quinta-feira, 3 de agosto de 2017
terça-feira, 19 de julho de 2016
Para Entender o Brexit, ou Bre(Shit)?
Para
Entender o Brexit, ou Bre(Shit)?
Por
Cássio Albernaz
Para compreender o
Brexit, cabe uma advertência inicial relacionada a alguns conceitos envolvidos.
Primeiramente, Brexit significa do inglês “Britain Exit” ou a saída da
Grã-Bretanha, mas surge um problema imediato, saindo do quê mesmo? Outro
problema conceitual se relaciona aos termos Grã-Bretanha e Reino Unido, onde o
primeiro designa a ilha composta por Inglaterra, Escócia e País de Gales, e o
segundo, o Estado sob administração da Rainha composto pelos mesmos países mais
a Irlanda do Norte. Entretanto, no recente plebiscito a Irlanda do Norte também
votou. Então não seria um “Ukexit” o termo mais correto?
Ainda para complicar um
pouco mais, a consulta popular trata de uma saída da União Européia, da Zona do
Euro, ou da Europa, como alguns incautos afirmam? Calma! Os Ingleses, Galeses,
Escoceses e Norte-Irlandeses continuarão sendo europeus! E não, a resposta é
NÃO, pois não há chance do Brasil entrar na União Europeia! A não ser que um
abalo sísmico descole o Brasil da América do Sul e pegando a corrente atlântica
certa nos leve a Europa. Mas isso não passa de devaneio.
Desfazendo os nós. O plebiscito
foi direcionado a população do Reino Unido, no qual deveriam responder à
seguinte pergunta na cédula eleitoral: "Deve o Reino Unido permanecer como
membro da União Europeia ou sair da União Europeia?" Cabe lembrar, que o
Reino Unido não faz parte da Zona do Euro, ou seja, já não adota o Euro como
moeda por medo de perder autonomia e ficar suscetível a instabilidade e
desvalorização da moeda. Entretanto, pertence à União Européia, no que diz
respeito ao livre trânsito de capitais, serviços, pessoas, e vantagens nas
trocas de produtos entre os membros.
Cabe ressaltar que a
consulta popular realizada no Reino Unido não é vinculante. Assim, o
primeiro-ministro pode ou não seguir o resultado da votação e até mesmo o Parlamento
Inglês pode vetar o resultado eleitoral. Entretanto, como se sabe, o custo
político desse ato ninguém quer assumir e levou o primeiro-ministro inglês a
renúncia frente a um parlamento controlado pelo Partido Conservador e pelo Ukip
(Partido Nacionalista) que são favoráveis a saída da União Europeia.
Por que a consulta
popular foi realizada? David Cameron, o até então primeiro-ministro inglês,
numa jogada política para sua reeleição parlamentar de 2015 se utilizou da
proposta como promessa de campanha frente à pressão crescente do seu próprio
partido (Partido Trabalhista) e dos conservadores e nacionalistas. Esses
partidos e a pressão pública popular advertiam uma influência cada vez maior
dos problemas da União Europeia no cotidiano dos cidadãos do Reino Unido se
sentindo fragilizados pela crise econômica e pela crise imigratória.
Dentre as novas e
velhas tensões, estão, entre outras, a defesa da soberania nacional, o orgulho
pela identidade britânica, desconfiança com a burocracia de Bruxelas, o
controle de fronteiras e questões de segurança interna e defesa. Entretanto, ao
sinalizar a saída da UE, investidores que utilizavam a ilha como um trampolim
para o mercado europeu já começam a retirar seus investimentos fora as
dificuldades candentes de importação e exportação que resultarão de tal medida.
Esses impactos levam novamente a Escócia, que votou em massa para seguir na UE,
a cogitar uma saída do Reino Unido, visando manter o pacto e o mercado europeu.
Por outro lado, a
Alemanha e os países europeus querem acelerar o processo de saída do Reino
Unido para dirimir os impactos econômicos e políticos, mas essa transição
poderá durar até 2 anos. Muitos temas polêmicos terão que ser discutidos,
taxação de produtos de importação e exportação, vistos de entrada e saída no
Reino Unido, investimentos de cidadãos europeus nas ilhas, a questão dos
imigrantes, e muitos acordos políticos e diplomáticos.
O Brexit, conduzido
pela opinião pública e alguns partidos políticos, pode gerar em médio prazo uma
crise política e econômica sem precedentes no Reino Unido. Bre(Shit)!
domingo, 19 de junho de 2016
Nova Página no Facebook!!!
Pessoal,
Vou voltar a Atualiza-los com assiduidade, mas agora a partir da minha página do facebook. Muitas dicas pra concurso, correções de provas, clippings de notícias e muitas novidades!!
Segue lá!!
https://www.facebook.com/professorcassioalbernaz/
abraço
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domingo, 30 de março de 2014
Comentários Prova de Atualidades CEF 2014
COMENTÁRIOS PROVA CEF 2014
ATUALIDADES– PROVA COFRE
31 – ERRADA
Apesar de a questão afirmar de forma acertada a
autossuficiência em petróleo bruto, não há uma diminuição do número de veículos
automotores no País na última década. Como se sabe, as políticas de incentivo
ao consumo, como a redução do IPI do setor automotivo, estimulou esse setor
produtivo.
32 – ERRADA
Os EUA está investindo em na produção de gás
não-convencional (como o de Xisto). Entretanto, a maior economia do planeta é
da União Europeia, mas apenas de forma agregada, pois a estadudinense ainda é a
maior se for considerada por país. A China aparece ainda como segunda maior
economia. Outro Erro, é a afirmação de que somando a economia chinesa e da
União Europeia isso corresponderia a 80% do comércio mundial. Na verdade, o que
corresponde a 80% do comércio mundial é a soma das economias do G20.
33 – CERTA
Apesar de o Brasil ser o quinto país em
investimento de fontes renováveis, ainda tem sua matriz energética brasileira
composta por 54% de fontes não-renováveis, o percentual mais baixo entre as
grandes economias mundiais segundo a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), o
que faz com que o uso de energias renováveis e não-renováveis seja “quase
empatado”, como afirma a assertiva.
34 – CERTA
Ainda o Oriente Médio é uma região produtora
privilegiada de petróleo, este que consiste ainda na principal fonte energética
para a industrialização mundial tornando a região ainda um palco relevante de
conflitos e disputas de interesses.
35 – ERRADO
A Rússia não
pertence à União Europeia!!!
36 – ERRADO
No escândalo de espionagem estaduninense,
publicizado por Edward Snowden, nem os países parceiros americanos saíram
ilesos. Cabe lembrar que a Chefe de Estado alemã Angela Merkel teve seu celular
monitorado pela inteligência americana, e até mesmo Dilma Roussef e altos
escalões do governo Brasileiro tiveram seus e-mails monitorados.
quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014
‘O povo não vai se cansar de protestar’
Manuel Castells: ‘O povo não vai se cansar de protestar’
O Globo 29/06/2013
Sociólogo afirma que ausência de líderes é uma das qualidades dos protestos no Brasil e diz que país vai influenciar países vizinhos
O Globo 29/06/2013
Sociólogo afirma que ausência de líderes é uma das qualidades dos protestos no Brasil e diz que país vai influenciar países vizinhos
Para o sociólogo catalão Manuel Castells, boa parte dos políticos é de “burocratas preguiçosos”. Ele é um dos pensadores mais influentes do mundo, com suas análises sobre os efeitos da tecnologia na economia, na cultura e, principalmente, no ativismo. Conhecido por sua língua afiada, o espanhol falou ao GLOBO por e-mail sobre os protestos.
Os protestos no Brasil não tinham líderes. Isso é uma qualidade ou um defeito?
Claro que é uma qualidade. Não há cabeças para serem cortadas. Assim, as redes se espalham e alcançam novos espaços na internet e nas ruas. Não se trata, apenas, de redes na internet, mas redes presenciais.
Como conseguir interlocução com as instituições sem líderes?
Eles apresentam suas demandas no espaço público, e cabe às instituições estabelecer o diálogo. Uma comissão pode até ser eleita para encontrar o presidente, mas não líderes.
Como explicar os protestos?
É um movimento contra a corrupção e a arrogância dos políticos, em defesa da dignidade e dos direitos humanos — aí incluído o transporte. Os movimentos recentes colocam a dignidade e a democracia como meta, mais do que o combate à pobreza. É um protesto democrático e moral, como a maioria dos outros recentes.
Por que o senhor disse que os protestos brasileiros são um “ponto de inflexão”?
É a primeira vez que os brasileiros se manifestam fora dos canais tradicionais, como partidos e sindicatos. As pessoas cobram soberania política. É um movimento contra o monopólio do poder por parte de partidos altamente burocratizados. É, ainda, uma manifestação contra o crescimento econômico que não cuida da qualidade de vida nas cidades. No caso, o tema foi o transporte. Eles são contra a ideia do crescimento pelo crescimento, o mantra do neodesenvolvimentismo da América Latina, seja de direita, seja de esquerda. Como o Brasil costuma criar tendências, estamos em um ponto de inflexão não só para ele e o continente. A ideologia do crescimento, como solução para os problemas sociais, foi desmistificada.
O que costuma mover esses protestos?
O ultraje, causado pela desatenção dos políticos e burocratas do governo pelos problemas e desejos de seus cidadãos, que os elegem e pagam seus salários. O principal é que milhares de cidadãos se sentem fortalecidos agora.
O senhor acha que eles podem ter sucesso sem uma pauta bem definida de pedidos?
Acho inacreditável. Além de passarem por uma série de problemas urbanos, ainda se exige que eles façam o trabalho de profissional que deveria ser dos burocratas preguiçosos responsáveis pela bagunça nos serviços. Os cidadãos só apontam os problemas. Resolvê-los é trabalho para os políticos e técnicos pagos por eles para fazê-lo.
Com organização horizontal, esse movimento pode durar?
Vai durar para sempre na internet e na mente da população. E continuará nas ruas até que exigências sejam satisfeitas, enquanto os políticos tentarem ignorar o movimento, na esperança que o povo se canse. Ele não vai se cansar. No máximo, vai mudar a forma de protestar.
Outra característica dos protestos eram bandeiras à esquerda e à direita do espectro político. Como isso é possível?
O espaço público reúne a sociedade em sua diversidade. A direita, a esquerda, os malucos, os sonhadores, os realistas, os ativistas, os piadistas, os revoltados — todo mundo. Anormal seriam legiões em ordem, organizadas por uma única bandeira e lideradas por burocratas partidários. É o caos criativo, não a ordem preestabelecida.
Há uma crise da democracia representativa?
Claro que há. A maior parte dos cidadãos do mundo não se sente representada por seu governo e parlamento. Partidos são universalmente desprezados pela maioria das pessoas. A culpa é dos políticos. Eles acreditam que seus cargos lhes pertencem, esquecendo que são pagos pelo povo. Boa parte, ainda que não a maioria, é corrupta, e as campanhas costumam ser financiadas ilegalmente no mundo inteiro. Democracia não é só votar de quatro em quatro anos nas bases de uma lei eleitoral trapaceira. As eleições viraram um mercado político, e o espaço público só é usado para debate nelas. O desejo de participação não é bem-vindo, e as redes sociais são vistas com desconfiança pelo establishment político.
O senhor vê algo em comum entre os protestos no Brasil e na Turquia?
Sim, a deterioração da qualidade de vida urbana sob o crescimento econômico irrestrito, que não dá atenção à vida dos cidadãos. Especuladores imobiliários e burocratas, normalmente corruptos, são os inimigos nos dois casos.
Protestos convocados pela internet nunca tinham reunido tantas pessoas no Brasil. Qual a diferença entre a convocação que funciona e a que não tem sucesso?
O meio não é a mensagem. Tudo depende do impacto que uma mensagem tem na consciência de muitas pessoas. As mídias sociais só permitem a distribuição viral de qualquer mensagem e o acompanhamento da ação coletiva.
terça-feira, 25 de fevereiro de 2014
Entenda os protestos na Venezuela
Entenda os protestos na Venezuela
País deve ser palco de novas manifestações, que têm como pano de fundo problemas econômicos e de violência urbana instrumentalizados por alas da oposição
Carta Capital
por Redação — publicado 18/02/2014
Os atuais protestos que ocorrem na Venezuela estão inseridos em um contexto mais amplo de manifestações. Ainda em 2013, logo após a estreita vitória do chavista Nicolás Maduro na eleição presidencial, grupos simpáticos ao opositor Henrique Capriles Radonski foram às ruas contra o presidente recém-eleito, pedindo uma recontagem dos votos. Naquela ocasião, as manifestações deixaram oito mortos, entre opositores e simpatizantes do governo.
No início de fevereiro, estudantes em San Cristóbal, no estado de Táchira, protestaram contra a falta de segurança nos campi universitários depois que uma jovem sofreu uma tentativa de estupro. Os protestos se alastraram por outras cidades incorporando novas demandas, como os problemas econômicos e o apelo pela soltura de estudantes detidos em manifestações anteriores. Somado a isso, um ala mais radical da coalizão Mesa da Unidade Democrática (MUD), encabeçada pelos opositores Leopoldo López, Maria Corina Machado e Antonio Ledesma, incorporaram-se às manifestações, exigindo “La Salida” de Maduro do poder.
Saiba mais sobre os protestos na Venezuela:
O que aconteceu no dia 12 de fevereiro?
Na data em que se comemora o Dia da Juventude no país, os protestos, que até então tinham apresentado incidentes violentos isolados, atingiriam um novo patamar. As manifestações contra e a favor do governo terminaram com um saldo de três mortos após violentos confrontos nas ruas. Duas pessoas foram mortas por tiros em Caracas, um estudante e um simpatizante do governo. Uma terceira faleceu em um tiroteio relacionado a uma manifestação no município de Chacao.
Diante desse quadro, o governo e a oposição trocam acusações. Representantes da gestão Maduro culpam “pequenos grupos fascistas” de estarem infiltrados nos protestos opositores. Já estes culpam militantes armados pró-governo de atacar seus protestos nos últimos anos.
Quem são os manifestantes?
Não é possível definir um grupo homogêneo, ligado a um partido específico, com uma demanda clara. Em geral, o participante dos protestos contra Maduro vem de setores da sociedade insatisfeitos com as políticas econômicas e de segurança pública do atual governo.
São majoritariamente estudantes universitários e do segundo grau de classe média, grupo que sempre representou uma forte oposição ao governo, desde Hugo Chávez. Apesar de estarem todos sob a inscrição de “oposição”, há uma parcela contrária a Maduro que não necessariamente se identifica com a ala mais radical da MUD.
Uma ala mais moderada – cujo representante mais conhecido é Henrique Capriles – rechaça a “opressão do governo”, mas também é contrária a manifestações violentas e defende que, no momento, não há condições de pressionar pela saída de Maduro do poder.
O desempenho econômico e a violência urbana são as principais causas?
Segundo o venezuelano Rafael Villa, professor de Ciência Política da Universidade de São Paulo, os problemas econômicos e de violência urbana provocam insatisfações em alguns setores da sociedade, mas estão sendo fortemente instrumentalizados com fins políticos. O país apresentou em 2013 uma inflação que chegou a 56,2% e há a escassez de produtos básicos como leite, açúcar e papel higiênico. Somado a isso, o país vem sofrendo com apagões de energia elétrica.
Em relação à violência, desde 2003 não há uma cifra oficial sobre o número de homicídios na Venezuela. De acordo com a ONG Observatório Venezuelano de Violência (OVV), o país encerrou 2013 com uma taxa de 24.763 mortes violentas, 79 mortos para cada 100 mil habitantes. "De fato, a violência, a falta de segurança pública existe. É um problema possível de se vivenciar no dia a dia”, afirma Villa. “Mas também é verdade que essa questão tem sido politizada, usada pela oposição. E não há nada estranho nisso. É uma das fraquezas da administração chavista, então é claro que a oposição não vai deixar de explorar.”
Outro aspecto ressaltado por Villa é que a vitória do Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV) em 77% das cidades nas eleições municipais de dezembro fortaleceu Maduro, que estava fragilizado desde as eleições presidenciais, quando ele teve uma vitória apertada sobre Capriles. “De alguma maneira, esses protestos, com uma clara intervenção da oposição, procuram recuperar esse contexto político de fraqueza, de fragilidade do governo. Mais que os problemas econômicos e de violência é isso que está em jogo.”
Qual é o papel de Leopoldo López?
Leopoldo López é fundador do partido Voluntad Popular e integra a ala mais radical da Mesa da Unidade Democrática (MUD), grupo opositor ao chavismo. Um dos políticos que encabeça o lema "La Salida" contra Maduro, López foi estudante de economia em Harvard e prefeito de Chacao, na região metropolitana de Caracas.
Em 2008, foi impedido pela Justiça de exercer cargos públicos após ter sido acusado de receber recursos da companhia de petróleo da Venezuela, a PDVSA – cuja gerência na época era ocupada por sua mãe, Antonieta Mendoza –, para fundar o partido opositor Primeira Justiça. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos teve um entendimento em seu favor, mas o governo manteve a condenação.
Segundo Villa, López tem mais peso político fora do que dentro da Venezuela. “Ele não tem um papel muito importante. Não tem um partido forte por trás dele e não tem base social”, afirmou. Para o professor, o político usa os protestos como uma tentativa de intensificar os conflitos sociais na Venezuela e se beneficiar. “Mas não é alguém que possa colocar em xeque o governo.”
Por outro lado, o professor afirma que Maduro se mostra “pouco habilidoso” ao lidar com López. Nesta semana, o governo mandou revistar a casa dos pais do opositor e a sede do seu partido, além de decretar ordem de prisão contra ele, sob a acusação de ele ser o responsável pelas três mortes nos protestos.
Qual é a posição do Brasil diante da situação da Venezuela?
Através de sua assessoria de imprensa, o Itamaraty informou que corrobora as notas emitidas pelo Mercosul e pela Unasul em relação à tensão no país. O texto do Mercosul fala de "tentativas de desestabilizar a ordem democrática" e rechaça "as ações criminais dos grupos violentos que querem disseminar a intolerância e o ódio na República Bolivariana da Venezuela como instrumento de luta política". “(O Mercosul) expressa seu mais firme rechaço às ameaças de ruptura da ordem democrática" e insta as partes a continuar o diálogo "no marco da institucionalidade democrática e do estado de direito, tal como promovido pelo presidente Nicolás Maduro". Já a Unasul defendeu a "preservação da institucionalidade", a "defesa da ordem democrática" e a necessidade de convicções serem expressadas pela "via democrática".
E a posição dos EUA?
Em comunicado, o secretário de Estado do país, John Kerry, manifestou "profunda preocupação" com a situação da Venezuela e condenou a violência dos protestos. "Estamos particularmente alarmados pelos informes que o governo venezuelano deteve ou tem detido dezenas de manifestantes opositores e pela emissão de uma ordem de detenção contra o líder opositor Leopoldo López", disse.
O Departamento de Estado também classificou como "falsas e sem fundamento" as acusações de que os EUA estariam colaborando com os protestos contra o governo de Maduro. "Apoiamos os direitos humanos e as liberdades fundamentais --incluindo a liberdade de expressão e o direito de reunião – na Venezuela e em todos os países do mundo. Mas, como temos dito há muito tempo, corresponde ao povo venezuelano decidir o futuro político da Venezuela", disse a porta-voz Jen Psaki.
Qual é o futuro da Ucrânia?
Qual é o futuro da Ucrânia?
Para ter estabilidade a longo prazo o país precisa de um acordo de união nacional, ou deve começar a cogitar uma divisão política.
Carta Capital
Por José Antonio Lima
A legitimidade do presidente da Ucrânia, Viktor Yanukovych, foi novamente minada nesta quinta-feira 20. O caos se ampliou em Kiev, a capital do país, devido aos confrontos entre forças de segurança e manifestantes que, há três meses, protestam contra o desejo do governo de aproximar a Ucrânia da Rússia. Segundo números oficiais, 39 pessoas morreram nesta quinta, muitas assassinadas por atiradores de elite, levando o total de vítimas fatais para 67 nos últimos três dias. Yanukovych decidiu fazer um jogo duplo. Ao mesmo tempo em que indica a possibilidade de convocar o Exército e ampliar a repressão, reabre negociações com a oposição. Dificilmente a estratégia terá sucesso. No curto prazo, a Ucrânia deve precisar de um governo de transição, sem Yanukovych, para evitar uma guerra civil. No médio e longo prazos, o país precisa considerar soluções mais difíceis para obter estabilidade.
Os problemas atuais do povo ucraniano têm raízes históricas antigas. A Ucrânia é fruto da reorganização geopolítica realizada ao fim da Primeira Guerra Mundial. Encerrado aquele conflito, um pedaço do Império Austro-Húngaro foi unido a um território do Império Russo e o resultado foi um Estado fraco na fronteira entre a Europa e a Rússia. Os habitantes das duas áreas eram bastante diferentes e até hoje o contraste é claro. No sul e no leste da Ucrânia, redutos eleitorais de Yanukovych, predominam a língua e a etnia russas, enquanto no norte e no oeste, onde a oposição tem mais votos, a língua e a etnia são ucranianas.
Ao longo do século XX, essas diferenças foram suprimidas pela formação da União Soviética e a brutal e sanguinária repressão imposta por Moscou. Em diversas oportunidades, o lado “ucraniano” da Ucrânia se insurgiu contra a influência russa, sempre em batalhas ferozes, mas nunca vitoriosas. O fim da União Soviética, e a consequente independência da Ucrânia, trouxeram os contrastes internos de volta à tona. Um fator externo, entretanto, serviria para transformar a dualidade de identidades da Ucrânia em um barril de pólvora.
Para os Estados Unidos e a União Europeia, o fim da União Soviética foi uma oportunidade de encurralar a Rússia. Este processo se deu por meio de duas entidades internacionais, a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) e a própria UE. Em 1999, Hungria, Polônia e República Tcheca, todos ex-membros do Pacto de Varsóvia, entraram na Otan. Em 2004, foi a vez de Bulgária, Eslovênia, Eslováquia, Estônia, Letônia, Lituânia e Romênia. Da mesma forma, países da Europa Oriental “migraram” para a União Europeia na última década. Em 2004, foi a vez de Estônia, Eslováquia, Eslovênia, Hungria, Letônia, Lituânia e Polônia. Em 2007, a de Bulgária e Romênia.
O resultado desse processo foi a chegada das fronteiras militares e econômicas do “Ocidente” às portas de Moscou, uma ameaça estratégica intolerável para a Rússia. Da antiga área de influência soviética só restam Bielorrússia, uma ditadura sustentada pela Rússia, e a Ucrânia, dividida entre a Europa e Moscou.
Para o Ocidente, tirar a Kiev da esfera de influência da Rússia de Vladimir Putin seria um trunfo e tanto. Ocorre que a cartada máxima nesse jogo, a integração completa à União Europeia, não pode ser usada agora. A Ucrânia é um país pobre, de 45 milhões de pessoas, que não poderiam ser absorvidas imediatamente por França, Alemanha e outros países sem causar instabilidade. Assim, a UE tenta atrair a Ucrânia de outras formas, como acordos comerciais. Em novembro, um deles quase foi assinado, mas a recusa de Viktor Yanukovych de confirmar a negociação, sob pressão da Rússia, fez explodir os atuais protestos contra ele.
Para a Rússia, a Ucrânia é um trunfo muito mais importante do que para a União Europeia. Pelas terras ucranianas Moscou envia seu gás natural para a Europa e tem acesso às águas quentes do Mar Negro. Também é no Mar Negro, no território ucraniano da Crimeia, que está uma das mais importantes frotas navais de Moscou. A saída da Ucrânia da esfera de influência russa, assim, é encarada quase que como uma questão existencial por Moscou.
O que não se sabe ainda é até onde está disposto a ir o presidente da Rússia, Vladimir Putin, para garantir influência sobre a Ucrânia. Yanukovych pode transformar o país em uma ditadura ao aumentar ainda mais repressão, ou levar a Ucrânia a uma guerra civil. Ambos cenários são de instabilidade, e aparentemente não desejáveis pela Rússia. Como Estados Unidos e União Europeia também não têm interesse em um cenário caótico, a formação de algum tipo de governo de transição pode ser a solução a curto prazo.
Ocorre que a realização de novas eleições, hoje programadas para 2015, vai simplesmente reabrir as feridas mais para frente caso a Ucrânia continue se dividindo e sendo disputada entre a Rússia e o Ocidente. Diante disso, o país precisa de uma solução de longo prazo, e ela não será nada fácil. Uma possibilidade é um acordo nacional, com concessões de lado a lado, que permita ao país conviver com as potências internacionais sem se conflagrar a cada crise. Caso isso não seja possível, talvez a Ucrânia deva pensar em uma solução mais insólita e radical: se dividir em dois países para que cada um possa seguir seu rumo em paz.
Ucrânia: golpe ou revolução?
Ucrânia: golpe ou revolução?
A queda do governo Yanukovych é só a primeira fase de uma atribulada transição na Ucrânia
por José Antonio Lima — publicado 24/02/2014
Afastado Viktor Yanukovych da presidência da Ucrânia, há uma disputa em curso a respeito da natureza do movimento político que produziu sua saída. Alguns veículos da imprensa ocidental, como as revistas Time e The New Republic, adotaram o termo "revolução", enquanto o próprio Yanukovych e seus patronos russos falam em "golpe". A rigor, a queda do presidente ucraniano se aproxima mais a um golpe, mas isso não significa que o desfecho não pode ser positivo.
Quando se trata dos termos "revolução" e "golpe", a conotação das palavras conta mais que seu sentido denotativo. Revolução tem um forte sentido positivo, pois geralmente elas são realizadas contra regimes autoritários e, portanto, indicariam o caminho do "bem", da democracia. Os golpes, ao contrário, têm sentido negativo, pois trazem à mente rompimentos da ordem democrática, geralmente provocados por militares com o apoio de setores civis.
Toda essa conotação, entretanto, é motivada politicamente. Há exemplos tanto de revoluções negativas quanto de golpes positivos. A Revolução Russa, por exemplo, derrubou o cruel czarismo, mas implantou o comunismo autoritário; a Revolução Iraniana derrubou a terrível ditadura do xá Reza Pahlevi, mas em seu lugar deixou um regime híbrido de teocracia e democracia controlada.
Do lado do "golpismo" também há exceções. A hoje chamada Revolução dos Cravos de Portugal, que deu origem ao atual período democrático português, foi iniciada, na realidade, com um golpe militar contra o autoritarismo do Estado Novo que vigorava então. No Egito, o golpe palaciano dos militares contra Hosni Mubarak abriu espaço para a democracia que elegeu Mohamed Morsi (apesar de tal período ter sido interrompido no ano passado com outro golpe).
Revolução e golpe são termos intrínsecos à política e, sendo assim, é praticamente impossível evitar a politização de ambos. Para entender os eventos, entretanto, é preciso recorrer a um mínimo de rigor acadêmico.
H.M. Hyndman e outros autores definem revolução como uma mudança completa na ordem social, um movimento que traz impactos não só políticos como econômicos e religiosos, exatamente como nas revoluções russa e iraniana. O golpe é mais fácil de identificar. Pela definição Charles Sampford, o golpe ocorre "quando os militares ou uma parte das Forças Armadas volta seu poder coercitivo contra o cume do Estado, se estabelece lá, e o resto do Estado recebe ordens do novo regime". Cabe nesta definição, por exemplo, o golpe de 1964 no Brasil contra João Goulart.
O que ocorreu com Yanukovych na Ucrânia, assim, não é nem de longe uma revolução, mas também não chega a ser um golpe completo.
Seu caso é mais parecido com o golpe que derrubou Manuel Zelaya em Honduras, em 2009. Naquela oportunidade, os militares tinham interesse em se ver livres do então presidente e intervieram de forma pontual, tirando Zelaya do poder e enviando-o (de pijamas) para a Costa Rica. Nos momentos seguintes, entregaram o comando da situação aos civis.
No caso ucraniano, os militares intervieram ao não intervir. Ao garantirem neutralidade, abriram o caminho para a saída de Yanukovych que, por conta da intransigência e da extrema brutalidade empregada contra os manifestantes, havia virado o alvo primordial dos protestos, a ponto de ser abandonado por seus correligionários do Partido das Regiões. Com a certeza de que as Forças Armadas não se mexeriam, manifestantes tomaram prédios do governo e a residência oficial em Kiev. Nas horas seguintes, o Congresso convenientemente aprovou o impeachment de Yanukovich, legalizando o "quase golpe".
A transição para um novo governo, que deve ser eleito em 25 de maio, não servirá, entretanto, para colocar fim à crise na Ucrânia. O país, dividido entre a Europa e a Rússia, vive uma crise de identidade que exige soluções de longo prazo. Enquanto as regiões oeste e norte, onde predominam a etnia e a língua ucranianas, desejam se aproximar da União Europeia, o leste e o sul do país buscam aliança com a Rússia, com a qual têm mais afinidade. Diante da derrubada de Yanukovych, que deu início à crise ao recusar, sob pressão de Moscou, um acordo comercial com a União Europeia, há crescente insatisfação na região leste da Ucrânia e, na Crimea, província ao Sul, cresce o sentimento de separatismo. Mais que um golpe ou uma revolução, a Ucrânia precisa de um estadista corajoso e disposto a manter a integridade da nação, o que certamente exigirá concessões de lado a lado e, talvez, o rompimento da integridade territorial da Ucrânia atual. Não será nada fácil.
Fortalecimento da agricultura familiar na Amazônia?
Fortalecimento da agricultura familiar na Amazônia? |
As fantásticas oportunidades propiciadas pelas riquezas naturais da Amazônia caíram como uma luva na agenda desenvolvimentista do governo central. Nesse projeto, os agricultores familiares participam nas franjas, quando integrados aos grandes empreendimentos capitalistas de agroenergias e commodities agropecuárias
|
por Gerson Teixeira |
(Homem navega em rio da Amazônia, região definida como fronteira energética do país com base na hidreletricidade)
Entendemos como agricultores familiares na Amazônia aqueles com traços sociais constitutivos do campesinato em seus termos clássicos, que mantêm condutas econômicas por vezes influenciadas por fatores estranhos à racionalidade capitalista, pautadas nas interaçõesentre economia, tradições e meio natural, com a dominância do trabalho da família no processo produtivo. Eles são um amplo mosaico social de agricultores na Amazônia, internamente diferenciados pelas origens e pelos graus de inserção nos mercados e de integração com a natureza.O último Censo Agropecuário do IBGE, de 2006, identificou cerca de 700 mil estabelecimentos familiares (86% do total) ocupando uma área de 25,4 milhões de hectares (22% da área total dos estabelecimentos). Os estabelecimentos familiares na Amazônia correspondiam naquela data a 16% e 32%, respectivamente, do número e área dos estabelecimentos familiares do Brasil. Admite-se que esses agricultores resistem, sobrevivem, residualmente prosperem, num ambiente de gigantescos e seculares contrastes e iniquidades, não superados até a presente data; pelo contrário.De um lado, convivem em um ambiente de fabulosas riquezas naturais distribuídas num vasto território de 514 milhões de hectares. De outro, enfrentam cada vez mais restrições ao acesso a essas riquezas, incluindo a terra. Particularmente desde meados da década passada,a Amazônia passou a ser alvo de vultosos fluxos de capital,produtivo e especulativo,atraídos pelas potencialidades da região no suprimento dos aquecidos mercados de commodities agropecuárias, florestais,e minerais. O impulso predatórioda expansão desses empreendimentos associado aos vazamentos da renda líquida regional típicos dos ciclos econômicos do passado seriam enfrentados: (i) pela consolidação da democracia no país com desdobramentos no fortalecimento da consciência ambiental; e (ii) pelopapel estratégico internacionalmente creditado à floresta amazônica para o enfrentamento dosdesafios sistêmicos globais. Incluem-se nesses desafios: o quadro das mudanças climáticas, a preservação da biodiversidade e, de modo subjacente, a funcionalidade da região aos esforços pela garantia da segurança alimentar. Esses argumentos não impediram a prevalência da agenda do neodesenvolvimentismo em curso, o que tem resultado na expansão acelerada dos grandes projetos agropecuários, florestais e minerais, para o que colabora enormemente o quadro de frouxidão regulatória em torno da ocupação territorial pelo agronegócio,como atestam a recente aprovação do novo Código Florestal e a persistência da inexistência prática de limites e controles na posse da terra por pessoas estrangeiras. A Amazônia também foi definida como a grande fronteira energética do país com base na hidreletricidade. Os profundos impactos negativos desses projetos nos planos ambiental, social, econômico e cultural desarticulam vastos segmentos da agricultura familiar e outros grupos sociais sensíveis. Mesmo ações recentes de proteção ambiental, como cotas de reserva legal e títulos de carbono, se destacam muito mais por constituírem ativos de atrativos mercados com repercussões de monta sobre a estrutura fundiária e sobre o controle pelo capital externo dos recursos naturais de modo geral. As fantásticas oportunidades propiciadas pelas riquezas naturais da Amazônia, nos planos interno e externo, caíram como uma luva na agenda desenvolvimentista do governo central. Nesse projeto, os agricultores familiares participam nas franjas, quando integrados aos grandes empreendimentos capitalistas de agroenergias e commodities agropecuárias. Nas circunstâncias recentes de restauração e consolidação da democracia, não caberiamais a escala das permissividades do projeto levado a cabo no passado, em especial pelos governos militares com a Operação Amazônia da década de 1970. Mas as bases e a ambição do atual projeto de integração profunda da Amazônia à economia global nem de longe encontram similares na história da Amazônia desde as políticas de integração. Em termos sintéticos, a dimensão rural da estratégia regional busca, entre outros pontos, asegurança jurídica na posse da terra para os empreendimentos capitalistas, o que vem sendo perseguido com o Programa Terra Legal (Lei n.11.952/2009), em que pese sua versão final menos ousada em relação à proposta original graças às ações dos movimentos sociais. Consta que está em estudo no governo a recuperação do texto original. Pretende-se também a flexibilização da legislação ambiental, o que em grande parte foi obtido com a aprovação do novo Código Florestal. Para ampliar a competitividade nos mercados asiáticos das commodities há a convergência das obras rodoviárias do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) com as da Iniciativa para a Integração daInfraestrutura Regional Sul-Americana(IIRSA), para possibilitar a saída pelo Pacífico, principalmente via Peru. Abandono da produção dos alimentos básicos Sob esse forte cerco do capital pelo controle da floresta e do carbono, da água, dos minérios; enfim, do território, deve ser feita a reflexão sobre o eventual fortalecimento da agricultura familiar na Amazônia. Na região Norte, o Censo Agropecuário de 2006 revelou indicadores socioeconômicos da agricultura de base familiar na Amazônia que suplantavam os da agricultura não familiar. Em 2006, o valor das receitas obtidas pelos estabelecimentos agropecuários com produtos vegetais (Norte) foi de R$ 3 bilhões. Desse total, a agricultura familiar participou com 60%. Do conjunto das atividades agrícolas e não agrícolas processadas no interior dos estabelecimentos agropecuários da região Norte, a agricultura familiar, no quesito geração de renda, só não liderou na atividade do turismo rural. Tomando toda a Amazônia Legal, os estabelecimentos familiares respondiam por 82% do total de 3 milhões de pessoas ocupadas na atividade agropecuária regional. No Brasil, essa proporção em 2006 foi de 74%. Em aparente contraste com as adversidades da realidade antes descrita, as políticas de transferência de renda e de fomento produtivo, notadamente o crédito e as compras institucionais, colocadas em práticas desde 2003, tenderiam a amenizar o severo quadro que pressiona a agricultura familiar na Amazônia. Na verdade, se apresentam como contrapartida para a miniaturização do programa de reforma agrária em nome da garantia da governabilidade. Quanto ao fomento produtivo, a oferta de recursos para o crédito rural na Amazônia aumentou de forma expressiva. De acordo com o Banco Central, em 2002 os financiamentos para os agricultores familiares na Amazônia via Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) envolveram 73 mil contratos e o valor de R$ 280 milhões. Em 2012, o número de contratos saltou para 184 mil, mobilizando R$ 2 bilhões. Foram desenvolvidos mercados institucionais como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae), que têm crescido de forma continuada, em que pese suas escalas relativamente ainda pouco significativasvis-à-vis o universo dos agricultores familiares na Amazônia. Junto com outras ações federais na área da comercialização e da recuperação dos serviços de assistência técnica, tais medidas geram impactos positivos na economia camponesa em geral. Contudo, ante a impossibilidade de uma avaliação mais consistente da evolução recente da economia agrícola de base familiar, é possível pinçar alguns indícios preocupantes, de cunho qualitativo. Primeiro, cumpre destacar, no caso do financiamento produtivo, que ele tem atendido também a demandas de empresários que não se enquadram no critério de pertencer à agricultura familiar. O potencial econômico degenerativo do elevado grau do endividamento desses agricultores junto ao Fundo Constitucional de Financiamento do Norte (FNO) vem sendo administrado por medidas de repactuações sucessivas. Os dados mais recentes (out. 2011) mostram que, na área de abrangência do FNO, o saldo das dívidas rurais alcançava R$ 19,5 bilhões, dos quais mais de R$ 13 bilhões já haviam sido lançados como prejuízo de acordo com dados do Ministério da Fazenda. Segundo, a exemplo do fenômeno observado no plano nacional, o crédito, incluindo o programa Mais Alimentos, que financia máquinas, está concebido para servir de vetor do processo de modernização conservadora da agricultura familiar na Amazônia. Há a indução da replicagem, no universo ainda não “modernizado” desse segmento, dos padrões de organização e gestão da agricultura do agronegócio, o que passa pela disseminação da matriz tecnológica da “revolução verde”. É a modernização conservadora tardia da agricultura familiar. O que reputo particularmente preocupante do resultado desse esforço de enquadramento da economia camponesa na região à dinâmica do agronegócio tem sido o progressivo abandono, por essas pequenas unidades produtivas, da produção dos alimentos básicos da dieta da população. Exceto na área amazônica do Maranhão, o número de contratos de custeio de arroz, feijão e mandioca na região, com recursos do Pronaf, declinou 57% de 2002 para 2012, conforme dados do Banco Central. Uma tendência está estabelecida: o enfraquecimento do protagonismo desse segmento na produção de alimentos básicos, o que desde sempre tem sido o atributo político distintivo do papel social da agricultura familiar. Trata-se de um processo que se manifesta em nível nacional, o que explica a pressão dos preços dos alimentos no atual repique do processo inflacionário no Brasil.
Gerson Teixeira
Presidente da Associação Brasileira de Reforma Agrária (Abra).Ilustração: Cordel Imagem / Sambaphoto |
Os caminhos inesperados de Mandela
O HOMEM TORNA-SE ÍCONE |
Os caminhos inesperados de Mandela |
Seu nome, entoado nos cinco continentes, é sinônimo de resistência, libertação, universalidade. Lutador obstinado e esperto, Nelson Mandela não existe mais. Porém, a mera ideia de que as pessoas se lamentassem ao pé de sua estátua o exasperava: é necessário ir em frente, dizia, e continuar na tarefa da emancipação
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por Achille Mbembe |
Se é preciso conceder a Mandela a recusa da santidade que ele não cessava de rejeitar, devemos reconhecer também que ele estava longe de ser um homem comum. Oapartheidprovocou o surgimento de uma classe de mulheres e de homens sem medo que, ao preço de sacrifícios incríveis, precipitaram sua abolição. Se, de todos, Mandela tornou-se o nome, foi porque a cada encruzilhada em sua vida ele se mostrou capaz de adotar, às vezes sob a pressão das circunstâncias e muitas vezes voluntariamente, caminhos inesperados. Sua vida vai ser resumida em poucas palavras: um homem sempre à procura, sentinela da partida e cujos retornos, tão inesperados quanto milagrosos, apenas terão contribuído ainda mais para sua mitificação. Na base do mito não se encontram apenas o desejo do sagrado e a sede do secreto. Ele floresce pela primeira vez na proximidade da morte, essa primeira forma de partida e afastamento. Bem cedo, Mandela teve uma experiência assim, quando seu pai, Mphakanyiswa Gadla Mandela, morreu quase diante de seus olhos. Essa primeira partida precipitou outra. Acompanhado de sua mãe, o jovem Mandela deixou Qunu, o lugar de sua infância e dos primórdios de sua adolescência. Ele voltaria a se estabelecer ali depois de seus longos anos de prisão, após ter construído no local uma casa, réplica com todos os detalhes da última prisão onde ficou encarcerado pouco antes de sua libertação. Recusando-se a se conformar com os costumes, Mandela partiria uma segunda vez no final da adolescência. Príncipe fugitivo, virou as costas para uma carreira junto ao chefe dos Thembus, seu clã de origem. Seguiu para Johannesburgo, cidade voltada à mineração, em pleno crescimento, e lugar das contradições sociais, culturais e políticas geradas por essa montagem barroca de capitalismo e racismo que assumiria em 1948 a forma e o nome de apartheid. Chamado a se tornar um líder na ordem vigente, Mandela se converteria ao nacionalismo como outros a uma religião, e a cidade das minas de ouro se tornaria o palco principal do encontro com seu destino. Começou então uma via crucis longa e dolorosa, feita de privações, prisões constantes, perseguições intempestivas, vários comparecimentos diante dos tribunais, estadas regulares nos presídios com seu rosário de torturas e seus rituais de humilhação, períodos mais ou menos prolongados de vida clandestina, inversão dos mundos diurno e noturno, disfarces mais ou menos espontâneos, uma vida familiar dispersa, moradias abandonadas – o homem em luta, rastreado, o fugitivo constantemente de partida, guiado apenas pela convicção de um dia futuro, o dia do retorno. De fato, Mandela assumiu riscos enormes. Com a própria vida, que ele viveu intensamente, como se tudo fosse recomeçar a cada vez e como se cada vez fosse a última. Mas também com a de muitos outros, a começar por sua família, que, consequência inevitável, pagou um preço inestimável pelos compromissos e convicções dele. Ela o vinculava por isso a uma dívida insondável que ele sempre soube não estar em condições de compensar, o que só fez agravar seus sentimentos de culpa. Mandela evitou por pouco a pena de morte. Foi em 1964. Estava preparado para ser condenado. “Se tínhamos de desaparecer, melhor fazê-lo em meio a uma nuvem de glória. Ficávamos satisfeitos de saber que a morte representaria nossa última oferta ao nosso povo e à nossa organização.”1 Essa visão eucarística, no entanto, estava isenta de qualquer desejo de martírio. E, ao contrário de todos os outros, de Ruben Um Nyobè a Patrice Lumumba, passando por Amílcar Cabral, Martin Luther King até Mohandas Karamchand Gandhi, ele escaparia à foice. Resto de humanidade Foi na prisão de Robben Island que ele teve realmente a experiência desse desejo de vida, no limite do trabalho forçado, da morte e do banimento. A prisão se tornaria o local de uma prova extrema, a do confinamento e do retorno do homem à sua mais simples expressão. Nesse lugar de privação máxima, Mandela aprendeu a viver na cela na qual passaria mais de vinte anos como se fosse um sobrevivente forçado a se casar com um caixão.2 Durante longas e terríveis horas de solidão, levado à beira da loucura, ele redescobriria o essencial, aquele que jaz no silêncio e no detalhe. Tudo lhe falaria do novo: uma formiga que corre não se sabe onde; a semente enterrada que morre e depois se recupera, criando a ilusão de um jardim; um pedaço de algo, não importa o quê; o silêncio dos dias mornos que se juntam sem parecer que se passam; o tempo que se alonga interminavelmente; a lentidão dos dias e o frio das noites; a palavra que se torna rara; o mundo para além dos muros do qual não se ouvem mais os murmúrios; o abismo que foi Robben Island e os traços do penitenciário em seu rosto agora esculpido pela dor, em seus olhos murchos pela luz do sol que refrata sob o quartzo, a poeira nesse rosto transformado em espectro fantasmagórico e em seus pulmões, nos dedos dos pés, e acima de tudo esse sorriso alegre e brilhante, essa postura altaneira, firme, em pé, o punho cerrado, pronto para abraçar de novo o mundo e fazer soprar a tempestade. Despojado de quase tudo, ele lutou com unhas e dentes para não abdicar de forma alguma do resto de humanidade que seus captores queriam a qualquer preço arrancar dele e brandir como o troféu final. Reduzido a viver com quase nada, ele aprendeu a economizar tudo, mas também a cultivar um profundo desapego em relação às coisas da vida profana, aí incluídos os prazeres da sexualidade. Até o ponto de, confinado entre duas paredes e meia, não ser, apesar de tudo, escravo de ninguém. Homem de carne e osso, Mandela viveu, portanto, próximo ao desastre. Ele penetrou na noite da vida, o mais próximo das trevas, à procura de uma ideia, de saber como viver livre da raça e da dominação do mesmo nome. Suas escolhas o conduziram à beira do abismo. Ele fascinou o mundo, porque voltou vivo do país das sombras. Como os movimentos operários do século XIX ou ainda as lutas das mulheres, nossa modernidade foi trabalhada pelo sonho de abolição trazido pelos escravos. É esse sonho que foi prolongado, no início do século XX, pelas lutas em favor da descolonização. A práxis política de Mandela se inscreve nessa história específica das grandes lutas africanas pela emancipação humana. Tais lutas se revestiram, desde as origens, de uma dimensão planetária. Seu significado nunca foi apenas local. Sempre foi universal. Mesmo quando mobilizaram atores locais, em um país ou em um território nacional bem circunscrito, elas estavam no ponto de partida de solidariedades forjadas numa escala global e transnacional. Foram lutas que, a cada vez, permitiram a extensão ou mesmo a universalização de direitos que até então tinham permanecido como o apanágio de uma raça. Foi o triunfo do movimento abolicionista ao longo do século XIX que pôs fim à contradição representada pelas modernas democracias escravagistas. Encontramos a mesma universalidade no movimento anticolonialista. O que ele visava senão tornar possível a manifestação de um poder próprio de gênese – o poder de se manter de pé por si mesmo, de se autodeterminar? Ao tornar-se um símbolo da luta global contra o apartheid, Mandela ampliou esses significados. Aqui, o objetivo é estabelecer uma comunidade além da raça. Enquanto o racismo está de volta sob formas mais ou menos inesperadas, o projeto de igualdade universal está mais do que nunca diante de nós. Resta dizer uma coisa sobre a África do Sul que Mandela deixa atrás de si. A passagem de uma sociedade de controle para uma de consumo representa, sem dúvida, uma das transformações mais decisivas desde sua libertação e do fim do apartheid. Sob o regime de segregação, o controle consistia em rastrear e restringir a mobilidade dos negros. Ele se baseava na regulação dos espaços nos quais eles estavam confinados, com o objetivo de extrair deles o máximo de trabalho possível. Os contatos entre os indivíduos eram proibidos ou regulados por leis rigorosas, especialmente quando essas pessoas pertenciam a categorias raciais diferentes. O controle passava, portanto, pela modulação da brutalidade ao longo de linhas raciais. Sob o apartheid, tal brutalidade tinha três funções. Por um lado, visava enfraquecer a capacidade dos negros de garantir sua reprodução social. Eles nunca foram capazes de levantar os meios indispensáveis para uma vida digna, quer se tratasse de acesso a alimentação, moradia, educação e saúde etc. Essa brutalidade tinha por outro lado uma dimensão somática. Visava imobilizar os corpos, paralisá-los, quebrá-los se necessário. Por fim, atacava o sistema nervoso e tendia a secar as capacidades de suas vítimas de criar seu próprio mundo de símbolos. Suas energias eram, na maior parte do tempo, desviadas para as tarefas de sobrevivência. Esse era, com efeito, o trabalho que se esperava que o racismo realizasse. Essas formas de violência e brutalidade foram objeto de uma interiorização mais profunda do que nós gostaríamos de admitir. Elas são, desde 1994, reproduzidas num modo molecular no âmbito da existência comum e pública. Manifestam-se em todos os níveis das interações sociais cotidianas, quer se trate das esferas íntimas da vida, das estruturas do desejo e da sexualidade ou até do irreprimível desejo de consumir todos os tipos de mercadorias. Esse desejo desenfreado de consumo é tomado como essência e substância da democracia e da cidadania. A passagem de uma sociedade de controle para uma de consumo ocorre em um contexto marcado por várias formas de privação para a maioria dos negros. Opulência e privação extremas coexistem, e o fosso que separa esses dois estados tende cada vez mais a ser negociado pela violência e pelas diversas formas de acumulação. A democracia pós-Mandela é composta principalmente de negros sem trabalho e de outros sem possibilidade de ser empregados, que não exercem um direito de propriedade sobre quase nada. A longa história do país é ela própria marcada pelo antagonismo entre dois princípios, o governo do povo pelo povo e a lei dos proprietários. Até pouco tempo atrás, estes últimos eram quase exclusivamente brancos, e era isso que conferia às lutas uma conotação racial. As coisas não são mais exatamente assim hoje em dia. A classe média negra emergente, no entanto, não está em posição de desfrutar em total segurança os direitos de propriedade há pouco adquiridos. Ela não está segura de que a casa comprada a crédito não venha a ser retomada amanhã, pela força ou em virtude de circunstâncias econômicas adversas. Esse sentimento de precariedade é uma das marcas da psicologia de classe. A África do Sul entra em um novo período de sua história, durante o qual os procedimentos de acumulação não acontecem mais por meio da expropriação direta. Eles passam agora pela captura e pela apropriação privada dos recursos públicos, pela modulação da brutalidade e por uma relativa instrumentalização da desordem. A constituição de uma nova classe dominante multirracial se dá, portanto, por meio de uma síntese híbrida dos modelos russo, chinês e africano pós-colonial. Plenitude na humanidade De resto, tanto da vida como da prática de Mandela, duas lições merecem ser lembradas. A primeira é que só existe um mundo, pelo menos de momento. O que, portanto, é comum para nós é o sentimento ou o desejo de sermos seres humanos de pleno direito. Esse desejo de plenitude na humanidade é algo que todos compartilhamos. A segunda lição é que, para construir esse mundo que nos é comum, será preciso restituir àqueles que sofreram um processo de abstração e de coisificação na história a parte da humanidade que lhes foi roubada. Haverá pouca consciência de um mundo comum enquanto aqueles que foram imersos em uma situação de extrema pobreza não tiverem escapado das condições que os confinam na noite da infravida. No pensamento de Mandela, reconciliação e reparação estão no cerne da própria possibilidade de construção de uma consciência comum do mundo, isto é, a realização de uma justiça universal. Com base em sua experiência carcerária, ele chega à conclusão de que há uma parte de humanidade intrínseca da qual cada pessoa humana é depositária. Essa parte irredutível pertence a cada um de nós. Ela faz que, objetivamente, sejamos ao mesmo tempo distintos uns dos outros e semelhantes. A ética da reconciliação e da reparação, portanto, implica o reconhecimento daquilo que se poderia chamar de a parte do outro, que não é a minha e da qual eu, no entanto, sou o fiador, quer eu queira ou não. Essa parte do outro, eu não poderia agarrá-la sem consequências para a ideia de si mesmo, da justiça, da lei, ou até mesmo de toda a humanidade, ou ainda para o projeto do universal, se tal é de fato a destinação final. Nessas condições, é inútil erigir fronteiras, construir paredes e lugares fechados, dividir, classificar, hierarquizar, tentar separar da humanidade aqueles que tivermos rebaixado, que desprezamos, que não se parecem conosco ou com os quais acreditamos que nunca vamos conseguir nos entender. Existe apenas um mundo, e somos todos herdeiros dele, ainda que as maneiras de habitá-lo não sejam as mesmas – daí justamente a real pluralidade das culturas e dos modos de viver. Dizer não significa de modo algum ofuscar a brutalidade e o cinismo que ainda caracterizam o encontro dos povos e das nações. Trata-se apenas de relembrar um dado imediato, inexorável, cuja origem se situa, provavelmente, no início dos tempos modernos: o processo irreversível de emaranhamento e entrelaçamento de culturas, povos e nações. Muitas vezes, o desejo de diferença emerge precisamente ali onde se vive de forma mais intensa uma experiência de exclusão. A proclamação da diferença é então a linguagem inversa do desejo de reconhecimento e inclusão. Para aqueles que já experimentaram o domínio colonial ou para aqueles cuja parte de humanidade foi roubada em algum momento da história, a recuperação dessa parte de humanidade passa com frequência pela proclamação da diferença. Mas, como se vê em uma parte da crítica africana moderna, esse é apenas um momento de um projeto maior: o projeto de um mundo futuro, um mundo à nossa frente, cujo destino é universal; um mundo livre do fardo da raça, do ressentimento e do desejo de vingança que qualquer situação de racismo chama.
Achille Mbembe é professor de história e ciências políticas na Universidade de Witwatersand em Johannesburg, autor de Le sujet de race. Contribution à la critique de la raison nègre, editora Fayard (Paris).
Ilustração: Tulipa Ruiz 1 Nelson Mandela, Conversations avec moi-même [Conversas comigo mesmo], Seuil, Paris, 2011. 2 Cf. Nelson Mandela, Un long chemin vers la liberté [Um longo caminho para a liberdade], The Paperback, Paris, 1996. |
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