quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Mensalão faz Câmara contrariar Supremo

Mensalão faz Câmara contrariar Supremo

Câmara desafia decisão do Supremo
Autor(es): ADRIANA CAITANO DIEGO ABREU
Correio Braziliense - 21/11/2013
 
Henrique Alves anuncia que não cumprirá a determinação de cassar o mandato de Genoino, preso na Papuda. Caso será votado em plenário

Em mais um capítulo da queda de braço entre o Judiciário e o Legislativo, a Câmara decidiu descumprir a determinação do Supremo Tribunal Federal (STF) de cassar automaticamente o mandato do deputado José Genoino (PT-SP), preso no Complexo Penitenciário da Papuda desde o último sábado. O presidente da Casa legislativa, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), confirmou ontem que o processo de cassação, a ser aberto hoje, em reunião da Mesa Diretora, seguirá para a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e, depois, para o plenário. O trâmite deverá ser idêntico ao aplicado a Natan Donadon (sem partido-RO), que teve o mandato mantido em agosto pelos colegas, mesmo preso na Papuda. A decisão também deve balizar o caso dos demais deputados condenados no mensalão — Pedro Henry (PP-MT) e Valdemar Costa Neto (PR-SP). Ministros do Supremo criticaram a decisão de Henrique.

O presidente da Câmara havia anunciado, na terça-feira, que esperaria o envio de alguma notificação do STF sobre a prisão de Genoino antes de tomar qualquer decisão. Na noite do mesmo dia, a Corte enviou à Casa um documento informando que as punições aos condenados no julgamento do mensalão começaram a ser cumpridas, sem dar mais detalhes. Henrique considerou o texto suficiente para convocar uma reunião da Mesa Diretora, a ocorrer na manhã de hoje. No encontro, o comando do parlamento deverá abrir o processo de perda do mandato do petista. “É assim que o rito regimental determina. Encaminha-se à CCJ e aí tramita normalmente, até o processo final no plenário da Casa”, comentou Alves.

Alves foi orientado pelo secretário-geral da Câmara, Mozart Vianna, que já havia adiantado ser contra o entendimento de que a Casa deveria apenas subscrever a ordem do Supremo e cassar os condenados automaticamente. A tese sugerida por Vianna foi aplicada também no caso de Donadon. Na vez dele, a Mesa nem chegou a esperar uma notificação do Supremo, iniciando o processo no mesmo dia em que o STF decretou sua prisão, em junho. O pedido de cassação do deputado chegou ao plenário em agosto e, por falta de quórum, ele acabou mantido no cargo, sob o véu do voto secreto.

Na época, o PSDB protocolou um mandado de segurança na Corte pedindo que a sessão fosse anulada porque a Câmara deveria ter cumprido a ordem de cassar o mandato de Donadon sem submetê-la ao plenário. Em setembro, o ministro do STF Luís Roberto Barroso concedeu liminar, suspendendo a decisão do parlamento. Na semana passada, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, emitiu parecer concordando que a cassação deveria ser imediata.

Para ministros do STF, a perda automática de mandato ainda poderá ser rediscutida em plenário, mas a decisão da Corte deveria ser cumprida, principalmente, para evitar a figura do deputado presidiário. “Se há uma posição que exige uma máxima liberdade é a de parlamentar. Eu não consigo imaginar que um deputado tenha que negociar com seu carcereiro: ‘Olha, deixa entrar às 20h porque a sessão começou às 18h’. Isso é nonsense completo, essas pessoas não estão soltas, não estão liberadas para passear por aí e voltarem quando quiserem”, destacou Gilmar Mendes. “Não houve a preclusão maior quanto à perda (dos mandatos) e não houve porque nós tivemos quatro votos vencidos. Essa matéria está abordada em embargos infringentes”, observou o ministro Marco Aurélio Mello.

A vice-procuradora-geral da República, Ela Wiecko, disse não ter clareza quanto à hipótese de a Câmara estar descumprindo decisão judicial ao não cassar imediatamente o mandato de Genoino. Perguntada se Henrique Eduardo Alves está sujeito a responder por crime de responsabilidade, ela negou: “Acho que não. Faz parte da política, das decisões. Não é coisa assim tão clara que isso é descumprimento de decisão judicial”.

Benefícios
Na reunião da Mesa Diretora da Câmara de hoje, os integrantes do colegiado poderão também discutir se serão mantidos os benefícios pagos aos parlamentares condenados — os recursos de Pedro Henry e Valdemar Costa Neto se esgotaram e eles podem ser presos a qualquer momento. No caso de Genoino, o mais provável é que o salário de R$ 26,7 mil que ele recebe, mesmo estando afastado por problema de saúde, continue sendo pago até janeiro, quando vence a licença e deve ser analisado o pedido de aposentadoria feito pelo deputado. Já a situação de Valdemar e Henry será questionada pela diretoria-geral, mas poderá ficar de fora da discussão, sob a justificativa de que a prisão deles ainda não foi decretada.

Em julho, ainda antes de Natan Donadon ter seu processo de cassação votado no plenário, a Câmara suspendeu todos os benefícios do deputado, como salário e cota parlamentar, além de exonerar os assessores e fechar o gabinete. O suplente só foi convocado após os colegas manterem o mandato do rondonense e o presidente Henrique Alves determinar o afastamento do cargo.

Memória
Embates entre os Poderes

Separados pela Praça dos Três Poderes, o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Congresso Nacional tiveram embates recentes, nos quais um acusa o outro de passar por cima de prerrogativas constitucionais. Ao mesmo tempo em que alguns parlamentares utilizam a Corte para tentar derrubar decisões já tomadas no parlamento, os comandos da Câmara e do Senado se irritam com o que chamam de “intromissão” do Judiciário em suas atividades. O incômodo demonstra-se mais forte desde que os ministros iniciaram o julgamento do mensalão.

A briga já havia ocorrido em 2008, por exemplo, quando o Supremo derrubou uma decisão dos parlamentares que instituía a cláusula de barreira, limitando a participação na Câmara a partidos que tivessem ao menos 5% dos votos. No ano passado, o STF tomou outra decisão que, apesar de disciplinar um comportamento interno do Congresso, foi alvo de críticas: a exigência para que o parlamento seguisse rito constitucional ao analisar medidas provisórias. Outro exemplo ocorreu em março deste ano, quando a ministra Cármen Lúcia suspendeu os efeitos da lei aprovada no Congresso que redistribuía os royalties do petróleo.

Também houve desconforto na discussão sobre a lei que restringe o acesso de partidos recém-criados ao Fundo Partidário e ao tempo de tevê. A tramitação ficou parada por três meses, entre abril e junho deste ano, enquanto o STF analisava pedido de suspensão feito pelo PSB. A proposta acabou liberada e já foi sancionada pela presidente Dilma Rousseff. (AC)

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