segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Educação: Para apagar o incêncio

Para apagar o incêndio

Publicado em Carta Capital
27/08/2010

Por Rodrigo Martins e Tory Oliveira

As escolas da rede pública tiraram nota 3,4 no Ideb de 2011, o mesmo índice de dois anos atrás. Foto: Gilson Teixeira/D. A. Press

Após a divulgação dos vexatórios resultados do ensino médio na última edição do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), o Ministério da Educação planeja uma ampla modernização do currículo, com a integração das diversas disciplinas em grandes áreas do conhecimento. Na terça-feira 21, o ministro Aloizio Mercadante reuniu-se com os secretários estaduais da área e propôs a criação de um grupo de trabalho para estudar a proposta, inspirada no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), que organiza as matrizes curriculares em quatro grupos: linguagens, matemática, ciências humanas e da natureza e suas tecnologias.
“Hoje, o ensino médio tem uma estrutura curricular enciclopédica. São, no mínimo, 13 disciplinas obrigatórias, que podem chegar a 20 se incluirmos as optativas. Com apenas quatro horas de aula por dia é muito difícil para o aluno integrar esse conteúdo, sistematizar essas informações”, afirma o ministro Mercadante em entrevista a CartaCapital. “O ideal seria que todas as escolas funcionassem em período integral, como ocorre nos países desenvolvidos. Queremos trilhar esse caminho, mas o currículo também deve ser repensado.”
A situação realmente exige uma intervenção drástica. Com escala de 0 a 10, o Ideb considera o desempenho dos alunos em português e matemática, além da taxa de aprovação dos estudantes. Divulgada a cada dois anos, a nota das escolas da rede pública de ensino médio ficou estagnada em 3,4 em 2011. Ainda que esteja dentro da meta, o índice permanece o mesmo de 2009. Pior: dos 27 estados da Federação, 11 não alcançaram as notas propostas para o ano passado no ensino médio como um todo, público e particular. Em alguns deles houve retrocesso, como Alagoas (que caiu de 3,1 para 2,9), Espírito Santo (3,8 para 3,6) e Rio Grande do Sul (3,9 para 3,7).
É verdade que a qualidade do ensino não é o único desafio. O Brasil nem sequer conseguiu universalizar o acesso a essa etapa da educação. Dos mais de 10,5 milhões de jovens de 15 a 17 anos, pouco mais da metade (5,4 milhões) cursa o ensino médio. Existem ao menos 3,9 milhões de estudantes dessa faixa etária no ensino fundamental, portanto, defasados nos estudos. Outros 978 mil estão fora da escola, dos quais 166,8 mil são analfabetos. Mas o esforço para atender à demanda, que continuará crescente ao menos até 2020, conforme as projeções do IBGE, não pode inviabilizar as iniciativas para melhorar a aprendizagem.

Tempo. Mercadante quer aumentar a permanência dos estudantes em sala de aula. Foto: Dida Sampaio/AE

A proposta de reorganização curricular não é nova. Em 2011, o Conselho Nacional de Educação (CNE) aprovou diretrizes curriculares do ensino médio que propõem uma flexibilização do formato atual. “Não se trata de reduzir o número de disciplinas ou conteúdos que os alunos vão aprender. Ao contrário, a ideia é aprofundar componentes curriculares de forma integrada”, explica o secretário nacional de Educação Básica, César Callegari.
Para exemplificar, Callegari cita a estrutura do Enem, que exige dos alunos uma abordagem multidisciplinar para a resolução dos problemas propostos. Uma questão de química, por exemplo, pode exigir o uso de ferramentas da matemática ou conceitos de física. “O Enem é um instrumento de avaliação, mas propõe uma estrutura de relacionamento dos conteúdos. Hoje, 86% dos alunos estão na rede estadual e 12% na privada. Mas o MEC pode induzir e apoiar financeiramente as redes de ensino dispostas a adotar um currículo mais flexível.”
Na teoria, a proposta parece boa. O problema é a difícil adequação à realidade da maioria das escolas. “Não adianta mudar a organização do currículo sem capacitar o professor. Temos 2 milhões de professores da educação básica em atividade que precisam se adaptar a esta nova concepção”, afirma Edson Melo, diretor do Departamento de Políticas Educacionais do Amazonas. Penúltimo colocado no ranking do Ideb em 2005, com nota 2,3, o estado avançou para a nona colocação do ranking nacional com a nota 3,4 no ano passado, antecipando a meta de 2015. “Não é apenas um fator que explica esse salto de qualidade, mas um dos principais foi a capacitação de professores e gestores escolares. O problema essencial é esse, não o currículo.”

Professor da Faculdade de Educação da USP, Nilson Machado acredita que uma mudança curricular será inócua, ou mesmo prejudicial. “Se colocar um professor de física para dar uma aula de química ou biologia, ele dará aula de física. Dificilmente vai se abrir para outras disciplinas.” Para resolver os múltiplos problemas do ensino médio, avalia Machado, seria preciso mudar a organização da escola, dividindo o espaço reservado para a aula com outras atividades capazes de integrar os conteúdos. “Não adianta fundir as disciplinas por decreto.”
O ensino médio, destacam especialistas, sofre há tempos de uma crise de identidade. A começar pela sua função: formar cidadãos, promover a iniciação no mundo do trabalho ou meramente preparar estudantes para a faculdade? Outros problemas são históricos. Segundo Luís Carlos de Menezes, professor do Instituto de Física da USP e ex-coordenador da área de Ciências da Natureza e Matemática dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), a fragmentação disciplinar é uma herança da divisão existente no ensino superior. “A academia está atrasada, forma professores que repetem em sala de aula o formato aprendido na graduação.”

Exemplo. Em Pernambuco, as escolas em tempo integral tiveram desempenho bem melhor. Foto: Ademar Filho

Menezes avalia, porém, que a mudança poderia ter o efeito benéfico de fixar o docente na mesma escola. Hoje, um professor de física, por exemplo, tem de se dividir entre várias unidades de ensino para cumprir sua carga horária. A proposta amplia ainda o debate sobre o ensino médio, que tem sido relegado a segundo plano. “A proposta do MEC cria uma tensão boa, necessária, mas essa tensão não se resolve por si só.”
Os governos têm dado mais ênfase ao ensino fundamental que ao médio, até porque os problemas de aprendizagem nos anos iniciais de formação acabam por comprometer o desempenho do aluno por toda a vida escolar. Prova disso é a diferença do investimento por aluno nas diferentes etapas do ensino. Se até 2000 o gasto per capita com estudantes da educação básica era bastante similar, em 2010 a diferença tornou-se significativa. O poder público investe, em média, 3.905 reais para cada estudante do 5º ao 9º ano do fundamental, e apenas 2.960 reais num aluno do ensino médio. A evolução das notas do Ideb parece ter seguido essa lógica.
Enquanto o Ministério da Educação propõe a substituição da Prova Brasil pelo Enem para o cálculo do Ideb no ensino médio, alguns especialistas como Dermeval Saviani, professor aposentado da Unicamp, criticam a excessiva influência das avaliações nas políticas públicas. “Hoje, todos os níveis de ensino estão voltados para avaliações. Provinha Brasil, Prova Brasil, Enem, Enade. As escolas estão se organizando para obter pontos nos exames, e não para formar as crianças e jovens”, afirma. “Diversos municípios dispensam os livros didáticos do MEC, distribuídos gratuitamente e avaliados por comissões de nível superior, e gastam recursos para comprar pacotes dos chamados sistemas de ensino particulares. Na avaliação das prefeituras, os pacotes permitem que as escolas aumentem 1 pontinho no Ideb. E os livros do MEC não treinam para os testes.”
Mercadante afirma que o ensino médio só terá um salto de qualidade quando aumentar o tempo de permanência dos alunos em sala de aula. Pernambuco, por exemplo, criou as chamadas “escolas de referência”, com ensino regular e profissionalizante em período integral ou semi-integral. Dos 350 mil alunos do ensino médio, 110 mil estudam das 7h30 da manhã às 5 da tarde. Os resultados são interessantes. Enquanto a média das escolas comuns ficou em 3 pontos no Ideb, aquela das unidades de referência chegou a 4,6. “Os países que tiveram um salto de qualidade adotaram o ensino integral. Esse é o caminho, mas custa caro”, afirma o secretário de Educação pernambucano, Anderson Gomes.
As escolas da rede federal funcionam dessa forma, mas representam 1% do universo do ensino médio. E a maioria das instituições da rede estadual, principal responsável pela última etapa da educação básica, oferece apenas quatro horas diárias de aulas. “Pelo programa Ensino Médio Inovador, temos 2 mil escolas que ampliaram a jornada para cinco horas neste ano. Não é tempo integral, mas é um avanço”, diz o ministro.

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