Democracia à vista na Líbia?
Gianni Carta
Em miúdos, diante das vitórias de partidos islamitas no Egito e na Tunísia, a Líbia demonstra que existe uma saída laica, ou pelo menos moderada, para as insurreições que, mundo árabe afora, derrubaram déspotas por anos cortejados por hipócritas líderes ocidentais.
A AFN teria obtido 80 das 200 cadeiras da Assembleia Nacional encarregada de dirigir uma nova fase de transição. Oito meses após a morte de Muammar Kaddafi, 2,7 milhões de líbios tiveram a oportunidade de ir às urnas para participar de eleições livres.
Os islamitas eram representados por duas agremiações: o Partido da Justiça e da Construção (PJC), braço da Irmandade Muçulmana, e o Al-Watan, dirigido pelo controverso ex-chefe militar de Tripoli, Abdelhakim Belhai.
Para se ter uma ideia de quem eram os candidatos islamitas, Belhai esteve com Bin Laden nas prisões da CIA no Afeganistão. Com o colapso do regime de Kaddafi, foi um dos primeiros rebeldes a adentrar Tripoli. Norte-americanos e franceses lhe forneceram armas, a despeito de seu passado.
No entanto, a Primavera Árabe, ao contrário do que previam vários experts, não gerará somente integrantes da Irmandade Muçulmana ou de partidos como Al-Watan. E o que queriam esses observadores conservadores, incluindo considerável fatia da arcaica esquerda brasileira, a pregar o perigo de um mundo árabe sob o comando de fundamentalistas? Manter no poder o ditador Kaddafi, responsável pela tortura e morte de centenas de milhares de opositores líbios?
Para numerosos líbios, Jibril, diga-se, também não é flor que se cheire. Em 2007 foi ministro da Economia de Kaddafi. Mas quem não trabalhou para Kaddafi? Ademais pesa a favor de Jibril o fato de que ele renunciou ao regime ditatorial. À época, ele trabalhava para Saif al-Islam, o filho de Kaddafi que propunha uma nova Carta. Jibril preferiu deixar o governo quando ficou transparente que Saif não pretendia incluir reformas na nova Constituição.
E no início da insurreição contra Kaddafi, Jibril tornou-se, durante sete meses, premier do Conselho Nacional de Transição (CNT).
Mahmud Jibril, de 60 anos, estudou Ciências Políticas e Econômicas no Cairo. Fez mestrado na Universidade de Pittsburgh, Pensilvânia, onde foi professor. É muçulmano praticante, mas mesmo assim chama para um diálogo as minorias, como os amazigh, os tuaregues e os islamitas fundamentalistas.
Jibril quer, inclusive, um diálogo com os separatistas, estes insatisfeitos com a alocação de cadeiras na Assembleia: 100 para o oeste, 60 para o leste (onde se encontra 80% das reservas de petróleo) e 40 para o sul.
Jibril, carismático embora sem senso de humor, é considerado um pragmático. É visto como um homem experiente e teve o bom senso de formar uma coalizão no momento em que os líbios não estão interessados em homens fortes (leia autoritários) no poder.
Ajuda o fato de Jibril integrar a poderosa tribo Warfalla. Os Warfallas são ambiciosos, fazem carreiras em todos os campos. Frequentam universidades estrangeiras, tornam-se banqueiros, professores etc. Serviram Kaddafi, mas apoiaram Jibril.
Num país sem sociedade civil e partidos políticos – legado de Kaddafi – tribos tiveram mais poder nas legislativas do que os islamitas. No entanto, não podemos esperar um futuro transparente para Líbia: diferenças regionais e rivalidades não desapareceram com a queda de Kaddafi.
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