Celso de Mello reabre julgamento, e Fux é o novo relator.
Decano diz que sentimento das ruas não pode se sobrepor à lei e que
recurso assegura direito de defesa.
STF reconhece direito a novo julgamento para 12 réus; Dirceu pode sair
do regime fechado
-BRASÍLIA- Doze dos 25 réus condenados no processo do mensalão ganharam
ontem o direito a um novo julgamento — entre eles o ex-ministro da Casa
Civil José Dirceu. Por seis votos a cinco, o Supremo Tribunal Federal
(STF) admitiu a possibilidade de analisar os embargos infringentes, um
recurso que permite o reexame de provas e a absolvição em crimes cuja
condenação contou com ao menos quatro votos a favor do réu. O voto de
Minerva foi dado pelo ministro Celso de Mello, o mais antigo na Corte,
que disse rejeitar a pressão das ruas sobre o Supremo.
Como há prazos para os advogados entrarem com os recursos e o Ministério
Público Federal se pronunciar, qualquer punição aos mensaleiros pode
ficar apenas para 2014. O ministro Luiz Fux substituirá o presidente
Joaquim Barbosa na relatoria dos recursos.
O tribunal deu prazo de 30 dias para os réus entrarem com os
infringentes, a contar da publicação no Diário da Justiça do acórdão
referente aos embargos declaratórios, recursos cujo julgamento foi
encerrado no último dia 5. A expectativa é que o tribunal leve cerca de
15 dias para publicar o acórdão, mas, pelo regimento, a publicação
poderá ocorrer até o início de novembro. Acórdão publicado, e esgotado o
prazo dos réus, a Procuradoria Geral da República ganha outros 15 dias
para se manifestar.
Na hipótese célere, os prazos encerrariam em meados de novembro, e Fux
elaboraria seu voto imediatamente depois. Em outro cenário, os prazos
terminariam em 19 de dezembro, último dia do ano antes das férias do
tribunal, inviabilizando o desfecho do caso este ano.
EXECUÇÃO DE PENAS FSCA SUSPENSA
Em razão do adiamento da conclusão do processo, a execução das penas dos
12 condenados que têm direito ao embargo infringente ficará suspensa. O
presidente do STF, ministro Joaquim Barbosa, contudo, não mencionou na
sessão de ontem como ficará a situação dos outros 13 réus que não têm
direito aos recursos. A prisão deles deve ser discutida em plenário
quando o tribunal publicar o acórdão.
Se ficar decidido que o grupo não pode mais entrar com nenhum tipo de
recurso, as penas deverão ser executadas imediatamente.
Apontado como chefe da quadrilha do mensalão, Dirceu pode ter sua pena,
atualmente em dez anos e dez meses, diminuída para sete anos e 11 meses,
deixando de cumprir a pena em regime inicialmente fechado e passando ao
regime semiaberto. No ano passado, Dirceu foi condenado por formação de
quadrilha por seis votos a quatro. Por outro lacjd, não há como revisar
a pena de corrupção ativa, crime pelo qual Dirceu foi con denado por
oito votos a dois.
Além de Dirceu, sete réus condenados por formação de quadrilha tiveram
pelo menos quatro votos pela absolvição: o ex-presidente do PT José
Genoino; o ex-tesoureiro do partido Delúbio Soares; o operador do
esquema, Marcos Valério, e seus ex-sócios Ramon Hollerbach e Crisüano
Paz; e os ex-executivos do Banco Rural Ká-tia Rabello e José Roberto
Salgado. Simone Vasconcelos, ex-funcionária de Valério, foi condenada
pelo crime, mas não cumprirá pena porque houve prescrição.
Esses réus têm chance de serem absolvidos do crime de formação de
quadrilha. Isso porque a formação da Corte mudou em relação ao ano
passado, com a substituição de dois integrantes. Recentemente, o STF
absolveu o senador Ivo Cassol (PP-RO) da acusação de formação de
quadrilha, mudando a jurisprudência do tribunal. Se o mesmo ocorrer na
ação penal 470, Delúbio Soares também vai para o semiaberto.
Outros três condenados poderão questionar a pena por lavagem de
dinheiro: o ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha (PT-SP); o
ex-assessor parlamentar do PP João Cláudio Genu; e o doleiro Breno
Fischberg. No caso dos dois últimos réus, eles foram condenados apenas
por lavagem. Ou seja, em tese, podem ser totalmente absolvidos depois do
julgamento dos embargos infringentes. No caso de Cunha, se ele for
absolvido será preso em regime semiaberto, não no fechado, como decidiu o
tribunal no ano passado.
Na semana passada, a votação sobre a legitimidade ou não do recurso foi
interrompida com cinco votos a cinco. O voto de desempate foi dado ontem
pelo mais antigo integrante da Corte, Celso de Mello. Ele defendeu os
infringentes como garantia de um processo justo aos réus. E esclareceu
que a Corte deve agir com correção jurídica, e não para atender os
desejos das ruas.
— Tenho para mim que ainda subsistem, no âmbito do STF, nas ações
penais originárias, os embargos infringentes — arrematou o decano.
Por duas horas, o ministro sustentou que os infringentes estão previstos
no Regimento Interno, de 1980, que tem força de lei. E lembrou que a
Lei 8.038, de 1990, que disciplinou recursos judiciais no STF e no
Superior Tribunal de Justiça (STJ), não tratou dos infringentes, mas
também não os baniu do regimento.
Celso de Mello afirmou que, ao silenciar sobre esse tipo de recurso, a
lei de 1990 criou uma ""típica lacuna intencional" para manter a
validade do regimento do Supremo. O ministro acrescentou que apenas o
Congresso pode extinguir a possibilidade de embargos infringentes para
ação penal no STF. E argumentou que não há outro tribunal ao qual se
possa recorrer de condenação do STF. Daí a importância dos embargos
infringentes.
— No STF, não há uma instância de superposição, e isso é grave. Por
isso mesmo que o STF, no Regimento Interno, sabiamente construiu um
modelo recursal que permite a possibilidade de controle jurisdicional de
suas próprias decisões, porque não há outro órgão do Poder Judiciário
ao qual a parte supostamente lesada possa se dirigir — explicou.
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