terça-feira, 5 de novembro de 2013

VIOLÊNCIA POLICIAL: INQUÉRITO CULPA PMS POR TORTURA E MORTE DE AMARILDO

VIOLÊNCIA POLICIAL: INQUÉRITO CULPA PMS POR TORTURA E MORTE DE AMARILDO

TORTURADO ATÉ A MORTE
O Globo - 03/10/2013
 
 Quando atravessou o portão vermelho que dá acesso à UPP da Rocinha, na noite de 14 de julho, o ajudante de pedreiro Amarildo de Souza estava apreensivo com o que lhe parecia uma detenção injusta, mas não sabia que aquele momento selaria o seu destino e, de certa forma, o da cúpula policial na Rocinha. Com a conclusão do inquérito que indiciou, por crimes de tortura .seguida de morte e ocultação de cadáver, dez policiais militares (entre eles, dois oficiais), o caso Amarildo tornou-se, na opinião de autoridades e especialistas que atuam na área de direitos humanos, um divisor de águas, um recado à tropa de que a prática de tortura não será mais tolerada. Portador de epilepsia, Amarildo, segundo o promotor de Justiça Homero das Neves, foi vítima de sessão de tortura dentro do contêiner da unidade policial da comunidade. Testemunhas ouvidas no inquérito dizem que, ali, vítimas recebiam choques elétricos e asfixia com saco plástico.
Foram dois meses de investigação para se chegar ao que teria sido a origem do crime. Amarildo morreu por métodos violentos — e alheios a qualquer técnica de interrogatório — para extrair a confissão de uma suspeita. De acordo com Neves, os policiais queriam saber se Amarildo era churrasqueiro de traficantes e fazia pequenos serviços para eles. Uma denúncia anônima indicava ainda que ele poderia ter informações sobre onde ficava o paiol do tráfico.
O desfecho repercutiu em Brasília, e a ministra de Direitos Humanos, Maria do Rosário, elogiou ontem a ação da polícia:
— O indiciamento de policiais realizado a partir do inquérito no Rio, no caso Amarildo, indica um amadurecimento das instituições, porque acena com a possibilidade de que agentes do Estado, se vierem a realizar violações de direitos humanos, não ficarão à margem de serem responsabilizados.
Entre os policiais indiciados pelos delegados Rivaldo Barbosa e Ellen Souto, que chefiaram as investigações, estão o major Edson Santos, ex-comandante da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) da Rocinha, e o tenente Luiz Filipe de Medeiros. O promotor adianta que todos serão denunciados à Justiça e que as penas pelos dois crimes podem chegar a 30 anos de prisão, Ele disse que pelo menos outras três testemunhas disseram que um dos contêineres da UPP era frequentemente usado como sala de tortura. O inquérito não descobriu para onde foi levado o corpo de Amarildo. Os PMs deverão ter as prisões preventivas pedidas já que teriam ameaçado e tentado subornar testemunhas.
Além disso, na 15ª DP (Gávea), são apuradas outras denúncias de tortura na Operação Paz Armada, em que várias pessoas da Rocinha foram presas. A Corregedoria de Polícia Civil também investiga desvio de conduta já que, inicialmente, houve sérias divergências entre o delegado titular da 15^ DP, Orlando Zaccone, e o seu ex-adjunto, Ruschester Marreiros. Este último chegou a pedir a prisão da mulher de Amarildo, Elizabete Gomes da Silva.
Na Corregedoria da PM e na Auditoria Militar, há inquéritos sobre o seqüestro de Amarildo e o desvio de recursos da UPP. Conforme O GLOBO revelou anteontem, o major Edson Santos é suspeito de ter desviado dinheiro doado mensalmente por uma empresa de telefonia para o serviço de moto-táxi. Os recursos teriam sido usados para subornar testemunhas, como dois ex-moradores incluídos no Programa de Proteção à Testemunha. Ontem, Rivaldo Barbosa não deu detalhes da investigação, mas observou que ela envolveu vários órgãos da segurança pública:
— Estamos convictos das conclusões do inquérito.
Os policiais negam as acusações, afirmando terem liberado Amarildo. Para a sobrinha do ajudante de pedreiro, Michelle Lacerda, o caso é emblemático para os moradores pobres da cidade:
— Servirá para que os policiais entendam que nas comunidades moram seres humanos.
Segundo o coordenador de Direitos Humanos do MP, procurador Márcio Mothé, a corporação errou ao demorar a afastar o major Edson Santos do comando da UPP.
— O caso merece punição exemplar, para que a tropa se conscientize de que tortura não é um método válido — disse.

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