quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Morre Niemeyer, poeta das curvas

Morre Niemeyer, poeta das curvas

Oscar Niemeyer
Autor(es): Por Heloisa Magalhães | Do Rio
Valor Econômico - 06/12/2012
 

O arquiteto Oscar Niemeyer morreu ontem, no hospital Samaritano, no Rio, onde se internou em 2 de novembro para tratar uma desidratação. Depois, teve hemorragia digestiva e, na terça-feira, uma infecção respiratória tornou seu quadro crítico, até levá-lo à morte às 21h55 de ontem. Ele completaria 105 anos no dia 15.
Reservado e modesto, Niemeyer foi autor de mais de 500 projetos no Brasil e no exterior. Não fez fortuna. Ajudou muita gente, parentes, amigos e correligionários do Partido Comunista Brasileiro (PCB), ao qual se filiou em 1945. Militância que o obrigou a deixar o país na década de 60, durante o regime militar.

Reconhecido mundialmente por sua obra de peculiaridades únicas, com domínio de formas curvilíneas, Oscar Niemeyer foi autor de mais de 500 projetos
O arquiteto Oscar Niemeyer morreu ontem, no hospital Samaritano, em Botafogo, na zona sul do Rio, onde havia dado entrada no dia 2 de novembro, a princípio para tratar de uma desidratação, em sua terceira internação no ano. Mais tarde, porém, Niemeyer apresentou hemorragia digestiva e houve piora em sua função renal. Na terça-feira, uma infecção respiratória levou a uma piora no seu estado clínico.
Em outubro, ele havia ficado duas semanas no hospital também por causa de uma desidratação. Em maio, teve pneumonia e chegou a ficar internado na UTI. Recebeu alta depois de 16 dias. Em abril de 2011, foi submetido a cirurgias para a retirada da vesícula e de um tumor no intestino. Na ocasião, ele ficou internado por 12 dias por causa de uma infecção urinária.
Niemeyer completaria 105 anos no dia 15, sábado da próxima semana. Deixa viúva Vera Lucia Cabreira, com quem se casou em novembro de 2006. Do primeiro casamento, de 76 anos, com Anita Baldo, morta em 2004, nasceu sua única filha, Anna Maria. Teve cinco netos, 13 bisnetos e 4 trinetos.
"Sou filho da natureza, um pequeno e humilde ser nela inserido e para ela transfiro - em parte, pelo menos - minhas qualidades e defeitos." Assim Niemeyer se definiu, evidenciando como o despojamento marcou sua vida e a obra de um mestre da arquitetura. Os projetos sempre foram arrojados, ousados, com a beleza das formas como prerrogativa, mas esse brasileiro consagrado internacionalmente era um homem especialmente reservado e até modesto.
Autor de mais de 500 projetos no Brasil e no exterior, não fez fortuna. Ajudou muita gente, parentes, amigos e correligionários do Partido Comunista Brasileiro (PCB), ao qual se filiou em 1945. Militância que o obrigou a deixar o país na década de 1960, no regime militar. Morou dez anos na Europa.
Muitas vezes, não poupou críticas a dirigentes do partido por "autoritarismo fora da realidade". Mas jamais admitiu a derrocada do regime soviético e sempre apoiou Fidel Castro. Suas ideias eram intrinsecamente focadas na justiça social e no nacionalismo. Niemeyer acabou deixando o PCB em 1991, após 46 anos, por não concordar com a mudança do símbolo do partido. Foi um dos criadores da Fundação Partido Comunista.
Na sua obra, o destaque irrefutável é Brasília, consagrada como patrimônio da humanidade pela Unesco. Niemeyer valorizou o Plano Piloto de Lúcio Costa, projetando os prédios governamentais da capital federal, além do Teatro Nacional e a catedral. As colunas do Palácio Alvorada impressionaram tanto André Malraux que o escritor francês considerou-o "o mais belo palácio da modernidade".
Mas o próprio Niemeyer nutria especial apreço pelo complexo da Pampulha, em Belo Horizonte, um conjunto de hotel, cassino, restaurante, clube e capela, de 1940. Considerava a obra como uma "iniciação de Brasília". Venceu preconceitos ao desenhar a igreja de São Francisco com traço arrojado, cúmplice do painel de Cândido Portinari. Ali Niemeyer introduziu mudança na linguagem da arquitetura. Dizia que se tratava de uma "exposição de averticalismo".
No complexo da Pampulha, desprezou "deliberadamente o ângulo reto, a arquitetura racionalista feita de régua e esquadro, para penetrar corajosamente nesse mundo de curvas e formas novas que o concreto armado oferece", como escreveu em seu livro de memórias, editado em 1998, "As Curvas do Tempo".
Niemeyer, arquiteto, mas também designer, escultor, desenhista e essencialmente poeta, asseverou: "Não é o ângulo reto que me atrai, nem a linha reta, dura, inflexível, criada pelo homem. O que me atrai é a curva livre e sensual, a curva que encontro nas montanhas do meu país, no curso sinuoso dos seus rios, nas ondas do mar, no corpo da mulher preferida. De curvas é feito todo o universo, o universo curvo de Einstein."
"Minha ambição foi reduzir a estrutura de um prédio ao mínimo. Este tem sido o trabalho da minha vida"
Foram suas curvas que ganharam o mundo. Com menos de 30 anos (em 1938/39), Niemeyer ficou em segundo lugar no concurso para o projeto do pavilhão do Brasil na feira de Nova York. Perdeu para Lúcio Costa, dono do escritório para o qual trabalhava. Mas o próprio Costa, identificando no projeto de Niemeyer uma proposta nova, leve, espontânea, convocou o então jovem arquiteto para um terceiro projeto em parceria. A arquitetura internacional foi então despertada para o arquiteto brasileiro. Em 1943, o MoMA e em 1950 a editora Reinold publicaram livros sobre sua obra.
De certa forma, o que Lúcio Costa fez com ele, chamando-o para refazerem juntos o projeto, Niemeyer repetiu com o consagrado arquiteto francês Le Corbusier. O projeto do brasileiro foi escolhido para abrigar a ONU, em Nova York, em 1949. Mas em seu livro de memórias ele narra que resolveu procurar Le Corbusier para, em conjunto, reverem a proposta. Anos depois, ouviu do francês: "Você é um homem generoso."
O primeiro contato dos dois deu-se em 1936, quando Le Corbusier apresentou um projeto para construção do prédio do Ministério da Educação, no Rio, a convite de Gustavo Capanema, responsável pela pasta. O escritório de Lúcio Costa era um dos encarregados da obra. Niemeyer apresentou sugestões que acabaram sendo aceitas pelo próprio Le Corbusier, embora ele mesmo cite em seu livro: "Naquela época, caminhávamos na periferia de sua arquitetura." Reconhecia, assim, a importância da influência de Le Corbusier contra a tirania do ângulo reto.
A cidade fluminense de Niterói é pródiga em obras de Niemeyer. A marca mais proeminente é o Museu de Arte Contemporânea, com o indelével traçado de um disco voador de frente para o mar, mas está sendo planejado o chamado "Caminho Niemeyer", com 13 construções em esculturas do arquiteto instaladas a céu aberto. Em São Paulo, entre os destaques estão o Parque do Ibirapuera, os edifícios Montreal e Copan, com curvas ousadas para a época em que foram projetadas, o início da década de 1950. No Rio, onde já havia dezenas de obras suas, o amigo Darcy Ribeiro o chamou, nos anos 1980, para projetar o Sambódromo e os Centros Integrados de Educação Pública (Cieps), projeto que foi replicado nas 400 unidades que existem no Estado.
Darcy Ribeiro dizia: "Daqui a 300 anos o único brasileiro conhecido será Oscar Niemeyer." Sua proposta inovadora o levou também para além dos Estados Unidos, com dezenas de projetos no exterior. Na França, são suas realizações a sede do Partido Comunista e da Renault, a torre de La Défense, a Bolsa do Trabalho em Bobiny, a Casa da Cultura, em Le Havre. Ele também está em Israel, na Argélia, na Itália, na Rússia, e em vários outros países.
O poeta Ferreira Goulart escreveu, em 1976: "Oscar nos ensina a viver no que ele transfigura; no açúcar da pedra/ no sono do ovo/ na argila da aurora/ na alvura do novo/ na pluma da neve. Oscar nos ensina /que a beleza é leve.".
"Arquitetura foi a minha maneira de expressar meus ideais: ser simples, criar um mundo igual para todos"
Alguns dos admiradores de Niemeyer viam as mesmas características, tanto na pessoa como em sua obra: a generosidade e o amor à liberdade, como observou, por exemplo, o arquiteto francês Jean Petit, autor do livro "Niemeyer, o Poeta da Arquitetura". Os dois conviveram quando o brasileiro estava no exílio, em Paris, na década de 1960.
Esse poeta não aceitou entrar para a Academia Brasileira de Letras, apesar dos livros publicados. Mas foi homenageado várias vezes em eventos internacionais, como na Bienal de Veneza, em 1996, e agraciado com prêmios como o Pritzker, em 1988, considerado o Nobel da arquitetura. Em setembro de 2004, já com 97 anos, não foi ao Japão receber mais um prêmio. Certamente, não por causa da idade. Niemeyer odiava viajar de avião.

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