Renúncia de Bento 16 pode levar Igreja Católica a repensar seu papel na sociedade, dizem especialistas
de UOL
Especialistas consultados pelo UOL avaliaram que a
renúncia do papa Bento 16, comunicada nesta segunda-feira (11), pode ser
um momento importante para a Igreja Católica rever o modelo atual de
como lidar com as questões de interesse da sociedade e até o próprio
papel dela como instituição.
O professor da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo)
Rafael Rodrigues da Silva afirmou que os últimos dois papas, João Paulo
2º e Bento 16, se afastaram da postura do pontífice que se posiciona em
relação aos temas sociais, políticos e econômicos mundiais. Para ele, a
alteração no comando do Vaticano poderia, justamente, representar uma
mudança de postura.
"Seria o momento de a igreja repensar e colocar na linha de frente um
colégio de cardeais que possa pensar em levar adiante o processo de
diálogo, que caminha mais para o pluralismo religioso do que para o
conservadorismo", avaliou Silva, que é especialista em ciências da
religião.
Silva destaca que "nunca será possível" saber as reais motivações da
renúncia de Joseph Ratzinger ao cargo, mas, seja por pressões internas
ou por problemas de saúde, a decisão não foi tomada do "dia para noite".
"Você tem um grande conjunto de grupos, movimentos e disputas internas
de poder. E, além da força dos grupos conservadores e moderados, há os
casos de pedofilia. E a grande dificuldade de responder, como grande
líder, a isso tudo pode estar na raiz do próprio exercício de poder de
Bento 16", completou o professor.
Na avaliação de Silva, a exemplo de como eram os documentos papais das
décadas de 1960 e 1970, o próximo pontífice pode ser mais ativo nas
manifestações cotidianas. "No seu pontificado, ele [Bento 16] trouxe a
discussão os elementos mais teológicos. Agora, o novo papa vai ficar
marcado pelas correlações de forças e poderá dar um grande passo: voltar
a abrir o Vaticano para a sociedade, dar voz ao que não têm,
interferir, lutar contra a tortura, contra as ações militares",
completou o professor.
Para o frade dominicano e escritor Frei Betto, a eleição do novo papa
fará os cardeais refletirem sobre o futuro da igreja. "Os cardeais que
vão eleger o novo papa devem pesar bastante o que significou Bento 16 em
termos de impacto na igreja e que indiquem alguém que venha implementar
as questões do Concílio Vaticano 2º, que tomou uma série de decisões de
renovações da igreja, que não foram implementadas por João Paulo 2º nem
por Bento 16. Espero que o próximo papa consiga fazer isso", afirmou.
O Concílio Vaticano 2º foi uma série de conferências realizadas na
década de 1960 que resultaram em documentos que tratavam da abertura da
igreja sobre vários aspectos como: doutrina social, a interpretação da
Bíblia, a mudança na liturgia --as missas passaram a ser celebradas na
língua dos locais onde estavam as igrejas (antes eram em latim), a
relação com as outras religiões, entre outros assuntos.
"Neste momento, seria o ideal que o novo pontificado busque retomar
aquilo que foi o princípio do Concílio Vaticano 2º, uma nova discussão
sobre a colegialidade (...). No Concílio, o ponto de partida da igreja
era o povo para chegar aos próprios representantes, você tem um novo
jeito de ver a igreja", completou o professor Rafael Rodrigues da Silva.
Marcas do papado de Bento 16
O especialista em ciências das religiões Mario Sérgio Cortella,
professor do doutorado em educação da PUC-SP, destacou que, pela
primeira vez, um papa irá participar do seu processo sucessório e que
fez um anúncio oficial com antecedência.
"Provavelmente, ele entrará para a história com esta condição: em vez
de entrar para a história como o papado que falou tanto de crises
internas em relação ao clero, ele vai sair como o homem que foi generoso
em relação ao uso do poder. Mesmo que ele não tenha sido isso como
intenção, ele assim será lembrado", disse o professor.
Cortella se refere à série de casos de pedofilia que vieram à tona
entre os anos de 2009 e 2010, envolvendo padres, cujos casos foram
abafados, até então, pela Igreja Católica.
"O que Bento 16 quer é consolidar as estruturas. Renunciar significa
preparar a transição sem traumas (...). Ele passou por um momento
inédito que deu um nível de transparência maior em relação às ações de
dentro do clero. Isso, sem dúvida, balançou parte das estruturas porque,
com o aumento da democracia e a velocidade do repasse das informações, o
grau de transparência aumentou e trouxe à tona uma série de denúncias
que o levaram também a ser atingido como chefe da Igreja [Católica]",
continuou Cortella.
Questionados sobre os possíveis nomes para ocupar o cargo, os especialistas consultados pelo UOL
preferiram não opinar e frisaram que os desafios enfrentados por Bento
16 à frente da Igreja Católica passarão para o seu sucessor.
"O diálogo com a cultura pós-moderna e com as demais religiões da Ásia e
da África, uma igreja mais missionária e o avanço das igrejas
evangélicas são alguns dos grandes temas que serão debatidos pelo
próximo papa", enumerou o arcebispo emérito de São Paulo, dom Cláudio
Hummes.
* Colaborou Fernanda Calgaro
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