‘Insurgência contra regime sírio é sustentada pelo Ocidente’
Por Luiz Alberto Moniz Bandeira
Publicado em Carta Capital de 28/03/2012
Parece loucura que a oposição levantada na Síria desde
26 de janeiro de 2011 ainda continue e se desdobre, mais de um ano, sob a
forma de luta armada, apesar da dura e sangrenta repressão do governo
de Bashar al-Assad. Mas conforme comentou Polônio a respeito do
comportamento de Hamlet, “embora seja loucura, há um método nela”. Não
obstante existissem condições objetivas e subjetivas para as sublevações
que ocorreram e ocorrem nos países árabes, o cartel das potências
industriais do Ocidente, liderado pelos Estados Unidos e seus sócios da
União Europeia, armou uma equação, com ampla dimensão econômica,
geopolítica e geoestratégica, sobretudo por trás das sublevações na
Líbia e na Síria, iniciadas em 2011.
Os Estados Unidos e demais potências ocidentais
pretendem assumir o controle do Mediterrâneo e isolar politicamente o
Irã, aliado da Síria, bem como restringir a influência da Rússia e da
China no Oriente Médio. A Rússia, desde 1971, opera o porto de Tartus,
na Síria, e projeta reformá-lo e ampliá-lo, como base naval, em 2012, de
modo que possa receber grandes navios de guerra e garantir sua presença
no Mediterrâneo. Consta que a Rússia também planeja instalar bases
navais na Líbia e no Iêmen. E o financiamento da oposição na Síria
desde 2005 visou a desestabilizar e derrubar o regime de al-Assad, que
representa um obstáculo, a fim de impedir o aprofundamento de suas
relações com a Rússia.
A queda do regime sírio após a derrubada de Muammar
Kaddafi na Líbia permitiria suprimir a presença da Rússia, onde ela
mantém duas bases navais (Tartus e Latakia), cortar as vias de
suprimento de armas para as organizações pró-xiitas Hisbollah, no
Líbano, e Hamas, na Palestina, conter o avanço da China sobre as fontes
de petróleo, isolar completamente e estrangular o Irã, com a conseqüente
eliminação do governo de Mahmoud Ahmadinejad. O resultado da equação,
ao mudar completamente o equilíbrio de forças no Oriente Médio, seria o
estabelecimento pelos Estados Unidos e seus sócios da União Européia da
full-spectrum dominance, ou seja, o pleno domínio territorial, marítimo, aéreo e espacial, bem como apossar-se de todos ativos do Mediterrâneo.
O objetivo de controlar o Mediterrâneo, Washington e
Madri manifestaram abertamente com o acordo, anunciado em 5 de outubro
de 2011, pelo qual a base naval de Rota (Cádiz), na Espanha, devia
albergar quatro destróieres, equipados com antimísseis (BMD) da Marinha
dos EUA e operados por 1,1 mil militares e cem civis, como um sistema de
defesa da OTAN, a pretexto de prevenir ataques de mísseis balísticos do
Irã e da Coréia do Norte, e será acompanhado por outros sistemas, na
Romênia, Polônia e Turquia. E a derrubada do regime de Assad é
fundamental para o êxito da equação.
Os aliados ocidentais sabem que não podem aplicar à
Síria a mesma estratégia da Líbia, através da OTAN, extrapolando
criminosamente a resolução do Conselho de Segurança da ONU. O apoio à
sublevação na Síria e o sistema antimísseis, implantado a partir da
Espanha, indicam que o alvo é realmente a Rússia, ainda percebida pelos
Estados Unidos como seu grande rival, razão pela qual Moscou e Beijing
vetaram a resolução do Conselho de Segurança contra o regime de
al-Assad. Sua derrubada, após a de Kaddafi, completaria o controle do
Mediterrâneo… Isso se os fundamentalistas islâmicos não capturarem os
governos na Síria como virtualmente já fizeram na Líbia e provavelmente
farão no Egito.
A insurgência na Síria envolve interesses de diferentes
matizes, tanto políticos quanto religiosos, de países da região
(Turquia, Arábia Saudita e Qatar). Tudo indica, porém, que a conquista
das fontes de energia no Mediterrâneo seja um dos principais motivos
pelos quais os Estados Unidos e seus aliados estejam a encorajar
abertamente a mudança do regime. Embora a produção de petróleo, na
Síria, seja modesta, da ordem de 530 mil barris por dia, não se pode
descartar, inter alia, esse fator como rationale da
sangrenta resistência, concentrada na cidade de Homs. É preciso
considerar todos os fatores a determinar o apoio à insurgência, que o
Ocidente, por meio de diversos mecanismos, inclusive com a guerra
psicológica presente na mídia internacional, e em aliança com as
monarquias absolutistas do Oriente Médio.
As reservas de petróleo na Síria são estimadas em 2,5
bilhões de barris, situadas principalmente na parte oriental do país,
próxima à fronteira com o Iraque, ao longo do Eufrates, havendo apenas
um pequeno número de campos, na região central. Sua localização é
estratégica em termos de segurança e de rota de transporte de energia,
cuja integração se esperava aumentar com a inauguração, em 2008, do Arab
Gas Pipeline, e a inclusão no gasoduto da Turquia, Iraque e Irã. E a
Síria construiu um sistema de oleodutos e gasodutos controlados pela
empresa estatal Syrian Company for Oil Transportation (SCOT) a fim de
transportar óleo cru e refinado para os portos Baniyas, situados 55
quilômetros ao sul de Latakia e 34 ao norte de Tartus, onde se encontram
as duas bases navais da Rússia.
Em fevereiro de 2012, os terroristas da al-Qaeda
atacaram e explodiram a maior refinaria de Síria, localizada em Bab
Amro, distrito 7 quilômetros a oeste do centro de Homs (também chamada
Hims), cidade em que se concentra a oposição ao regime de Assad. A
refinaria se liga, através de um oleoduto inaugurado em 2010, aos
campos de petróleo no leste da Síria, à estação de Tel Adas e ao porto
de Tartus.
O interesse das potências ocidentais aponta, sobretudo,
para os ativos petrolíferos no mar da região. Segundo o ministro do
Petróleo e Recursos Naturais da Síria, Sufian Allaw, os estudos
científicos modernos indicaram a existência de enorme reserva de gás
natural, calculada em 122 trilhões de pés cúbicos, e petróleo, da ordem
de 107 bilhões de barris, ao longo da plataforma marítima da Síria.
Diversas companhias anunciaram recentemente terem descoberto importantes
reservas de gás e petróleo, mas a exploração é complicada devido às
tensões entre os países da região.
As reservas, em águas profundas, nas camadas sub-sal, a
leste do Mediterrâneo, próxima à Bacia Levantina, estendem-se ao longo
dos 193 quilômetros da costa da Síria até o Líbano e Israel.
Desde 2010 esses dados são conhecidos. A partir de então, o Great Game
na região intensificou-se dramaticamente com a descoberta na zona
econômica exclusiva de Israel, na Bacia Levantina, de gigantesca reserva
de gás natural denominada Leviatã. Os geólogos da U.S. Geological
Survey calculam que área, abrangendo o litoral Israel, Líbano e Síria,
contém ainda reservas que podem ser recuperadas, com o uso das atuais
tecnologias disponíveis.
O Líbano questionou na ONU a exploração de tais
reservas, dado que também se estendem à sua zona econômica exclusiva,
mas Israel não está disposto a ceder sequer “uma polegada”, conforme
declarou seu ministro do Exterior, Avigdor Lieberman. E a companhia
petrolífera americana Nobler Energy, sediada em Houston, anunciou em
fevereiro de 2012 a descoberta em Tanin, 13 milhas ao noroeste do campo
de Tamar, na plataforma maritíma de Israel, de outro campo de gás
natural, prospectando uma profundidade de 18-212 pés: um depósito de
aproximadamente 120 pés de gás natural espesso.
De acordo com as estimativas, os depósitos de gás na
Bacia Levantina são da ordem de aproximada de 3,5 trilhões de metros
cúbicos. As descobertas na zona econômica exclusiva de Israel, dos
campos de Marie B, Gaza Marine, Y ½, Leviatã, Dalit e Tamar somavam no
ano passado 800 bilhões de metros cúbicos de gás. A exploração do
campo Leviatã I, em 2011, havia alcançado 5.170 metros de profundidade.
Neste ponto, os depósitos de gás natural eram estimados em 16 trilhões
de metros cúbicos. No nível de 7,2 mil metros, estima-se uma reserva
adicional de 250 milhões de metros cúbicos. As grandes descobertas da
Nobler Energy, que explora a zona econômica exclusiva de Israel, são
estimadas entre 900 bilhões e 1,4 trilhão de pés cúbicos de gás. Ao lado
de tais reservas de gás, há a possibilidade da existência de 4,2
bilhões de barris de óleo.
As grandes reservas de óleo e gás, ao longo da Grécia,
Turquia, Chipre, Síria, Líbano e Israel, são da maior importância
geoeconômica, geopolítica e geoestratégica, uma vez que podem abastecer
diretamente o Estados Unidos e a União Européia e evitar as ameaças de
interrupção no Golfo Pérsico, por onde atualmente milhões de barris do
hidrocarbonetos são transportados em navios-tanques e oleodutos. A
disputa dessas fontes de gás e óleo, na Bacia Levantina, constitui
também fator do litígio geopolítico entre a Turquia e a República de
Chipre, bem como entre Israel e o Líbano, evidenciando o grau da
relevância estratégica da Bacia Levantina, que se estende do mar da
Líbia à Síria.
Em 24 de março de 2011, o ministro do Petróleo e
Recursos Minerais e a General Petroleum Corporation (GPC), empresas
estatal da Síria, anunciaram a abertura de uma concorrência
internacional para a exploração e produção de petróleo, oferecendo três
blocos (I, II e III), cada um com 3 mil km2 em uma extensão total de 9.038 Km2 , localizados offshore, na zona econômica da Síria.
O anúncio da concorrência excitou as empresas
petrolíferas, ao abrir a perspectiva de acesso aos hidrocarbonetos, em
uma área sub-explorada e considerada como a verdadeira fronteira da
exploração de petróleo no Mediterrâneo. O centro desse projeto são 5
mil quilomêtros de “long-offset multi-client 2D seismic data”,
ou seja, dados geológicos (coletados através de explosões que provocam
ressonâncias sísmiscas, como uma espécie de pequeno terremoto
controlado) adquiridos pela companhia francesa CGGVeritas, em 2005, para
exploração em águas profundas, entre 500 e 1,700 m.
A Síria é uma arena onde as rivalidades não são apenas
políticas, geopolíticas, mas também religiosas. Essa particularidade
está no transfondo da luta armada contra o regime de Bashar al-Assad, sustentado pela Rússia e pelo Irã. Aí estão no Great Game
os interesses hegemônicos da Turquia, na região, bem como dos Estados
Unidos, França, Reino Unido e seus aliados da Liga Árabe. E não existe
mais a menor dúvida de que a insurgência contra o regime de Bashar
al-Assad é sustentada com armas e dinheiro pelas potências ocidentais e
pelos seus aliados do Conselho de Cooperação do Golfo (CCG), as seis
monarquias mais retrógradas e absolutistas do Oriente Médio, entre quais
a tirania teocrática wahhabista do rei Abdallah bin Abdul Aziz Al-Saud,
da Arábia Saudita, e do seu aliado, o emir de Qatar, o xeque Hamad bin
Khalifa Al Thani.
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