sexta-feira, 30 de março de 2012

Golpe de 1964: Os fantasmas da ditadura

Golpe de 1964: Os fantasmas da ditadura

Violência ressurge nas feridas da ditadura
Autor(es): » JÚNIA GAMA
Correio Braziliense - 30/03/2012
 

O Brasil é denunciado por não investigar a morte de Vladimir Herzog, em 1975. Aos gritos de "torturadores" e "assassinos", 300 pessoas protestaram na porta do Clube Militar, no Rio


Representantes de movimentos sociais e militares da reserva entram em confronto no Rio, dois dias antes de o golpe de 1964 completar 48 anos. Os dois lados demonstram insatisfação com a demora na instalação da Comissão da Verdade

Na antevéspera dos 48 anos do golpe de 1964, uma comemoração de militares da reserva acabou em tumulto ontem à tarde, no centro do Rio de Janeiro. Cerca de 300 representantes de movimentos sociais e de partidos políticos como o PSol e o PCdoB, além de familiares de vítimas da ditadura, bloquearam a entrada principal do Clube Militar, na Cinelândia, e tentaram impedir a entrada e saída dos oficiais da reserva. Os manifestantes gritavam palavras de ordem, referindo-se aos militares como "torturadores" e "assassinos". Houve confronto físico e um jovem, que tentou agredir um dos oficiais reformados, acabou preso. Depois de prestar depoimento, acabou liberado.
Segundo informações da PM, os manifestantes espalharam tinta vermelha na escadaria principal do Clube Militar, para representar "o sangue derramado durante a ditadura". Os jovens portavam cartazes com dizeres como "Ditadura não é revolução" e "Onde estão nossos mortos e desaparecidos do Araguaia?", além de fotografias de pessoas que sumiram durante o regime. A tropa de choque da Polícia Militar teve que usar bombas de efeito moral e spray de pimenta para dispersar os participantes e formou um cordão de isolamento entre o clube e uma estação de metrô próxima ao local para viabilizar a saída dos militares.
O clima de apreensão contaminou o ambiente, onde o evento 1964 – A Verdade estava sendo realizado entre as 15h e as 17h de ontem. Após a cerimônia, funcionários da entidade ainda hesitavam em deixar o local com medo de novos confrontos. "É uma coisa terrível, os funcionários não têm nada a ver com isso. Estamos com medo de descer para voltar para casa", disse uma das empregadas.
O general da reserva Luiz Eduardo Rocha Paiva, um dos três palestrantes do evento, que tornou-se uma espécie de porta-voz das insatisfações da caserna com a Comissão da Verdade, relatou ao Correio que, apesar do tumulto no exterior do prédio do Clube Militar, o evento foi executado conforme previsto. "Ficamos aborrecidos porque os manifestantes ficaram ofendendo quem entrava e saía do clube, mas conseguimos fazer todas as palestras e discussões", afirma.
O tom do encontro, segundo militares presentes, foi de incentivo às manifestações da reserva sobre "temas políticos". Mais comemorações da data estão previstas para amanhã, data do golpe de 1964, com missas e palestras em Brasília, Belo Horizonte e outras capitais.
"Apologia ao crime"
O senador Randolfe Rodrigues (PSol-AP), que apresentou na semana passada requerimento de informação sobre a demora na instalação da comissão, protestou contra a celebração dos militares. "Isso é apologia ao crime, um atentado contra o estado de direito. Comemorar um golpe que quebrou a ordem democrática, impôs ao Brasil 20 anos de terror e tortura, equivale a celebrar, na Alemanha, o aniversário de Hitler", comparou.
O Ministério da Defesa monitorou os fatos ocorridos no Rio com apreensão, mas preferiu não pronunciar-se oficialmente. Internamente, há uma avaliação de que o confronto acirra ainda mais os ânimos, exaltados desde que a reserva reagiu à declarações da ministra de Direitos Humanos, Maria do Rosário, de que a Comissão da Verdade poderia resultar em condenações daqueles que tenham cometido crimes durante a ditadura.
A maior preocupação da pasta, no entanto, é evitar manifestações de oficiais da ativa. No ano passado, uma "operação abafa" abortou de última hora uma palestra que seria dada pelo general Augusto Heleno, a poucos dias de ir para a reserva, intitulada A Revolução que salvou o Brasil. A presidente Dilma Rousseff proibiu militares da ativa de realizar qualquer comemoração relativa ao golpe de 31 de março.
Os confrontos entre os dois grupos antagônicos — militares da reserva e grupos em defesa dos direitos humanos — derivam do clima de tensão agravado com a demora na instalação da Comissão da Verdade. A lei que cria o colegiado foi sancionada em novembro do ano passado e as expectativas são de que a presidente Dilma Rousseff anuncie os sete nomes que irão compor a comissão logo após sua viagem aos Estados Unidos, entre 9 e 11 de abril. As discussões sobre a validade da Lei da Anistia — estava prevista para ontem a análise, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), da aplicação da lei em casos de crimes "permanentes" — também contribuem para elevar a temperatura.

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