O impasse Brasil-Argentina
Autor(es): agência o globo:Francisco Ingouville Enrique Szwach |
O Globo - 05/03/2012 |
Contudo, apesar de tanto a teoria econômica como a evidência empírica mostrarem contundentes vantagens do livre comércio frente a economias fechadas, poucos países buscam estabelecer esquemas tarifários uniformes e baixos, e comércio amplamente aberto. Daí a criação de acordos institucionais globais que, ao menos, limitavam e regulavam as restrições de países frente a concorrência do comércio internacional - ainda que estes mesmos acordos tenham sido frequentemente esquecidos, reinterpretados ou ignorados de maneiras diversas. Portanto, visto que o livre comércio foi substituído por um "comércio administrado" por tratados especiais de comércio regional e outros tipos de acordos, a negociação se tornou uma ferramenta de fundamental importância para o bom relacionamento comercial entre países. Segundo o sociólogo, economista e filósofo italiano Vilfredo Pareto, em todas as negociações, a soma do benefício que as partes levam forma o que chamamos de um Máximo teórico. Como humanos e imperfeitos, tendemos a tentar conseguir o maior valor que uma oportunidade oferece para chegarmos a esse Máximo. No vocabulário da negociação chamamos isso de "deixar valor sobre a mesa". Em outras palavras, a teoria indica que um determinado acordo é ótimo para ambos negociadores, porém eles são incapazes de chegar a um ponto de equilíbrio frequentemente por falhas na comunicação. Uma regra verificada com bastante regularidade é que "quanto maior a comunicação, melhores os acordos". Porém, a própria tensão de uma negociação costuma reduzir a comunicação entre as partes. As hipóteses que fazemos sobre a negociação que estamos conduzindo e sobre o outro, frequentemente, desviam a nossa conduta daquela rota que seria a mais conveniente para que se chegasse ao acordo ótimo. Supor, por exemplo, que a negociação é uma confrontação na qual tudo o que um ganha o outro perde, gera uma atitude pouco colaborativa de uma das partes, que será imitada imediatamente pela outra, tendo um efeito devastador sobre a sinergia que o trabalho em equipe pode conseguir. Por outro lado, acreditar que podemos "criar valor" na negociação e que, portanto, não é necessário competir e confrontar, ajuda a que ambas as partes saiam muito mais beneficiadas. Argentina e Brasil possuem um acordo institucional de livre comércio, junto com Paraguai e Uruguai, no âmbito do Mercosul. Isto deveria impedir a introdução de restrições ao intercâmbio comercial dos países membros, salvo exceções fundamentadas e transitórias, de maneira que qualquer medida que impeça o livre comércio na região acabe em violação de acordos prévios. Contudo, em momentos distintos, cada país violou estas condições, utilizando, exageradamente, procedimentos "excepcionais". Agora é a vez da Argentina e seus novos trâmites burocráticos para autorizar importações. Tentar uma negociação exitosa para moderar ou eliminar estas barreiras implica em entender as razões que levaram à Argentina introduzi-las. Isto em negociação chama-se "deixar de falar em uma posição individual, para falar em interesse comum e buscar opções legítimas". A posição argentina é "limito as importações", porém seu verdadeiro interesse é "tenho menos dólares disponíveis nas reservas do Banco Central para pagar a dívida externa e importações impostergáveis, como as de energia", visto que, nos últimos anos, em vez da entrada de capitais, a política interna gerou uma fenomenal saída de capitais, superior a 80 bilhões e que, agora, ela deve importar o que antes exportava. O problema, então, não é de proteção à indústria local ou melhorar o intercâmbio comercial. O problema é "faltam dólares no caixa". Mas se é este o problema, o Brasil, que nos últimos anos acumulou dólares e reservas internacionais e, em muitos momentos anteriores, limitou o ingresso de dólares de investidores especulativos, bem poderia oferecer, junto a seu setor privado, um esquema de "vendas a crédito", "vendas a longo prazo", "ampliação do comércio sem dólares, com clearing de reais contra o peso", "marcos plurianuais de metas da balança comercial" etc. Em outras palavras, a Argentina é estruturalmente "importadora" na sua indústria e o Brasil foi nestes anos, graças ao Mercosul, um excelente fornecedor. Por sua vez, a Argentina esteve limitando as exportações agrícolas - particularmente o trigo - ao Brasil, o que agravou o déficit comercial argentino, que hoje tem menos dólares para importar e ainda precisa importar recursos energéticos do Brasil, que os produz em quantidade e qualidade. A Argentina poderia liberar as exportações para o Brasil, em particular na sua agroindústria, e o Brasil outorgar financiamento especial a seus exportadores para reduzir a necessidade de dólares contados das contrapartes argentinas. Poderiam, até, "liberar automaticamente" as exportações brasileiras financiadas a X anos de prazo, incluindo os recursos energéticos. Para o Brasil, 3 bilhões ou 4 bilhões de dólares a menos nas reservas, em um curto prazo, não seria um problema; enquanto que para a Argentina, que rearruma sua política econômica, seria um grande alívio. O interesse argentino é usar menos dólares e o interesse brasileiro é continuar vendendo. Sair das posições, dos egos e dos problemas de comunicação e passar à negociação criativa, agregando valor, poder ser, então, uma solução. É preciso abandonar egos e negociar uma solução criativa FRANCISCO INGOUVILLE é consultor da Ingouville & Nelson, Assoc. na Argentina. ENRIQUE SZWACH é economista e |
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