O uso político do 11 de setembro nas eleições americanas

Na
convenção democrata, realizada na semana passada, eleitor carrega
adesivo com a inscrição “Bin Laden está morto. A GM está viva!” A frase
virou lema da campanha democrata para elogiar a bravura de Obama. Foto:
Robyn Beck / AFP
No início de maio de 2011, quando Barack Obama surgiu em rede
nacional nos Estados Unidos para anunciar o assassinato de Osama bin
Laden, uma série de analistas previu que a morte do terrorista serviria
para catapultar o democrata à reeleição. A principal razão para tanto
era a euforia gerada pelo anúncio, que levou gente às ruas para celebrar
como se fosse o 4 de julho. Passados 16 meses, a morte de Bin Laden foi
digerida e a recuperação da economia norte-americana desacelerou. Mitt
Romney vem se provando um adversário difícil de ser batido e Obama
parece disposto a usar todas as armas à disposição para derrotar o
republicano – até mesmo o 11 de setembro, que nesta terça-feira completa
11 anos.
O uso político da morte de Bin Laden, e dos atentados, teve início em
abril deste ano. Naquele mês, a campanha de Obama lançou na internet o
vídeo “
One Chance” (Uma chance), que exalta o fato de Obama ter ordenado o arriscado ataque dos
seals
que foram até Abbottabad, a cidade paquistanesa onde Bin Laden estava
escondido. O vídeo conta com depoimento de Bill Clinton, ex-presidente
cada vez mais engajado na campanha de Obama, e destaca comentários de
Romney, segundo quem os EUA não deveriam realizar ataques dentro do
Paquistão contra alvos da Al-Qaeda e nem gastar “bilhões de dólares para
pegar um único homem”.
Também em abril, o vice de Obama, Joe Biden, disse uma frase que se
tornou lema da campanha democrata. Ao comparar o que Obama fez e o que
Romney teria feito como presidente, segundo o próprio Biden, ele disse:
“Bin Laden está morto e a General Motors está viva”, um referência ao
resgate da montadora de automóveis que chegou à beira da falência
durante o auge da crise econômica de 2008. Biden repetiu a frase na
convenção do Partido Democrata, realizada na semana passada. No mesmo
evento, o senador John Kerry, candidato democrata em 2004, respondeu aos
questionamentos de republicanos sobre a condição dos Estados Unidos
hoje e há quatro anos. “Perguntem a Osama bin Laden se ele está melhor
agora do que há quatro anos”, afirmou Kerry.
Um terceiro possível uso político da operação foi bloqueado pelo Partido Republicano. Documentos obtidos pelo site
Judicial Watch
mostraram que a Casa Branca, a CIA e o Pentágono cooperaram com
interesse com a diretora Kathryn Bigelow (vencedora do Oscar por
Guerra ao Terror) e com o roteirista Mark Boal, responsáveis por
Zero Dark Thirty
(sem tradução para o português), filme sobre a caça a Bin Laden. A
gritaria dos republicanos foi tão alta, assim como as suspeitas de que o
governo teria passado informações confidenciais a Bigelow e Boal, que o
lançamento do filme foi postergado para novembro, depois das eleições.
Os republicanos tentam, por sua vez, neutralizar os possíveis
benefícios a Obama. Em agosto, um grupo de ex-integrantes das agências
de inteligência americana e das forças especiais publicou um
vídeo de 22 minutos
no qual critica supostos vazamentos de informações confidenciais
provocados pela Casa Branca a respeito de operações militares
norte-americanas e também o uso político da morte de Bin Laden. No
filme, um homem que se identifica como
seal da Marinha dos EUA
diz a Obama: “Senhor presidente, você não matou Osama bin Laden, a
América o fez”. O grupo de ex-militares, conhecido pela sigla OPSEC, se
diz apartidário, mas aparentemente esta não é sua real natureza. O
presidente do grupo tentou se candidatar pelo Partido Republicano em
2010. E um dos representantes foi porta-voz do Diretor de Inteligência
Nacional no governo do republicano George W. Bush.

Uma
cópia de “No Easy Day” em livraria de Nova York, em 4 de setembro. O
livro conta detalhes da operação que matou Bin Laden. Foto: Spencer
Platt/Getty Images/AFP
A popularidade do assassinato de Bin Laden colocou a Casa Branca numa
situação desconfortável. Desde a semana passada, está na lista dos mais
vendidos nos EUA o livro
No Easy Day, escrito por um dos
seals
que participou do ataque à residência de Bin Laden. Mark Owen
(pseudônimo do militar) descreve com detalhes toda sua preparação
militar, bem como a operação em que Bin Laden foi morto. Em sua versão
dos fatos, Owen desmente parte da história que foi contada pela Casa
Branca. Segundo ele, Bin Laden foi atingido por um tiro na cabeça quando
colocou o rosto para fora da porta de seu quarto e por vários outros
disparos já no chão do cômodo. Na versão oficial do episódio, Bin Laden
foi atingido ao tentar alcançar uma arma para atirar contra os
seals.
A Casa Branca, por óbvio, não gostou de ser desmentida. Owen não
enviou o livro à censura prévia do governo, exigência comum a todos os
militares e membros da inteligência americana ao divulgar informações ao
público, e o porta-voz de Obama afirmou que Owen violou as regras. A
Casa Branca ainda não se pronunciou sobre possíveis punições ao militar.
Owen se aposentou, mas ainda está sujeito a sanções, como o bloqueio de
toda a renda gerada pelo livro. A demora da Casa Branca provavelmente
tem relação com as eleições. Afinal, como os eleitores iriam encarar o
fato de o presidente que se gaba de ter ordenado o ataque processar um
dos “heróis” que foi até o Paquistão?
Em entrevista veiculada pelo programa
60 minutes no último
domingo, Owen disse que seu livro não deve ser levado para o debate
político pois se restringe ao 11 de setembro e a “uma das principais
missões da história”, que merece ser contada agora para a sociedade
norte-americana. “Se esses loucos em ambos os lados do espectro político
querem tornar (
o livro) político, que vergonha para eles”.
Owen, como membro da tropa de elite mais treinada dos EUA, é capaz de
realizar as missões mais arriscadas em nome de seu país, mas no que diz
respeito a seu entendimento da política local ainda é um amador.