Mohamed Morsi, o novo faraó do Egito?
Publicado em Carta Capital
José Antônio Lima

Criança
egípcia arremessa pedra contra a polícia durante protesto na rua
Mohammed Mahmoud, no Cairo, nesta quinta-feira 22. Desde segunda-feira
19 protestos contra a impunidade por um massacre ocorrido nesta rua no
ano passado já deixaram vários feridos. Foto: AFP
A declaração constitucional emitida por Morsi têm dois objetivos: aplacar os ânimos da população egípcia e reduzir a influência do Judiciário, um poder ainda repleto de aliados de Hosni Mubarak. As duas questões estão interligadas. A forte presença de integrantes do antigo regime nas diversas esferas da Justiça do Egito tem impedido que o país funcione normalmente. A insatisfação com a impunidade dos policiais, militares e outras autoridades que comandaram e executaram massacres em 2011 é generalizada. Um exemplo disso foram os protestos no Cairo, nesta semana, lembrando as mortes ocorridas em novembro de 2011. Outro exemplo é o Campeonato Egípcio de futebol. O torneio está paralisado por exigências das torcidas organizadas, que esperam o julgamento dos responsáveis pelo massacre de 72 pessoas em um campo de futebol em fevereiro deste ano.
O governo atribui a impunidade ao Judiciário, que estaria evitando condenar aliados. Assim, Morsi decidiu fazer um aceno aos “revolucionários” egípcios. Ele trocou o procurador-geral de Justiça, determinou a reabertura de todos os casos de assassinatos durante a revolução e estendeu as indenizações concedidas às famílias de “mártires” também aos que ficaram feridos nas manifestações. O desafio ao Judiciário é completado pela imunidade concedida por Morsi à Assembleia Constituinte do Egito e ao Conselho Shura, equivalente ao Senado. Atualmente, um tribunal analisa a possibilidade de dissolver a Constituinte, o que atrasaria ainda mais a conclusão do documento, essencial para o funcionamento do país. Para não deixar dúvidas de que o alvo de Morsi é o Judiciário, algumas centenas de integrantes da Irmandade Muçulmana, grupo do qual o presidente é originário, realizaram uma manifestação nesta quinta-feira em frente à Suprema Corte egípcia exigindo a “purificação” do Judiciário.

Imagem
oficial mostra o encontro de Morsi com Talaat Ibrahim Abdallah, o novo
procurador-geral do Egito, nesta quinta-feira 22. Abdallah deve reabrir
os processos contra Mubarak. Foto: Presidência do Egito / AFP
Ao encurralar o Judiciário e assumir poderes ainda mais amplos, Morsi assume, no papel, mais força do que o próprio Hosni Mubarak tinha. É um avanço que será recebido com enorme preocupação tanto dentro do Egito quanto no exterior. “Hoje Morsi usurpou todos os poderes estatais e nomeou a si próprio como novo faraó do Egito”, escreveu também no Twitter Mohamed El-Baradei, ex-chefe da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) e influente figura na política egípcia. O esquerdista secular Hamdeen Sabahi, que disputou a presidência com Morsi, afirmou à rede de TV Al-Arabiya que “a revolução não vai aceitar um novo ditador”.
Externamente, o desafio de Morsi é não irritar o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama. A relação entre os dois saiu fortalecida após a crise envolvendo o Hamas e Israel na Faixa de Gaza, mas é provável que a Casa Branca manifeste contrariedade diante das novidades. A parceria com os Estados Unidos é fundamental para garantir ao Egito a boa vontade da comunidade internacional num momento em que a economia do país enfrenta sérios problemas. Dentro do Egito, além de lidar com a oposição, Morsi vai submeter a um teste sua aliança com os militares e a determinação de que eles permaneçam dentro dos quarteis. Como qualquer governante, ao assumir mais poderes, Morsi assume mais responsabilidade. Será dele a responsabilidade de mostrar que a Irmandade Muçulmana compartilha dos ideais democráticos da Primavera Árabe e não pretende simplesmente herdar o Estado totalitário de Mubarak.
Nenhum comentário:
Postar um comentário