Se um Hamas era ruim, dois é pior
Cisão no grupo terrorista palestino complica o já atribulado conflito árabe- israelense
De boas intenções, o inferno e o Oriente Médio estão cheios. Desde que revoluções populares começaram a derrubar ditadores na Tunísia, no Egito e na Líbia, há um ano, diplomatas árabes passaram a marcar reuniões para sanar as divergências entre os grupos que dirigem os dois territórios palestinos: o partido laico Fatah, que governa a Cisjordânia, e o grupo islâmico Hamas, no comando da Faixa de Gaza. Desde 2006, a participação do Hamas em ambos os governos atravanca as negociações de paz com Israel. O primeiro país a se candidatar para intermediar a briga foi o Egito, com o moral em alta após a queda de Hosni Mubarak. Depois, foi a vez das monarquias da Jordânia e do Catar de tentar uma reconciliação. Um a um, os acordos viraram poeira no deserto. Hamas e Fatah continuam rivais. A novidade é que agora existem dois Hamas.
O primeiro é o do exílio, com sede na Síria e liderado por Kalid Meshal. De Damasco, ele comandava as brigadas Al-Qassam, seu braço armado e terrorista. Seus membros eram protegidos pelo ditador sírio Bashar Assad. Apesar de o Hamas ser da corrente muçulmana sunita e de Assad ser alauita, considerada uma vertente do xiismo, ambos tinham algo em comum: viviam do dinheiro enviado pelos aiatolás iranianos para fazer frente a Israel. O segundo Hamas é o que governa a Faixa de Gaza desde 2007, quando seus soldados deram um autogolpe e mataram mais de uma centena de rivais do Fatah.
O racha no Hamas se deu em meados do ano passado. O governo de Assad já havia assassinado milhares de cidadãos quando o Irã pediu que o grupo palestino apoiasse o regime sírio. Meshal e sua turma se recusaram a endossar o massacre de sunitas, anulando assim a aliança circunstancial com o Irã e a Síria e voltando-se para a fidelidade de tribo. Como reprimenda, os cheques iranianos sumiram. O escritório do Hamas em Damasco foi abandonado e Meshal tornou-se mais moderado. Nas conversas diplomáticas, ele reconheceu as fronteiras palestinas da maneira como preveem os tratados da ONU – o que representa uma aceitação tácita de Israel – e falou em reduzir a hostilidade em relação ao estado judeu. Já o primeiro-ministro em Gaza, Ismail Haniyeh, do segundo Hamas, reafirmou o objetivo de destruir Israel e até reprimiu uma manifestação de palestinos indignados com a matança de sunitas na Síria. As promessas de Meshal no exterior não têm valor algum para esse Hamas.
Há duas semanas, no Catar, onde se estabeleceu após sair da Síria, Meshal apertou as mãos de Mahmoud Abbas, do Fatah. Os dois prometeram criar um governo conjunto em que Abbas acumularia os postos de presidente e de primeiro-ministro da Autoridade Palestina. O acordo foi rechaçado pelo outro Hamas. O líder religioso do grupo em Gaza, Mahmoud Zahar, desautorizou Meshal e disse que ninguém no território tinha sido consultado previamente. Na semana passada, Ismail Haniyeh foi ao Irã para reafirmar os laços com a teocracia xiita e obteve o compromisso do líder supremo, Ali Khamenei, e do presidente, Mahmoud Ahmadinejad, de ter todo o apoio necessário para seguir na luta contra Israel. Khamenei ainda alertou o palestino sobre infiltrações de agentes do Fatah em seu grupo. Gaza continua assim como um posto avançado e um depósito de munições do Exército iraniano, que pretende usar o território em uma guerra contra Israel – um cenário cada vez mais provável, considerando-se a recusa do Irã em suspender seu programa nuclear e a disposição de Israel de impedir a construção de um arsenal atômico persa. Na semana passada, o Irã inaugurou 3 000 novas centrífugas para produzir urânio enriquecido, o combustível da bomba.
Quando o Hamas assumiu o poder na Faixa de Gaza, especulava-se que talvez a necessidade de governar obrigasse o grupo a ser mais pragmático e, portanto, moderado. Mais preocupante era a atuação do seu braço exilado, que longe das responsabilidades do cotidiano poderia se apegar à ideologia e às táticas terroristas. Os fatos das últimas semanas indicam que ocorreu o contrário. O Hamas no exterior negocia, e o Hamas no governo se arma. Triste é saber que quem agora opta pela moderação não é ouvido por aqueles que teriam condições de pôr essa nova postura em prática. A resposta para essa reviravolta está nos ventos que sopram do Irã. (VEJA - 18/02/2012)
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