
Após
anúncio de corte de 27,3 bilhões de euros nas contas do governo,
analistas defendem que política europeia de austeridade não é o melhor
caminho para conter crise . Foto: Marta F. Maeso
Um dia após uma greve geral levar milhares de pessoas às ruas de
diversas cidades da Espanha, entre elas Valencia, Bilbao, Barcelona e a
capital, Madri, o governo anunciou nesta sexta-feira 30 um corte de 27,3
bilhões de euros no orçamento de 2012.
A mais rígida medida de austeridade desde a redemocratização do país em 1978, segundo o ministro da Fazenda Cristóbal Montoro.
O objetivo é reduzir o déficit público de 8,51% do PIB do país em
2011 para 5,3% no final deste ano, embora a meta esperada pela União
Europeia fosse de 4,4%. Inviabilizada, os líderes europeus concordaram
em aumentar a margem, mas a ação gerou desconfiança no mercado e alta
nos juros dos títulos da dívida espanhola.
Com o temor de enfrentar dificuldades para se financiar a partir da
venda de títulos, o país optou pelas medidas de austeridade para
garantir sua credibilidade, explica Antonio Carlos Alves dos Santos,
doutor em economia e professor da PUC-SP, embora isso deva provocar um
“baque maior” maior na economia espanhola.
Antes do anúncio, a expectativa era que o país registrasse uma queda
de 1,7% no PIB. “A medida não é o melhor caminho, porque o país já
registra elevados níveis de desemprego, mas ao não cumprir a meta de
déficit público ficou em situação delicada.”
Santos acredita que o país viu-se pressionado a apostar em no financiamento do mercado ao invés do crescimento econômico.
Júlio Sérgio Gomes de Almeida, doutor em economia e consultor do
Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (IEDI), também
defende que o corte no orçamento, a princípio, deve influenciar no
crescimento do país, a menos que outros fatores – como um programa de
relançamento da economia europeia –, o compense. “Os países europeus em
cenário de recessão apresentaram uma leve melhora, mas não há, no
momento, sinal de algum mecanismo de compensação.”
Em meio a pressões, o governo espanhol congelou o salário dos
servidores públicos e deve cortar cerca de 15% do orçamento de cada um
dos ministérios para atingir um valor final “muito austero”, segundo o
primeiro-ministro conservador Mariano Rajoy – pressionado pela EU para
conter o déficit público.
O governo também pretende arrecadar 12,3 bilhões de euros em 2012,
ajudado pelo aumento de impostos a grandes companhias e elevação de
preços da energia em 7% e do gás.
Nas ruas, os espanhóis protestaram na quinta-feira 29. Barcelona
reuniu cerca 800 mil pessoas nas ruas, de acordo com dados dos
sindicatos e 80 mil nas estimativas da policia. Em Madri, os sindicatos
estimaram a participação popular 900 mil indivíduos.
O país tem o maior índice de desemprego da Europa, com 24% de sua
população desocupada. Entre os jovens a situação é ainda mais crítica
com quase metade dos jovens com menos de 25 anos estão sem trabalho.
Segundo o consultor do IEDI, essa situação também é influenciada pela
política da UE de defender cortes para reequilibrar o orçamento de
países em crise, seguindo a lógica de que isso favoreceria o retorno do
crescimento. “Se um corte leva ao declínio da atividade econômica, fica
mais difícil obter o equilíbrio fiscal”, questiona.
“Qual país tem uma melhora no seu déficit fiscal capaz de
beneficiá-lo de tal forma a tirá-lo da crise? A melhora fiscal não é um
elemento que por si só promova a volta do crescimento do país.”
Neste cenário, os ministros da Zona do Euro chegaram a um acordo
nesta sexta-feira para reforçar a barreira contra a crise a até 800
bilhões de euros, como pretendia a Alemanha. A ideia é unir os fundos já
comprometidos do Fundo Europeu de Estabilidade Financeira (FEEF), para
os resgates de Grécia, Portugal e Irlanda, e os do Mecanismo Europeu de
Estabilidade (MEDE), definidos em 500 bilhões de euros.
A Comissão Europeia (CE) e alguns países, como a França, tinham um
objetivo mais ambicioso. Pretendiam passar uma imagem de extrema solidez
perante os mercados elevando o MEDE, o fundo permanente de resgate, que
prevê entrar em vigor em julho, a 940 bilhões de euros.
Para isso propuseram acrescentar também os fundos não utilizados do
FEEF, estimados em 240 bilhões de euros, como modo de reserva e em caso
de extrema necessidade.
De acordo com Santos, o valor não seria suficiente para criar uma
barreira efetiva, estimada pelo professor em 1 trilhão de euros.
“Chegaram a este valor porque é o mínimo demandado pela Inglaterra e EUA
para aceitar aumentar o volume de recursos do FMI.”
Por outro lado, Almeida acredita que o valor do fundo é suficiente,
mas outra solução seria um arrojo maior com um programa de
reestruturação de parte das dívidas nacionais por títulos de
responsabilidade da União Europeia. “Essa medida seria complicada, pois
haveria um comprometimento de países que hoje não estão na berlinda com a
dívida de outros. Mas seria um bom início de entendimento para reduzir
as dívidas impagáveis e melhora a situação dos que entram em situações
críticas.”
O bloco, explica, deveria ter um programa mais flexível no campo
fiscal e ter um programa de relançamento das economias da região. “Isso
ajudaria esses países a se fortalecer fiscalmente, mas sem impulsionar a
recessão.”