A aposta arriscada do presidente do Egito
José Antônio Lima
O Egito está em crise. Desde a quinta-feira 22, quando o presidente Mohamed Morsi ampliou os próprios poderes por decreto, integrantes do Judiciário e da oposição secular e liberal protestam, institucionalmente e nas ruas, contra a decisão. Há temores de que a convulsão social do início de 2011, quando o ditador Hosni Mubarak foi derrubado, seja reeditada. Morsi, entretanto, parece disposto a encarar os dias mais tensos de seu governo. Morsi crê que as divisões internas dos opositores e o cansaço geral dos egípcios vão reduzir aos poucos os protestos, fazendo o país retomar a estabilidade. É uma aposta arriscada.
A onda inicial de protestos, ainda na semana passada, teve como alvo os escritórios da Irmandade Muçulmana e de seu braço político, o Partido Liberdade e Justiça. Pelos menos 13 sedes regionais da sigla foram atacadas. Em Damanhur, no Vale do Nilo, um garoto de 15 anos, Islam Mahmou, integrante do grupo, foi morto com uma pedrada na cabeça. No Cairo, capital do Egito, um manifestante anti-Morsi, Gaber Salah, de 16 anos, também morreu, baleado por um dos policiais que reprimia a manifestação.
Na segunda-feira 26, Morsi tentou apaziguar os ânimos. Ele se encontrou com os principais líderes do Judiciário, cuja autoridade foi desafiada por seu decreto de ampliação de poderes. Uma das intenções de Morsi era reduzir a influência do Judiciário nos rumos do Egito, pois este poder ainda está repleto de pessoas nomeadas por Mubarak e algumas cortes ameaçam o funcionamento do Conselho Shura (senado), eleito por voto popular, e da Assembleia Constituinte, indicada por um Parlamento também eleito, mas posteriormente dissolvido. O porta-voz de Morsi chegou a dizer que o presidente respeitava a autonomia do Judiciário, mas manteria, na íntegra, sua decisão. Os líderes do Judiciário deram a entender que respeitavam apenas parte do decreto, mas se disseram insatisfeitos com o diálogo, mantendo um chamado para uma greve geral nos tribunais do país.
Falta diálogo e sobra maniqueísmo
Soma-se à pressão do Judiciário contra Morsi a oposição dos setores seculares e liberais da política egípcia. Esses grupos se sentem excluídos do processo de transição em curso. Desorganizados e desunidos, não conseguiram resultados expressivos nas eleições parlamentares e presidenciais. O resultado ruim deu a eles pouca influência na Constituinte, que está escrevendo a nova Constituição do país, e vários dos poucos liberais que conseguiram uma vaga na Assembleia já a abandonaram, alegando domínio dos religiosos.
A crise política no Egito é agravada pois esses setores seculares e liberais são maniqueístas e intransigentes. Muitas vezes, optam pela estratégia do “quanto pior, melhor”. O decreto de Morsi contém, além da ampliação de seus poderes, medidas que a revolução desejava, como a substituição do procurador-geral de Justiça (ligado a Mubarak) e a possibilidade de reabertura de processos de pessoas assassinadas pela repressão. A oposição, no entanto, quer a revogação por completo do decreto e não aceita negociar com o presidente antes disso. Defendem essa posição líderes como Mohamed el-Baradei, ex-chefe da Agência Internacional de Energia Atômica e hoje artífice de uma tentativa de unir a oposição. Baradei, prêmio Nobel da Paz, chegou a falar na possibilidade de uma guerra civil no Egito.
A postura da oposição é alimentada pelo medo de que o decreto de Morsi seja parte de uma tentativa da Irmandade Muçulmana de tomar o poder de forma definitiva. Atitudes do presidente e de seus aliados, majoritariamente fundamentalistas religiosos, não ajudam a acabar com esse temor. Muitos ministros e conselheiros de Morsi souberam do polêmico decreto apenas pela imprensa, e ficaram em situação difícil para defender o ato do presidente. Nageh Ibrahim, ideólogo do Grupo Islâmico, uma ex-facção terrorista transformada em partido político, aliada de Morsi, chegou a dizer que liberais contrários ao último decreto presidencial poderiam ser assassinados.
Morsi tem apoio externo
Morsi enfrenta uma onda de protestos em casa, mas conta com o apoio tácito dos militares e dos Estados Unidos para manter sua política em curso. É um banho de água fria para a oposição liberal egípcia, que costuma com frequência apelar para táticas não democráticas para defender a sua versão de democracia.
Um general disse à agência Reuters que as forças armadas “deixaram a cena política” e retomaram “seu papel natural de proteger a nação”. O general não quis se identificar, pois o Exército não deseja fazer pronunciamentos públicos sobre a crise.
Na noite de segunda-feira, o porta-voz de Barack Obama, Jay Carney, afirmou que a Casa Branca “levantou preocupações sobre as decisões e declarações feitas no dia 22” e que “continua o diálogo” com o governo egípcio. A impressão é de que Obama não quer transparecer ingerência, ainda mais pelo fato de Morsi se tratar de um presidente democraticamente eleito. “Morsi e a Irmandade Muçulmana construíram laços de confiança com a administração Obama”, escreveu no Twitter o analista Ed Hussein. “Eles acreditam em Morsi quando ele diz que o aumento de poder é ‘temporário’”, afirma.
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