Chavismo em xeque
Correio Braziliense - 25/02/2012 |
Rodrigo Craveiro Em 13 anos de governo, Hugo Chávez adotou o populismo e personificou o poder, ao assumir-se como o ideólogo da chamada Revolução Bolivariana. Acreditava estar acima de tudo e pretendia permanecer no governo da Venezuela pelo menos até 2020. Antes de deixar o Palácio de Miraflores e embarcar para Havana, na tarde de ontem, o presidente foi à tevê e declarou: "Estamos obrigados a triunfar e a vencer para garantir a paz da Venezuela. (...) Eu lhes juro que, nas próximas horas e dias, lutarei como vocês me ensinaram a lutar, por minha vida, que é a vida de vocês, da pátria". A iminente cirurgia em Cuba para a extração de um novo tumor na região pélvica não apenas lança dúvidas sobre o futuro do chavismo. De acordo com analistas consultados pelo Correio, a doença de Chávez ameaça causar rupturas no Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV), mas também força os governistas a transcender a figura de seu líder. "Chávez sabe que criou uma força política poderosa, arraigada em todos os poderes do Estado e nas camadas mais pobres. É o líder indiscutível das massas, sem a possibilidade de um sucessor imediato", admite o cientista político Victor Barranco, presidente do Conselho Superior do Centro de Altos Estudos — em Barquisimeto, a 363km de Caracas. Segundo ele, o presidente compreende que está cercado de pessoas desprovidas do sentido de valorização do projeto bolivariano e imbuídas de interesses particulares. A "certeza da incerteza" levou Chávez a convocar um comando de campanha eleitoral, que ficará sob responsabilidade de Jorge Rodríguez, prefeito de Caracas. Para o historiador e analista político Juan Eduardo Romero, da Universidade del Zulia, o organismo traz um conteúdo simbólico. "O Comando Carabobo, como o presidente o batizou, é uma referência à derrota definitiva das tropas espanholas na província de mesmo nome, em 1821. A batalha consolidou o projeto de Simón Bolívar", explica. "Segundo Chávez, as eleições presidenciais de 8 de outubro serão uma batalha definitiva para derrotar um setor político ligado aos interesses dos EUA", emenda. Romero acredita que a estrutura do Comando Carabobo visa dar continuidade ao projeto chavista. Por sua vez, Barranco sustenta que, pela primeira vez em 13 anos, muitos aliados veem o futuro com ceticismo. Ele alerta que alguns chavistas já conspiram. Apenas a Assembleia Nacional pode decidir sobre a incapacidade do presidente. "A relação entre o diagnóstico e uma declaração de incapacitação não é automática em nenhum país. Há todo um procedimento jurídico-constitucional", lembra Cesar Barrantes, analista da Universidade Central da Venezuela. O PSUV detém maioria absoluta de deputados, o que inviabiliza tal cenário. O especialista admite que a oposição vê Chávez como um cadáver humano e político. "Com ou sem Chávez, a Revolução Bolivariana seguirá se aprofundando", diz Barrantes. Segundo ele, o projeto socialista criou estruturas políticas e um tecido social sustentado por multirredes de movimentos comunitários e étnico-populares. Um dos nomes da oposição, Diego Arría — ex-governador de Caracas — afirma que os "narcogenerais" estão aterrorizados com a possibilidade de que o mandatário não se apresente nas eleições. "Chávez não tem sucessor e eles sabem disso", comenta, por e-mail, o ex-candidato nas primárias do opositor Mesa de Unidade Democrática (MUD). Cotado como candidato à sucessão, o líder da Assembleia Nacional, Diosdado Cabello, negou um vazio de poder. Flores e beijos No trajeto até o aeroporto, centenas de chavistas reuniram-se para se despedir do comandante. Acompanhado das filhas Rosa Virginia e Rosinés, Chávez apoiou-se sobre o teto solar do carro, que levava uma grande imagem de Jesus. Ganhou flores, uma chuva de pétalas e beijos. E enviou um recado aos rivais: "Ainda que este corpo se acabe, Chávez não se acabará, porque Chávez já não sou eu, Chávez está nas ruas e se fez povo". O presidente deve ser operado entre segunda e terça-feira. Oncologistas suspeitam de um tumor raro e agressivo (leia entrevista). Na quinta-feira, Chávez admitiu que é grande a possibilidade de um tumor maligno. "Oxalá não seja (maligno), mas a probabilidade existe e é preciso estar preparado para isso", declarou. Dilma telefona para o colega e deseja sorte A presidente Dilma Rousseff telefonou, no início da tarde de ontem, para o colega venezuelano, Hugo Chávez, e lhe desejou sorte e pronta recuperação na cirurgia. De acordo com o Planalto, Chávez agradeceu a Dilma pelo apoio e disse estar confiante. A ligação durou cerca de cinco minutos. Minutos antes de embarcar no avião presidencial, o mandatário citou a conversa. Segundo ele, Dilma mandou um recado do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao amigo. Lula disse que, se fosse preciso, viraria babá de Chávez. Ponto de vista Como o senhor analisa o cenário político na Venezuela, com o novo tumor de Chávez? O anúncio da recaída no processo de recuperação do presidente provoca uma série de reações. O primeiro deles deriva dos simpatizantes do Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV). O tipo de liderança carismática construído por Chávez lhe outorga um peso muito alto na construção do socialismo bolivariano do século 21. Sua doença é um duro teste para avaliar a capacidade de transformação do PSUV como ator político consolidado. O segundo diz respeito aos adversários. A opositora Mesa da Unidade Democrática tem o desafio de aproveitar a "debilidade" momentânea de Chávez. O problema é que a oposição não possui uma sólida unidade política. É um quadro confuso. Chávez tinha conseguido convencer seus aliados que havia "derrotado" o câncer, e a oposição não deixou de pensar na doença como um "recurso de propaganda do presidente". É indubitável que o futuro se torna inquietante. A Revolução Bolivariana, bem como a saúde do presidente, joga com a incerteza. É um cenário ruim para quem acostumou a dominá-lo por inteiro. Alguns aliados de Chávez fazem previsões de salvamento, outros conspiram internamente. Chávez sabe que criou uma força política poderosa, arraigada com firmeza em todos os poderes do Estado e nas camadas sociais mais pobres do país. Pânico é a melhor descrição para o que as autoridades civis e militares do regime enfrentam. Chávez dizia que a oposição fracassaria nas primárias e não chegaria a 500 mil eleitores. Pelo menos 3 milhões votaram em uma mensagem muito poderosa de unidade, antecipando-se às eleições de 7 de outubro. A mensagem teve repercussão dentro das Forças Armadas, que jamais permitirá à cúpula militar intervir no processo eleitoral. Chávez admitiu que tem "uma nova lesão seguramente maligna". A sequência desses eventos provocou impacto na política venezuelana. O culto à personalidade de Chávez o levou a crer que poderia decretar sua própria vida. |
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