Chanceler troca de cargo com o embaixador na
ONU, Luiz Alberto Figueiredo, após crise aberta por operação que trouxe
senador boliviano para o Brasil
BRASÍLIA
A operação que trouxe para o Brasil o senador boliviano Roger Pinto
Molina, sem que o governo da Bolívia concedesse um salvo-conduto, custou
o cargo do ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota. A
demissão do chanceler foi anunciada ontem à noite pelo Palácio do
Planalto. No lugar dele, assumirá o atual embaixador brasileiro na ONU,
Luiz Alberto Figueiredo. Oficialmente, Patriota pediu demissão num
encontro com a presidente Dilma Rousseff ontem à noite. Mas foi a
presidente quem pediu para o diplomata deixar o posto depois de ficar
irritada com o caso Roger Molina.
"A presidente Dilma Rousseff aceitou o pedido de demissão do ministro
Antonio de Aguiar Patriota, e indicou o representante do Brasil junto às
Nações Unidas, em Nova York, embaixador Luiz Alberto Figueiredo, para
ser o novo ministro das Relações Exteriores. A presidente agradeceu a
dedicação e o empenho do ministro Patriota nos mais de dois anos que
permaneceu no cargo e anunciou a sua indicação para a Missão do Brasil
na ONU", diz a nota divulgada pelo Palácio do Planalto.
A operação foi vista pelo Palácio do Planalto como um verdadeiro
desastre, contaram pessoas próximas a Dilma. Patriota já vinha
enfrentando uma série de desgastes com a presidente, e o episódio
envolvendo o encarregado de negócios da Embaixada do Brasil na Bolívia,
Eduardo Saboia, foi considerado uma quebra de hierarquia, de confiança
e, principalmente, do princípio internacional do asilo. Um auxiliar da
presidente disse que isso era inaceitável e não havia como o comandante -
no caso Patriota - deixar de responder pela operação.
- O Patriota é um excelente diplomata, mas não foi um bom ministro -
comentou um subordinado da presidente.
irritação no planalto
Dilma só foi informada de que o senador boliviano, de oposição ao
presidente Evo Morales, havia fugido para o Brasil com o auxílio de um
diplomata brasileiro quando ele já havia cruzado a fronteira. Ao saber
que a alegação para a retirada do político era que sua saúde corria
graves riscos, a presidente pediu para verificar que cuidados médicos
haviam sido providenciados quando ele chegou no Brasil. A resposta foi a
de que ele não fora levado a nenhum hospital ou médico. A irritação no
Palácio ficou ainda maior com Pinto Molina dando entrevistas sem
aparentar qualquer fragilidade de saúde.
A operação de retirada do senador boliviano, condenado por corrupção em
seu país, também foi considerada altamente temerária e arriscada. Como
não aconteceu nada mais grave no trajeto, afirmou um assessor da
presidente, ficou parecendo que a fuga foi muito bem calculada. Mas o
risco foi imenso.
- Imagina o que aconteceria se o comboio fosse atacado no meio da
estrada e o senador fugisse ou fosse sequestrado - acrescentou o
assessor.
Outro ponto que deixou o Palácio do Planalto desconfiado foi o fato de a
operação ter sido realizada num período em que o posto de embaixador do
Brasil na Bolívia está desocupado. O ex-embaixador Marcel Biato está
indo para Estocolmo, na Suécia, e seu substituto, Raymundo Santos Rocha
Magno, ainda aguarda formalidades burocráticas da Bolívia para assumir o
posto. A ordem da Presidência é para que todo o caso seja investigado.
Um processo administrativo disciplinar (PAD) será aberto para apurar as
responsabilidades.
Sobre a situação de Patriota, auxiliares de Dilma afirmam que a atuação
do agora ex-chanceler deixou a presidente insatisfeita em algumas
ocasiões. Mais recentemente, no episódio envolvendo a detenção por
policiais britânicos do brasileiro David Miranda - companheiro do
jornalista americano Glenn Greenwald, autor de reportagens que
divulgaram documentos secretos americanos - por quase nove horas no
aeroporto de Heathrow, em Londres, a expectativa do Palácio era de que o
Ministério das Relações Exteriores reagisse de forma mais contundente. O
tom utilizado foi considerado diplomático, mas exageradamente ameno. O
governo esperava uma posição mais afirmativa para o Brasil por parte do
Itamaraty. O caso envolvendo a Bolívia neste fim de semana trouxe novos
constrangimentos internos, comprometendo a escala de comando do
ministério e sua subordinação à Presidência, assim como a comunicação
entre o Itamaraty e o Palácio do Planalto; e externos, com a imagem do
país afetada por cobranças públicas do governo boliviano de
descumprimento de acordos internacionais.
comissão ouve pinto molina
Roger Pinto Molina está abrigado na casa do advogado Fernando Tibúrcio
em Brasília. Ontem, ele apareceu por três vezes na porta da residência e
posou para fotógrafos. O boliviano recusou-se a responder perguntas
sobre seus planos; limitou-se a dizer "amo o Brasil" ao ser abordado por
jornalistas. Segundo Tibúrcio, não há risco de o senador ser deportado
ou extraditado:
- Só (será extraditado) se acontecer uma coisa heterodoxa, que acho que
não tem o menor sentido - disse. - Ele é um asilado político. Foi
concedido asilo a ele. A mesma situação que tem o (ex-técnico da CIA
Edward) Snowden na Rússia e o (fundador do WikiLeaks, Julian) Assange no
Equador, é a mesma dele.
Pinto Molina pediu refúgio político no Brasil ao chegar em Corumbá (MS),
no domingo. Ele já tinha status de asilado político desde junho do ano
passado, mas decidiu melhorar as condições de permanência no país. O
refugiado político tem direto a trabalhar e a recorrer à rede pública de
saúde. O asilo é concedido pela presidente da República ou pelo
Itamaraty, e depende de aprovação do Comitê Nacional para os Refugiados,
vinculado ao Ministério da Justiça.
A Comissão de Relações Exteriores (CRE) do Senado vai ouvir o senador
boliviano hoje. A ideia é convidar todas as partes envolvidas no caso,
incluindo representantes do governo da Bolívia. Integrantes do colegiado
defenderam o ato do diplomata Eduardo Saboia, que tomou a decisão de
retirar o político da embaixada brasileira. Apenas a senadora Vanessa
Grazziotin (PCdoB-AM)criticou a ação, alegando que houve quebra de
hierarquia e que Molina seria condenado se fosse "de esquerda".
Os senadores que defenderam a atitude de Saboia, que são maioria, alegam
que ele tomou a decisão que o governo brasileiro deveria ter tomado há
tempos, já que Roger Molina estava há 455 dias em situação precária na
embaixada. Para esses parlamentares, o diplomata agiu com base em
preceitos humanitários e, por isso, não deve ser retaliado pelo
Itamaraty, que anunciou abertura de inquérito para apurar as
circunstâncias da operação. Em nota, eles afirmaram que tomarão medidas
administrativas e disciplinares em relação ao caso.
- A presidente da República devia saber da situação penosa em que vivia o
senador boliviano, porque também já foi perseguida, presa e até
torturada. Não podemos aceitar esses desatinos que vêm ocorrendo na
América Latina - afirmou o senador Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE),
vice-presidente da CRE.
A senadora Ana Amélia (PP-RS), também integrante da comissão, a atitude
do diplomata se justificou por se tratar de "circunstâncias da extrema
gravidade do risco de vida do senador boliviano". Ela defendeu também o
apoio dado pelo presidente da CRE, Ricardo Ferraço (PMDB-ES).
- Entre manchar com sangue de um senador nas circunstâncias que estavam
se apresentando e uma atitude humanitária, que foi decisão do diplomata,
a atitude sensata tomada por ele, o presidente da CRE tomou a decisão
correta - disse a senadora.
O líder do PSDB no Senado, Aloysio Nunes (SP), sustenta que Eduardo
Saboia agiu de acordo com a Constituição, em defesa da dignidade da
pessoa humana. O senador afirmou que a CRE acompanhará de perto os
desdobramentos do inquérito no Itamaraty para evitar que o diplomata
sofre retaliações.
- Este diplomata brasileiro agiu de acordo com a consciência universal,
não com regulamentos. Uma pessoa perseguida por suas ideias, atuação
política, merece asilo - declarou o senador.
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