segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

O que Obama não dirá sobre os drones

O que Obama não dirá sobre os drones

Autor(es): Ryan Goodman
O Estado de S. Paulo - 25/02/2013
 
Eis um fato que você não ouviu nas audiências de confirmação de John Brennan, o escolhido pelo presidente Barack Obama para ser o próximo chefe da CIA, nem viu no relatório do governo sobre as mortes por drones. As regras internacionais sobre conflitos armados exigem que as nações capturem combatentes inimigos, em vez de matá-los, especialmente quando a força letal não é o único meio de tirá-los do campo de batalha.
No relatório, o governo alega que realizou uma revisão exaustiva das leis de guerra e honra essas normas. O retrato que ele faz das leis, contudo, é errado, de tão incompleto que está. O pressuposto fundamental, que em todas as análises que li ainda não foi questionado, é que, em tempo de guerra, um Estado pode, ao seu critério, escolher matar em vez de capturar combatentes inimigos.
Isto é uma absoluta falácia em matéria do direito atual e da história jurídica. O entendimento correto - e respeitador - da lei nesta área é extremamente importante para as escolhas que as forças especiais americanas são autorizadas a fazer quando caçam um suspeito de terrorismo. E é importante para as regras que os Estados Unidos estabelecem na cooperação com seus aliados da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan).
Ao ouvir a versão do governo a respeito do manual sobre aviões não tripulados (drones), o sujeito pode ser induzido a acreditar que, tão logo alguém seja designado como um combatente inimigo, ele pode ser morto á qualquer momento, em qualquer lugar - a menos que se renda. No entanto, quanto mais se procura uma defesa bem sustentada dessa ideia por algum especialista na lei de guerra, mais se percebe como ela é um erro.
Em 1625, o pai do direito internacional, Hugo Grotius, escreveu que, em geral, matar é chamado um "direito de guerra" e, segundo a lei das nações, "qualquer um que seja um inimigo pode ser atacado em qualquer lugar". O entendimento de Grotius esteve presente na Revolução Americana, na Guerra Civil dos EUA e nas guerras mundiais, na primeira metade do século 20.
No entanto, as modernas leis de guerra percorreram um longo caminho depois disso. Em 1967, um dos arquitetos delas, o jurista suíço Jean Pictet, afirmou que as partes de um conflito devem aplicar somente a força necessária. Mais tarde, ele elaboraria esse princípio numa máxima simples. "Se pudermos pôr um soldado fora de ação capturando-o, não devemos feri-lo, se pudermos obter o mesmo resultado ferindo-o, não devemos matá-lo, se houver dois meios de alcançar a mesma vantagem militar, devemos escolher a que causa menos males."
Não me entendam mal .Essa máxima não requer que soldados americanos se coloquem em risco para capturar terroristas da Al-Qaeda. O princípio de Pictet simplesmente sustenta que, se for desnecessário matar um indivíduo para tirá-lo do campo de batalha, a captura deve ser a opção preferida.
As opiniões de Pictet repudiavam a ideia da lei que remontavam a Grotius. E se impuseram. Em 1973, um grupo que incluía importantes figuras intelectuais da época, como Hans Blix, da Suécia, e Frits Kalshoven, da Holanda, adotou a linguagem de Pictet, essencialmente, palavra por palavra, como um reflexo justo da lei existente.
Por volta da mesma época, o Comitê Internacional da Cruz Vermelha analisou o estado da lei em um importante relatório para governos mundiais e afirmou concretamente: "O princípio de humanidade dispõe que a captura deve ser preferida ao ferimento. E o ferimento à eliminação."
Esse período culminou numa conferência internacional em Genebra, em 1977, que famosamente estabeleceu novos tratados que refletiam e atualizavam as normas de guerra. O resultado final foi um pacto, concordando com uma proibição mundial de "ferimentos supérfluos ou sofrimentos desnecessários", palavras que, de novo, espelhavam a máxima de Pictet. E palavras que estão hoje incluídas nos manuais bélicos dos militares americanos.
O fundamento da posição da Casa Branca se baseia, no fim das contas, numa relíquia histórica. No entanto, essa visão tem sido aceita como dominante nos Estados Unidos. Até críticos vigorosos do programa dos drones começaram a engoli-la. Por exemplo, um crítico recente da análise jurídica do Departamento de Justiça aceitou que, "a menos que ele se renda, um combatente pode ser morto independentemente de atividade".
A dissociação entre a conversa americana e as modernas leis de guerra ficou exposta até numa recente discussão com o filósofo político americano Michael Walzer. Ele sinalizou seu forte apoio à posição da Casa Branca. "Numa guerra assimétrica, sem um front, sem soldados em uniformes, as eliminações seletivas parecem uma forma necessária de guerra - e justificada, se atingirmos os alvos certos. Por que o risco (para forças americanas) faz diferença", afirmou.
Compare-se isso, porém, à emblemática decisão da Suprema Corte de Israel, em 2005, sobre eliminações seletivas. Numa decisão que incorpora desdobramentos modernos da lei internacional, os juizes israelenses declararam que a força letal deve ser abandonada quando "um meio menos danoso pode ser empregado". Eles explicaram que um fator-chave é se essa restrição envolve "um risco muito grande às vidas de soldados (israelenses)".
Uma leitura cuidadosa da lei e da história moderna mostra como a posição da Casa Branca está errada. Na faculdade de Direito, ensinamos que interpretar erroneamente a lei é tão ruim quanto ignorá-la. Neste caso, pelo menos nós ainda temos a chance de interpretá-la corretamente. /
Tradução de Celso Paciornik e professor de direito na Universidade De Nova York

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