Golpe de classe | ||||||
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por Silvio Caccia Bava | ||||||
O governo brasileiro está numa situação muito delicada diante do golpe que depôs o presidente paraguaio Fernando Lugo. De um lado existem todos os compromissos com a democracia e o combate à pobreza, tanto com os brasileiros como no plano internacional. Isso levaria o Brasil a decidir por sanções fortes ao golpe de Estado e a sugerir essa política ao Mercosul, pressionando o atual governo paraguaio para o pronto restabelecimento da democracia e fortalecendo esta como uma conquista inquestionável e coletiva. De outro lado está o agronegócio brasileiro, que se expandiu para o Paraguai em busca de menores custos de produção. Os “brasiguaios” se transformaram nos maiores produtores de soja do país, com plantações que ocupam 1,2 milhão de hectares. E há também a agropecuária e outros interesses. Esses brasiguaios do agronegócio – é preciso distingui-los de outras ondas de migração do Brasil para o Paraguai, que trouxeram agricultores familiares expulsos de suas terras pela expansão das grandes fazendas – foram dos primeiros a reconhecer a legitimidade do presidenteFederico Franco, recém-empossado. O núcleo do conflito é a propriedade da terra. A expansão recente das grandes fazendas e a mecanização no campo multiplicaram o número de agricultores familiares expulsos de suas terras. Uma parte deles se organizou no movimento sem terra, mas não encontra espaço na política para reivindicar seus direitos. No Paraguai, 80% dos estabelecimentos agrícolas são de agricultura familiar, mas estes ocupam apenas 6,2% do território. Aumentam os sem-terra, começam as ocupações, o conflito se acirra. O presidente Lugo foi eleito com o apoio de um amplo arco de movimentos sociais. Entre seus compromissos, assumiu a promoção da reforma agrária e a distribuição de terras para os sem-terra. Mas foi se distanciando dos movimentos e dessas promessas, perdendo o apoio dos movimentos sociais e do arco de forças que o elegeu. Quando Lugo enfrentou uma maior pressão dos grandes fazendeiros em seus conflitos com os sem-terra, buscou uma reaproximação com os movimentos e regulamentou, em janeiro deste ano, uma lei de 2005 que proíbe a venda a estrangeiros de terras consideradas de segurança nacional, isto é, as áreas até o limite de 50 quilômetros das fronteiras nacionais. Segundo os sem-terra, essas áreas teriam sido oferecidas de maneira ilegal pela ditadura de Stroessner a brasileiros, como estímulo ao desenvolvimento. Foi aí que se concentraram grandes plantações de soja. Ao mesmo tempo que a regulamentação da lei deu um alento aos movimentos sociais, também mobilizou o agronegócio, que, inclusive, pediu proteção ao governo brasileiro. Não é demais lembrar que essa proteção já lhes foi oferecida antes, em outubro de 2008, quando o movimento sem terra paraguaio anunciou uma data de ocupação das grandes fazendas. O Exército brasileiro mobilizou 11 mil homens em exercícios militares na fronteira com a área de conflitos entre os carperos, como são chamados os sem-terra, e as grandes fazendas de brasiguaios. Os comandantes da operação argumentaram que usavam do poder de dissuasão para evitar o conflito. O momento agora era outro. Lugo se viu sem sustentação política e buscou uma reaproximação com os movimentos sociais. Em janeiro, ordenou ao Exército que fizesse a medição e a instalação de marcos nas propriedades que estivessem dentro da área de 50 quilômetros da fronteira. Declarou que as terras que fossem reconhecidas como públicas seriam reapropriadas pelo Estado para a promoção da reforma agrária. Mexeu com os grandes proprietários rurais, que não viram nenhuma dificuldade em mobilizar o Congresso conservador e oligárquico para sua deposição. O presidente não tinha quem o sustentasse. Assim, cumpridos os requisitos formais, em menos de dois dias o presidente Lugo sofreu o impeachment e o vice assumiu, totalmente afinado com os interesses dos grandes fazendeiros. As acusações foram tão genéricas e o cerceamento das possibilidades de defesa por parte de Lugo tão evidentes que vários países da região reconheceram nessa situação um golpe de Estado. O Brasil ficou em uma situação delicada: se aplicar as sanções previstas nos acordos do Mercosul, irá contra os interesses dos brasiguaios do agronegócio. A questão agora é como restabelecer a democracia e criar alternativas para que haja eleições no mais curto espaço de tempo, mas, mais do que isso, como criar uma alternativa eleitoral progressista, comprometida com avanços sociais, ambientais e com a inclusão produtiva dos sem-terra. Inquietante é a via autoritária que se abre para a solução dos conflitos.
Silvio Caccia Bava
Diretor e editor-chefe do Le Monde Diplomatique Brasil |
sábado, 18 de agosto de 2012
Crise Paraguaia: Golpe de Classe
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