quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

O fim da Webjet é apenas o começo

O fim da Webjet é apenas o começo

Autor(es): Juliano Basile
Valor Econômico - 07/01/2013
 

Primeiro, a Gol compra a Webjet. Depois, o Cade aprova a operação. Em seguida, a Gol encerra as atividades de sua ex-concorrente, fecha a companhia e demite 850 dos 1,5 mil funcionários. A sequência dos fatos foi péssima para o órgão antitruste. A impressão que ficou para o público foi a de que a companhia simplesmente esperou pelo aval do Cade, em outubro, para fechar a concorrente, em novembro, promover demissões em massa e retirar a possibilidade de o consumidor adquirir passagens de outra empresa. Como a tarefa do Cade é justamente a de proteger a concorrência, teria ele falhado em sua missão?
Essa resposta não pode ser dada agora, alertou o conselheiro Ricardo Ruiz, relator do processo. Segundo ele, o caso Gol-Webjet está longe de acabar. "A nossa decisão ainda não foi cumprida", disse Ruiz. Para que isso aconteça, a Gol terá que comprovar até abril o uso máximo de seus "slots" - as faixas de horários de pousos e decolagens - num dos aeroportos mais concorridos do país: Santos Dumont.
Antes da operação, a Gol tinha 110 slots em Santos Dumont e a Webjet, 32. Depois, a companhia passou a deter 36% das faixas de pousos e decolagens do aeroporto carioca ante 24% da TAM. A Gol garantiu a liderança e o Cade cobrou a fatura.
Cade manterá o teste de eficiência em 2013
O órgão antitruste impôs que 85% dos slots da Gol naquele aeroporto terão que ser obrigatoriamente usados com o oferecimento de voos aos consumidores. A meta é dificílima de ser cumprida. Ela implica utilizar 121 faixas de pousos e decolagens ao custo médio de R$ 300 mil cada. Nem nos dois aeroportos mais movimentados do Brasil as companhias conseguem utilizar os seus slots nesse percentual. Segundo dados da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), em Congonhas, de cada cem slots, 80 são utilizados de fato pelas companhias. Em Guarulhos, o uso atinge 75 de cada cem.
Caso a Gol não consiga atingir a meta de 85%, em Santos Dumont, ela pode perder muito mais do que a Webjet - companhia que tinha 5% do mercado. Sem o cumprimento da decisão do Cade, os slots inutilizados no aeroporto carioca vão ser retirados da Gol e devolvidos para a Anac. "Se a Gol não cumprir essa regra, o Cade vai retirar dois slots para cada um que ela não estiver utilizando de maneira eficiente", advertiu Ruiz.
Nessa hipótese, a Anac deve promover uma redistribuição das faixas de pousos e decolagens para os concorrentes da Gol. Ou seja, a companhia eliminou um concorrente do mercado, comprando-o e desativando-o, logo em seguida, mas está sujeita a perder muito mais do que isso, pois os seus horários de pousos e decolagens em Santos Dumont podem parar nas mãos de competidores diretos, como a TAM ou a Azul.
Um dos cenários vislumbrados pelo Cade é o de que, de posse de slots da Gol, a Azul poderia fazer uma ponte-aérea alternativa entre o Rio e Campinas - Santos Dumont-Viracopos. Nesse cenário, haveria mais oferta de voos no mercado e a tendência seria a de o consumidor ter acesso a tarifas mais baratas.
Outro ponto importante da decisão do Cade: a empresa que adquirir um slot da Gol em Santos Dumont poderá até não utilizá-lo, mas a companhia das aeronaves de tom alaranjado não poderá fazê-lo. Ela terá que usar 85% das faixas, naquele aeroporto, sob o risco de perdê-las. "Nós impusemos um critério de eficiência à Gol que não existe para nenhuma companhia", explicou Ruiz.
A aposta do Cade é a de que a Gol deve diminuir a frequência de voos de outros aeroportos, deslocando-os para Santos Dumont de modo a tentar cumprir a decisão e evitar a redistribuição de seus slots para concorrentes.
O julgamento do caso Gol-Webjet só vai terminar em abril - prazo para a Gol enviar o relatório sobre o uso dos slots no aeroporto carioca entre janeiro e março. De posse desse documento, os sete conselheiros do Cade vão se reunir para verificar se a Gol passou no teste da eficiência de seus slots.
A tarefa da companhia será hercúlea. Cálculos da Anac indicam que as empresas aéreas gastam R$ 300 mil, em média, para subir e descer um avião cinco vezes por semana. Esse é o custo de uso de slots. Para reduzí-lo, a empresa tem que lotar as aeronaves. Num avião padrão da Gol cabem 184 pessoas. Se a companhia cobrar, por exemplo, R$ 100 por trecho e conseguir lotar uma aeronave média, ela fatura, portanto, R$ 184 mil. Se o fizer, cinco vezes por semana, obterá R$ 920 mil. É valor suficiente para pagar os custos e ainda render lucros. Mas essa equação de preço barato e lucro para a empresa aérea só funciona com a lotação das aeronaves, o que só costuma ocorrer nas faixas de maior procura nos principais aeroportos do país. E mesmo nelas há uma taxa de pelo menos 20% de ociosidade - slots que a companhia possui, mas simplesmente não utiliza.
Tanto na ociosidade da Gol quanto da TAM caberiam mais do que duas Webjets. A estratégia das líderes, nos últimos anos, foi a de ocupar ao máximo as faixas de pousos e decolagens para, em seguida, tentar aproveitá-las junto aos consumidores. O problema é que, assim como a previsão do governo para o PIB de 2012, as expectativas de crescimento no setor aéreo não foram correspondidas. Pelo contrário, as companhias sofreram com a alta dos combustíveis e a elevação do câmbio. Após acelerar a oferta de voos, as líderes tiveram que recuar. Elas optaram por reduzir os voos e aumentar os preços. Isso explica porque uma passagem de Brasília para São Paulo, em dezembro, às vésperas do Natal, chegou a R$ 1,5 mil - quase o preço de uma viagem para Nova York. O prejuízo do setor de aviação foi superior a R$ 2 bilhões, em 2012.
A novidade para 2013 é que o Cade não vai desistir do seu teste de eficiência, cuja cobaia é a Gol. Critérios semelhantes aos de uso máximo de slots dessa companhia devem ser aplicados para outras fusões e aquisições. A união entre a Azul e a Trip é a próxima na mira do órgão antitruste. Tudo indica que essa operação não vai ser aprovada pelo Cade sem um critério rígido de eficiência pelo qual um número elevado de linhas terá que ser utilizado. Caso a Avianca faça uma nova proposta pela TAP, o negócio só deve receber o sinal verde com a obrigação de as companhias utilizarem um percentual alto de seus slots.
A Webjet morreu, adquirida pela concorrência. Mas o seu fim é apenas o começo da saga das demais companhias aéreas que pretendem fazer fusões e aquisições no Brasil.
Juliano Basile é repórter. Sergio Leo volta a escrever na próxima semana

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