uma hora até que as luzes do balcão central da Basílica de São Pedro se acenderam e o cardeal-díacono Jean-Louis Tauran surgiu para o aguardado anúncio: “Habemus papam!”

O 266º pontífice é o primeiro a adotar Francisco como nome. É também o primeiro formado na Companhia de Jesus. E o primeiro da América Latina: os 115 cardeais eleitores escolheram o argentino Jorge Mario Bergoglio, 76 anos. No conclave de 2005, o cardeal Bergoglio era um nome forte e rivalizou com o alemão Joseph Ratzinger, eleito papa Bento XVI. Desta vez, ele mal figurava na lista dos papabili. “Argentino, argentino!”, vibrou imediatamente o grupo de hermanos na praça, identificado pela bandeira celeste. “Não dá para acreditar, não é possível. Quem poderia imaginar?”, perguntava, com os olhos arregalados, o operador de telemarketing argentino Claudio Mariani, 46 anos, assediado por jornalistas do mundo inteiro.

Com as varandas laterais da Basílica ocupadas pelos cardeais, as cortinas vermelhas de veludo se abriram novamente para a primeira aparição do papa Francisco. Sob os olhares do mundo, Sua Santidade surgiu, de branco da cabeça aos pés. “Vocês sabem que o objetivo do conclave era dar um bispo a Roma. E parece que meus amigos cardeais foram buscar quase no fim do mundo. Mas aqui estamos”, brincou, logo no início, arrancando risos e aplausos.

Antes da protocolar bênção Urbi et Orbi (“para a cidade e para o mundo”), o papa que não aparecia nas bolsas de apostas nem nos cenários traçados pelos mais experientes vaticanistas iniciou o pontificado surpreendendo. Em italiano, com fala mansa e pausada, conduziu uma oração pelo predecessor e puxou em seguida um pai-nosso, uma ave-maria e um glória ao pai — as três rezas mais triviais da fé católica. Depois, o gesto que silenciou a multidão: do alto da Basílica, o homem que acabara de ocupar o cargo máximo da Igreja Católica curvou-se, por conta própria, para receber as preces do povo. “Começamos este caminho, bispo e povo, juntos, em irmandade, amor e confiança recíproca. Rezemos uns pelos outros, por todo o mundo, para que haja uma grande irmandade”, pediu, antes de desejar boa noite e bom descanso.

Papa pop

Em poucos minutos, o papa Francisco conquistou os fiéis. “Gostei da primeira impressão. Ele pareceu simpático e bem acessível”, opinou a estudante portuguesa Cristina Neves, 21, que faz intercâmbio em Roma. “É um latino-americano! Agora, estou me sentindo representado”, comemorava o seminarista boliviano Israel Huasco, 28.

Enquanto os fiéis dispersavam, a enfermeira brasileira Vânia Moura, 40 anos, que vive em Roma há 13, ainda enxugava as lágrimas. “As palavras e o jeito de falar dele me tocaram. Senti um calor de pai, de avô, como se ele fosse da minha família”, dizia, tentando explicar a emoção. “Ele puxou orações que a gente aprende criança. E pediu que a gente o abençoasse. Foi incrível”, emendou a freira catarinense Deisi Naibo, 29, também residente na capital italiana.

De batina molhada e terço em mãos, padres davam pulos de alegria. Freiras choravam e sorriam ao mesmo tempo, enquanto jovens se abraçavam. “Simplesmente, não acredito que estou vivendo isso”, era tudo o que conseguia dizer o psicólogo catarinense Cristian Stassun, 28 anos, que faz doutorado em Roma. As cenas, embaladas pelo ressoar dos sinos, eram de vitória e de alívio na praça tomada pela multidão, avaliada em 100 mil pessoas. Bandeiras de vários países — incluindo as brasileiras — tremulavam, dividindo espaço com tablets, celulares e câmeras. Os brados estridentes de “Viva o papa!” vinham de todos os lados.


Reencontro (quase) marcado

Pouco depois de ser eleito, o papa Francisco falou por telefone com o antecessor, Bento XVI, informou o porta-voz do Vaticano, padre Federico Lombardi. Os dois combinaram um primeiro encontro “em breve”, acrescentou o padre Lombardi, que aproveitou para ressaltar a empatia imediata entre o pontífice e os fiéis que lotaram a Praça de São Pedro. “Ele fez um belo gesto ao pedir sua bênção e ao se curvar (ante os fiéis).”


Agenda lotada

Francisco tem pela frente uma pequena maratona de compromissos nos primeiros sete dias de pontificado. Hoje, o papa deve acordar cedo para uma “visita particular” à Basílica de Santa Maria Maior. “Vou rezar à Virgem para que ela proteja a cidade de Roma”, anunciou, em sua primeira declaração como bispo da capital italiana. À tarde, por volta das 13h, o pontífice celebrará missa na Capela Sistina com os demais 114 cardeais eleitores. Amanhã, às 7h, receberá o Colégio Cardinalício na Sala Clementina. No sábado será a vez dos jornalistas e responsáveis pela comunicação do Vaticano. O primeiro domingo do novo papa marcará sua primeira bênção do Ângelus, pronunciada às 8h (6h em Brasília) dos aposentos oficiais. A missa de entronização será celebrada em 19 de março — dia de São José —, na Basílica de São Pedro. A semana do pontífice termina com uma audiência aos delegados fraternais, sem a tradicional audiência geral das quartas-feiras.

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