STF adia decisão sobre aborto de anencéfalos
*Matéria atualizada às 18h30
Terminou indefinida, nesta quarta-feira 11, a sessão do Supremo Tribunal Federal (STF) que julga o direito ao aborto em casos de fetos anencéfalos (sem parte do cérebro). Seis ministros anunciaram seus votos: cinco em favor à possibilidade de a mulher interromper a gravidez e um contrário. A decisão ficou para quarta-feira 12, quando os demais ministros retomam o julgamento.
A última manifestação foi feita por Ricardo Lewandowski, o primeiro que contrariou o entendimento dos colegas – unânimes, até então, ao dizer que a anencefalia é incompatível com a vida.
Ao esclarecer a sua posição, o ministro recordou casos em que o aborto já é permitido – quando há ameaça à vida da gestante ou quando a gravidez é resultado de estupro. Segundo ele, a legislação prevê a punição em casos de aborto induzido por causa do feto malformado. A descriminalização seria, portanto, inconstitucional.
Lewandowski disse também que a lei sobre tema deve partir do Parlamento, e não do Judiciário. Ele lembrou que o Congresso Nacional tem ao menos dois projetos de lei para normatizar o assunto.
Os cinco ministros que antecederam o voto de Lewandowski manifestaram entendimento diferente.
Carmén Lúcia, por exemplo, afirmou: “Numa democracia, a vida impõe respeito. E este feto não tem vida, mas a mãe e o pai desta criança têm e sofrem com esta gravidez. Por isso, voto a favor da descriminalização do aborto de anencéfalos.”
Antes dela, os ministros Luiz Fux, Joaquim Barbosa, Rosa Weber e Marco Aurélio Mello, relator do processo, também deram votos favoráveis ao aborto. Falta apenas um voto favorável para encerrar a questão na Corte.
Os próximos ministro a votar serão, na ordem, Carlos Ayres Britto, Gilmar Mendes, Celso de Mello e Cezar Pelluso.
O ministro Dias Toffoli não votará, pois no passado, quando era advogado-geral da União, manifestou-se favorável à interrupção da gravidez no caso de anencéfalos.
Polêmica
O julgamento começou por volta das 9h30. A sessão foi marcada para o período da manhã para que haja chance de ser concluída ainda nesta quarta-feira 11.
Sugerida pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS), a ação chegou no STF em 2004 e, desde então, causa polêmica e debates principalmente entre grupos feministas e de cientistas e religiosos.
Setores religiosos, como a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), defendem que o direito à vida deve ser respeitado independente do tempo de vida do bebê. Juristas que autorizam a interrupção de gestações desse tipo há mais de 20 anos alegam que a vida termina com a morte cerebral. Os anencéfalos nunca chegam a ter vida cerebral.
Para os contrários ao aborto de anencéfalos, a decisão do STF é de grande importância porque, caso seja favorável à descriminalização, pode abrir precedentes para todos os tipos de aborto. De acordo com uma pesquisa do instituto Datafolha, em 2004 havia 67% de paulistanos favoráveis a interromper a gravidez de bebês com anencefalia.
O julgamento é considerado um dos mais importantes do ano. Segundo a avaliação do ministro Carlos Ayres Britto, que assume a presidência da Corte na próxima semana, o julgamento será um “divisor de águas no plano da opinião pública.”
O julgamento é acompanhado por favoráveis, contrários e curiosos. Há pessoas do lado de fora do prédio e algumas conseguiram entrar para acompanhar a decisão do plenário do STF. Um forte esquema de segurança foi organizado para evitar confrontos.
A presidente da Comissão de Bioética e Biodireito da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no Rio de Janeiro, Maíra Fernandes, que acompanha o julgamento, disse torcer para que a maioria do STF seja favorável à interrupção da gravidez em caso de fetos anencéfalos. Segundo ela, nos oito anos em que o processo está no Supremo, várias gestantes recorreram aos tribunais de Justiça de seus estados, na tentativa de obter autorização para interromper a gravidez.
Natimorto cerebral
Na sessão, o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, defendeu o direito de as gestantes interromperem a gravidez nos casos de fetos anencéfalos. Porém, ele ressaltou que caberá à gestante decidir sobre isso.
“Não está se afirmando que a mulher deve [interromper a gravidez]”, destacou
Gurgel lembrou que há uma baixa sobrevida do feto após o parto no caso dos anencéfalos e considerou a opção pelo aborto nesses casos. “O anencéfalo é um natimorto cerebral. A antecipação terapêutica do parto não lesa [nem a legislação nem os direitos individuais]”, disse ele.
A sustentação oral do direito das mulheres de interromperem a gestação quando o feto é anencéfal foi feita pelo advogado Luiz Roberto Barroso, que defende o direito ao aborto. “É o direito de pensar e escolher”, disse ele. “A criminalização da interrupção da gestação quando o feto não é viável viola os direitos das mulheres.” Advogados contrários à aprovação da medida também apresentarão suas posição.
Em sua exposição durante o julgamento, o ministro Marco Aurélio Mello, relator do processo, deu voto favorável ao direito da mulher interromper a gravidez, sob o argumento de que “anencefalia e vida” são termos incompatíveis.
Em sua fala o ministro defendeu a laicidade do Estado e destacou pareceres médicos sobre a doença. Ele fez um histórico sobre os oito anos em que o caso está na Corte e mencionou argumentos favoráveis e contrários.
“O Estado não é religioso, tampouco ateu. O Estado é neutro”, disse o ministro. “A descriminalização do aborto de anencéfalos não pode ser examinada sobre os influxos de orientações morais-religiosas. Os argumentos dos grupos religiosos devem ser devidamente traduzidos em termos de orientação pública, ou seja, que independam desta ou daquela crença”, completa.
Segundo o ministro, “o anencéfalo é um natimorto, não há potencialidade de vida, mas sim de morte segura. Nesse contexto o aborto não configura crime contra a vida”.
Destacou ainda que a decisão trata exclusivamente da anencefalia. “Não se trata de ausência de membros, sindrome de down, lábio leporino…, enfim, não se trata de feto portador de deficiência grave que permita sobrevida ultra-uterina. Cuida-se exclusivamente de anencefalia.”
Ele destacou também que a manutenção da gravidez pode desencadear um quadro psiquiátrico grave na gestante.
Em seguida, a ministra Rosa Weber somou seu voto à voz Marco Aurélio Mello e votou a favor do direito da mulher interromper a gravidez, alegando que a anencefalia não é compatível com a vida.
“O crime de aborto diz respeito à interrupção de uma vida em desenvolvimento, e a anencefalia não é compatível com as características que substanciam o conceito de vida para o Direito”, argumentou a ministra.
Segundo ela, para a Justiça não há interesse social em proteger uma vida que não vai se concretizar.
Durante a leitura de seu voto, a ministra disse que “não basta a concepção de material biológico humano para ser considerada vida para o Direito. Para ser vida, e ser protegido pelo Direito, o feto deve ter e poder desenvolver capacidades humanas e possibilidades concretas de se tornar pessoa”.
Além disso, afirmou ela, é preciso prover a mulher de liberdade para optar pelo prosseguimento ou não da gestação de fetos anencéfalos. “A proibição da antecipação do parto fere a liberdade de escolha da gestante, que se encontra na situação de carregar feto anencéfalo no seu ventre”, defendeu Weber.
Depois dela foi a vez de Joaquim Barbosa, que também votou a favor da descriminalização. Ele argumentou que sua posição é baseada em decisões tomadas anteriormente na Corte.
Luiz Fux, por sua vez, declarou: “O STF evidentemente respeita as mulheres que desejarem realizar o parto mesmo que anencéfalo. Temos que avaliar se é justo, sob o âmbito criminal, colocar essa mulher no banco do júri por conta de uma aborto. É lamentável que a mulher a padecer dessa tragédia [carregar o feto anencéfalo] durante nove meses seja criminalizada, e jogada no banco do Tribunal do Júri”.
O ministro demonstrou preocupação com o fato de as mulheres serem condenadas a partir de “propensões”, de cultura e crença, do Júri em determinadas qualidades.
“Como a expectativa de vida de fetos anencéfalos é extramente efêmera, é necessário proteger a mulher dos danos psicológicos e o sofrimento mental da gestante”, disse Fux. “Devemos considerar a dignidade da pessoa humana como base da bioética e dos direitos fundamentais.”
Com informações da Agência Brasil
Terminou indefinida, nesta quarta-feira 11, a sessão do Supremo Tribunal Federal (STF) que julga o direito ao aborto em casos de fetos anencéfalos (sem parte do cérebro). Seis ministros anunciaram seus votos: cinco em favor à possibilidade de a mulher interromper a gravidez e um contrário. A decisão ficou para quarta-feira 12, quando os demais ministros retomam o julgamento.
A última manifestação foi feita por Ricardo Lewandowski, o primeiro que contrariou o entendimento dos colegas – unânimes, até então, ao dizer que a anencefalia é incompatível com a vida.
Ao esclarecer a sua posição, o ministro recordou casos em que o aborto já é permitido – quando há ameaça à vida da gestante ou quando a gravidez é resultado de estupro. Segundo ele, a legislação prevê a punição em casos de aborto induzido por causa do feto malformado. A descriminalização seria, portanto, inconstitucional.
Lewandowski disse também que a lei sobre tema deve partir do Parlamento, e não do Judiciário. Ele lembrou que o Congresso Nacional tem ao menos dois projetos de lei para normatizar o assunto.
Os cinco ministros que antecederam o voto de Lewandowski manifestaram entendimento diferente.
Carmén Lúcia, por exemplo, afirmou: “Numa democracia, a vida impõe respeito. E este feto não tem vida, mas a mãe e o pai desta criança têm e sofrem com esta gravidez. Por isso, voto a favor da descriminalização do aborto de anencéfalos.”
Antes dela, os ministros Luiz Fux, Joaquim Barbosa, Rosa Weber e Marco Aurélio Mello, relator do processo, também deram votos favoráveis ao aborto. Falta apenas um voto favorável para encerrar a questão na Corte.
Os próximos ministro a votar serão, na ordem, Carlos Ayres Britto, Gilmar Mendes, Celso de Mello e Cezar Pelluso.
O ministro Dias Toffoli não votará, pois no passado, quando era advogado-geral da União, manifestou-se favorável à interrupção da gravidez no caso de anencéfalos.
Polêmica
O julgamento começou por volta das 9h30. A sessão foi marcada para o período da manhã para que haja chance de ser concluída ainda nesta quarta-feira 11.
Sugerida pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS), a ação chegou no STF em 2004 e, desde então, causa polêmica e debates principalmente entre grupos feministas e de cientistas e religiosos.
Setores religiosos, como a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), defendem que o direito à vida deve ser respeitado independente do tempo de vida do bebê. Juristas que autorizam a interrupção de gestações desse tipo há mais de 20 anos alegam que a vida termina com a morte cerebral. Os anencéfalos nunca chegam a ter vida cerebral.
Para os contrários ao aborto de anencéfalos, a decisão do STF é de grande importância porque, caso seja favorável à descriminalização, pode abrir precedentes para todos os tipos de aborto. De acordo com uma pesquisa do instituto Datafolha, em 2004 havia 67% de paulistanos favoráveis a interromper a gravidez de bebês com anencefalia.
O julgamento é considerado um dos mais importantes do ano. Segundo a avaliação do ministro Carlos Ayres Britto, que assume a presidência da Corte na próxima semana, o julgamento será um “divisor de águas no plano da opinião pública.”
O julgamento é acompanhado por favoráveis, contrários e curiosos. Há pessoas do lado de fora do prédio e algumas conseguiram entrar para acompanhar a decisão do plenário do STF. Um forte esquema de segurança foi organizado para evitar confrontos.
A presidente da Comissão de Bioética e Biodireito da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no Rio de Janeiro, Maíra Fernandes, que acompanha o julgamento, disse torcer para que a maioria do STF seja favorável à interrupção da gravidez em caso de fetos anencéfalos. Segundo ela, nos oito anos em que o processo está no Supremo, várias gestantes recorreram aos tribunais de Justiça de seus estados, na tentativa de obter autorização para interromper a gravidez.
Natimorto cerebral
Na sessão, o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, defendeu o direito de as gestantes interromperem a gravidez nos casos de fetos anencéfalos. Porém, ele ressaltou que caberá à gestante decidir sobre isso.
“Não está se afirmando que a mulher deve [interromper a gravidez]”, destacou
Gurgel lembrou que há uma baixa sobrevida do feto após o parto no caso dos anencéfalos e considerou a opção pelo aborto nesses casos. “O anencéfalo é um natimorto cerebral. A antecipação terapêutica do parto não lesa [nem a legislação nem os direitos individuais]”, disse ele.
A sustentação oral do direito das mulheres de interromperem a gestação quando o feto é anencéfal foi feita pelo advogado Luiz Roberto Barroso, que defende o direito ao aborto. “É o direito de pensar e escolher”, disse ele. “A criminalização da interrupção da gestação quando o feto não é viável viola os direitos das mulheres.” Advogados contrários à aprovação da medida também apresentarão suas posição.
Em sua exposição durante o julgamento, o ministro Marco Aurélio Mello, relator do processo, deu voto favorável ao direito da mulher interromper a gravidez, sob o argumento de que “anencefalia e vida” são termos incompatíveis.
Em sua fala o ministro defendeu a laicidade do Estado e destacou pareceres médicos sobre a doença. Ele fez um histórico sobre os oito anos em que o caso está na Corte e mencionou argumentos favoráveis e contrários.
“O Estado não é religioso, tampouco ateu. O Estado é neutro”, disse o ministro. “A descriminalização do aborto de anencéfalos não pode ser examinada sobre os influxos de orientações morais-religiosas. Os argumentos dos grupos religiosos devem ser devidamente traduzidos em termos de orientação pública, ou seja, que independam desta ou daquela crença”, completa.
Segundo o ministro, “o anencéfalo é um natimorto, não há potencialidade de vida, mas sim de morte segura. Nesse contexto o aborto não configura crime contra a vida”.
Destacou ainda que a decisão trata exclusivamente da anencefalia. “Não se trata de ausência de membros, sindrome de down, lábio leporino…, enfim, não se trata de feto portador de deficiência grave que permita sobrevida ultra-uterina. Cuida-se exclusivamente de anencefalia.”
Ele destacou também que a manutenção da gravidez pode desencadear um quadro psiquiátrico grave na gestante.
Em seguida, a ministra Rosa Weber somou seu voto à voz Marco Aurélio Mello e votou a favor do direito da mulher interromper a gravidez, alegando que a anencefalia não é compatível com a vida.
“O crime de aborto diz respeito à interrupção de uma vida em desenvolvimento, e a anencefalia não é compatível com as características que substanciam o conceito de vida para o Direito”, argumentou a ministra.
Segundo ela, para a Justiça não há interesse social em proteger uma vida que não vai se concretizar.
Durante a leitura de seu voto, a ministra disse que “não basta a concepção de material biológico humano para ser considerada vida para o Direito. Para ser vida, e ser protegido pelo Direito, o feto deve ter e poder desenvolver capacidades humanas e possibilidades concretas de se tornar pessoa”.
Além disso, afirmou ela, é preciso prover a mulher de liberdade para optar pelo prosseguimento ou não da gestação de fetos anencéfalos. “A proibição da antecipação do parto fere a liberdade de escolha da gestante, que se encontra na situação de carregar feto anencéfalo no seu ventre”, defendeu Weber.
Depois dela foi a vez de Joaquim Barbosa, que também votou a favor da descriminalização. Ele argumentou que sua posição é baseada em decisões tomadas anteriormente na Corte.
Luiz Fux, por sua vez, declarou: “O STF evidentemente respeita as mulheres que desejarem realizar o parto mesmo que anencéfalo. Temos que avaliar se é justo, sob o âmbito criminal, colocar essa mulher no banco do júri por conta de uma aborto. É lamentável que a mulher a padecer dessa tragédia [carregar o feto anencéfalo] durante nove meses seja criminalizada, e jogada no banco do Tribunal do Júri”.
O ministro demonstrou preocupação com o fato de as mulheres serem condenadas a partir de “propensões”, de cultura e crença, do Júri em determinadas qualidades.
“Como a expectativa de vida de fetos anencéfalos é extramente efêmera, é necessário proteger a mulher dos danos psicológicos e o sofrimento mental da gestante”, disse Fux. “Devemos considerar a dignidade da pessoa humana como base da bioética e dos direitos fundamentais.”
Com informações da Agência Brasil
Nenhum comentário:
Postar um comentário